A nova burguesia nacional
13/9/2004 Abílio Neto
“Quando Fernando Gabeira retornou do seu exílio de nove anos, no verão de 1979, chegou às areias de Ipanema vestido numa sumaríssima tanga de crochê lilás que a imprensa chamou de cor-de-rosa. A direita sorriu cinicamente e a esquerda pra lá de desconfiada não o acolheu bem em seu meio tanto que Gabeira foi parar num ecológico Partido Verde. Fernando Gabeira trouxe do exílio idéias escaldantes e naquele mesmo ano lançou “O que é isso Companheiro?”, livro em que falava de novos tempos e da perplexidade da esquerda ortodoxa com certos comportamentos. A partir de 1980, engajou-se na defesa dos direitos das minorias, tendo sido eleito, várias vezes, deputado federal, sendo a última vez em 2002 pelo PT, de quem se desfiliou recentemente. Enquanto Gabeira falava em 1980 do crepúsculo do macho, o então Partido dos Trabalhadores ganhava terreno com seus militantes empunhando uma bandeira de cor vermelha além de fazerem questão de exibir as suas barbas e os seus bigodes, características que associadas ao lema de defensor dos trabalhadores, criaram-lhes uma certa auréola de machos latinos, novos Guevara. Vinte e quatro anos depois, tendo o PT chegado ao poder e sendo Gabeira um seu militante, eis que o homem da tanga lilás é quem dá a nação exemplo de caráter e de retidão. Discordando dos rumos do governo de Lula, pede para sair do partido e vive hoje, segundo suas palavras, “a angústia do tempo futuro”. Recusa uma indenização e uma aposentadoria de anistiado com base em lei do governo do PT e chama os petistas de “deslumbrados, emergentes, aburguesados e impostores históricos”. Recentemente, em uma entrevista à Folha de São Paulo, foi perguntado por que recusara a indenização. Eis a sua resposta: “Considero que algumas pessoas que foram injustiçadas, perseguidas de fato, merecessem aposentadoria especial e indenização. No meu caso, não perdi nada com esse processo. Fui para o exílio e voltei enriquecido. Jamais vou pedir um tostão à ditadura militar, mas também não dou para eles um tostão. Estamos quites. Há pessoas que efetivamente foram esmagadas que precisam dessa reparação, mas ela deveria seguir critérios para não ser politicamente desvairada. Se você lutou por uma sociedade com menos diferenças é contraditório receber uma indenização de R$ 20 mil por mês como alguns tiveram. Choca-me o fato de o PT ter passado na frente sindicalistas que aguardavam indenização, pessoas bem colocadas e que não tiveram um confronto tão grande com a ditadura. Deveriam estabelecer critérios mais rígidos. Os petistas do governo mostraram que eram, apenas, emergentes; que estavam apenas querendo chegar à burguesia”. Lembro ao leitor que a classe dos anistiados é o supra-sumo dos privilegiados da nação. Suas aposentadorias são pagas como se em atividade estivessem (aí a paridade de fato existe) e os seus proventos são isentos de desconto previdenciário e imposto de renda na fonte (privilégio concedido por decreto do governo de Lula). Pergunta-se: A Constituição Federal deu imunidade tributária a essas criaturas? Como fica o princípio da solidariedade, tão invocado para taxar os inativos do Serviço Público, diante dessa nova galera? Alguns baderneiros que tinham por hábito agitar as portas das fábricas, prejudicando realmente quem queria trabalhar, são agora os cidadãos brasileiros de primeira classe? De uma coisa tem-se certeza, Fernando Gabeira é um grande cidadão brasileiro. Não praticou estelionato eleitoral nem apunhalou ninguém pelas costas, ao contrário dos machões do PT. Estes sim viviam em um “armário” e mostravam as suas idéias “travestidas”, mas as suas verdadeiras caras somente foram conhecidas ao chegar ao poder. Não tinham nem dignidade para usar uma tanga de crochê porque desprovidos de qualquer autenticidade.”