A interpretação da rescisão contratual, sua homologação e quitação perante os termos do Enunciado N.º 330 do TST
Rafael Ferraresi Holanda Cavalcante*
O Tribunal Superior do Trabalho – TST vem lidando nos últimos anos, quiçá décadas, com um enorme ceticismo por parte da sociedade brasileira, no que diz respeito as suas decisões e postura, alinhado que está com uma política de “flexibilização” dos direitos trabalhistas.
Um exemplo que se dá a essa situação é a edição do Enunciado n.º 330 do TST. O Enunciado n.º 330 do TST, editado pela primeira vez em 21.1.93 (revisando o Enunciado n.º 41), gerou a época enorme polêmica no meio jurídico trabalhista, pois se pretendia considerar quitados todos os direitos com a homologação da rescisão do contrato de trabalho, com base no disposto no artigo 477 da CLT e seus respectivos parágrafos. Na oportunidade houve forte reação da sociedade, forçando o Tribunal a admitir uma primeira revisão, estabelecida na forma de “esclarecimentos” (considerandos). No entanto, a redação do Enunciado continuou gerando decisões contraditórias. Ora, os juízes entendendo que a homologação dá quitação geral, quando não houvesse ressalvas, ora entendendo que a quitação é somente sobre o que se consigna no recibo.
Para finalmente solver a questão, em 18.04.01 o TST decidiu por alterar o Enunciado n.º 330, que passou a ter a seguinte redação:
“ENUNCIADO Nº 330. QUITAÇÃO. VALIDADE: A quitação passada pelo empregado, com assistência de entidade sindical de sua categoria, ao empregador, com observância dos requisitos exigidos nos parágrafos do art. 477 da CLT, tem eficácia liberatória em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo, salvo se oposta ressalva expressa e especificada ao valor dado à parcela ou parcelas impugnadas.
I – A quitação não abrange parcelas não consignadas no recibo de quitação e, conseqüentemente, seus reflexos em outras parcelas, ainda que essas constem desse recibo.
II – Quanto a direitos que deveriam ter sido satisfeitos durante a vigência do contrato de trabalho, a quitação é válida em relação ao período expressamente consignado no recibo de quitação.”
No entanto, o efeito desejado pelo TST ainda não foi atingido. A redação continuou ainda a gerar polêmica. O item I do referido verbete sumular procura esclarecer que o recibo de rescisão (Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho – TRCT) somente confere quitação ao que estiver expressamente consignado, excluindo inclusive os reflexos. Na prática, esta redação decorreu da seguinte situação: reflexos da média de horas extras nas verbas rescisórias. Esse era o caso que deu origem ao Enunciado atual.
A redação anterior do Enunciado n.º 330 do TST dava ensejo a duas interpretações distintas sobre o assunto. A primeira entendia de forma restrita e a segunda de forma ampla. Restrita, no sentido de que as parcelas não rescisórias não estão abrangidas pela quitação; e ampla, por entender que as parcelas que não fossem rescisórias consignadas no recibo encontram-se quitadas.
Entretanto, essa dupla interpretação era inaceitável, pois no caso da segunda corrente, esta dava alcance maior ao Enunciado que ao próprio artigo 477 da CLT, o que ao meu entender e dos próprios ministros do TST ofendia o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.
Nesse diapasão, é claro que outras parcelas consignadas no recibo podem ser consideradas quitadas, mas apenas pelo valor aposto no recibo, pois é evidente que pode a parte ingressar com ação trabalhista para receber, por exemplo, horas extras realizadas e não quitadas.
O intuito do TST com a alteração do Enunciado 330 foi a melhor possível, contudo, para se chegar a este entendimento havia que se ter uma análise apurada da questão por parte principalmente dos Tribunais Regionais do Trabalho, o que às vezes, data venia, não acontecia.
Já quanto ao item II, melhor sorte não assistia a intenção de se ver resolvida a dualidade de entendimentos. O item II, conforme restou redigido, podia-se prestar a mais equívocos e, novamente, a par de pacificar o entendimento, o TST acabou por gerar outras controvérsias, indo além da mera interpretação. É que na redação se fala em “direitos”, ou seja, em quitação de “direitos” e não de parcelas. De outro lado, sugeria que referidos “direitos”, quando constantes do termo de rescisão, podiam ser “quitados”. Seria o caso, por exemplo, de constar: férias 2003/2004, restando “quitado” o direito de férias daquele período mencionado.
Como se não bastasse, a redação atual do Enunciado nada dizia sobre a possibilidade ou a impossibilidade de haver quitação de direitos trabalhistas mínimos do trabalhador brasileiro, que em síntese são aqueles inseridos no artigo 7º de nossa Carta Magna. Do meu ponto de vista, relacionada a essa questão, havia que se levar em consideração que, independente dizer ou não o dito Enunciado, os mesmos são irrenunciáveis, eis que o Direito do Trabalho não admite a quitação de tais direitos, com base na aplicação do disposto no artigo 9º da CLT, porquanto estaria se admitindo o óbice ou o impedimento de aplicação das normas imperativas de proteção ao trabalhador.
Sendo assim, evidenciou-se, à época, uma grande mudança dirigida às empresas, haja vista que, a partir de então, deveriam os departamentos de recursos humanos consignar nos termos de rescisão todas as parcelas e valores pagos ao empregado, o que evitaria indesejáveis reclamações trabalhistas postulando parcelas e valores já pagos. E isso porque se consolidou, mais recentemente, o entendimento nos tribunais de que o recibo de rescisão dá quitação, exclusivamente, ao que ali estiver consignado, e pelos valores que ali se estipulou.
Outrossim, não tenho por pior a atual redação do Enunciado n.º 330 do TST, se comparada à redação anterior que exigia a ressalva específica, invertendo a lógica da quitação do recibo de rescisão. A atual redação, especialmente quanto ao item II, poderia ter sido mais clara, sobretudo se compararmos aos argumentos acima aduzidos, o que teria evitado tanta perda de tempo para se consolidar o entendimento dado para interpretar o dito Enunciado.
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* Advogado do escritório Siqueira Castro Advogados
Atualizado em: 29/6/2004 10:27