Exoneração de fiança no novo Código Civil
Fátima Loraine Corrente Sorrosal*
São inúmeros os casos em que fiadores de contratos de locação de imóveis são acionados em juízo em decorrência especialmente de falta de pagamento de aluguéis, com conseqüências danosas muitas vezes sobre o seu patrimônio, uma vez que sequer o bem de família se mantém a salvo nessa hipótese.
Os fiadores assinam verdadeiros contratos de adesão na qualidade de garantidores da obrigação locatícia sem que tenham a oportunidade de negociar as cláusulas nele contidas, assumindo obrigações que os vincula até a entrega das chaves do imóvel e ainda renunciam à faculdade legal antes prevista no artigo 1500 do antigo Código Civil, repetida parcialmente no artigo 835 do Novo Código Civil, que prevê a possibilidade de exoneração da fiança.
Muito se discutiu a respeito da validade da cláusula contratual de renúncia ao direito do fiador exonerar-se da fiança prestada por tempo indeterminado e hoje a jurisprudência de nossos tribunais vem se firmando no sentido de ignorar tal cláusula nas hipóteses em que tenha ocorrido aditamento contratual ou prorrogação do prazo de locação, por tempo indeterminado, sem a anuência expressa do fiador, ainda que o contrato de locação contenha a previsão de que a responsabilidade do fiador permaneça até a entrega efetiva das chaves.
E isso porque sendo a fiança um contrato gratuito, segundo o artigo 1.483 do antigo Código Civil, repetido no artigo 819 do Novo Código Civil, não admite interpretação extensiva, devendo ser interpretado o contrato que a contém, por essa razão, restritivamente sempre em favor de quem a presta.
Não se pode admitir que o fiador, obrigado em contrato benéfico, ou seja, de favor, e estando de boa-fé, seja vinculado à obrigação que possa se tornar indeterminada quanto ao tempo, até a entrega das chaves.
Também se discute se o fato de constar do contrato a renúncia à faculdade prevista no artigo 1500 do antigo Código Civil, repetido no artigo 835 do Novo Código Civil, é suficiente para negar direito à exonerar-se da fiança quando cessado o motivo pelo qual foi a mesma assumida.
Entendemos que não se pode conceber que, sendo o contrato de fiança gratuito e de mero favor, seja também perpétuo, se cessou o motivo pelo qual foi prestada a garantia, legítimo é o pleito de exoneração da fiança, desde que o contrato esteja em vigência por prazo indeterminado.
É da essência do contrato de fiança ser intuitu personae, ou seja a garantia é dada em razão de um vínculo pessoal que justifica a confiança do fiador em relação ao afiançado. Esse vínculo pode desaparecer, por exemplo, em caso de separação de casal, retirada de sociedade, morte etc.
O 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, na apelação nº 456.700-00/6 (3.a Câm. – j. 13.08.1996 – rel. Juiz João Saletti), proferiu acórdão cuja ementa exemplifica decisões nesse sentido:
“O fiador pode exonerar-se da fiança dada a contrato de locação até a efetiva entrega das chaves, ainda que tenha renunciado ao direito previsto no art. 1.500 do CC quando desaparecido o motivo que o levou a prestar a garantia”
Conforme o que previa o artigo 1.500 do antigo Código Civil, o fiador poderia exonerar-se da fiança, que tivesse prestado sem limitação de tempo, sempre que lhe conviesse, ficando, porém, obrigado por todos os efeitos da fiança, anteriores ao ato amigável, ou à sentença que o exonerasse.
A exoneração da fiança só produziria seus efeitos após a concordância do locador, por ato amigável ou após o trânsito em julgado da sentença que a concedesse, podendo se imaginar por quanto tempo estaria o fiador atrelado à obrigação e quais as conseqüências.
Na realidade, na grande maioria dos casos, o fiador mantém-se inerte e somente se defende quando é acionado pelo locador, hipótese em que é obrigado a indicar bem para penhora e garantia do débito que está sendo cobrado.
No novo Código Civil o legislador facilitou ao fiador o exercício da faculdade de exonerar-se da fiança prestada, isso porque o artigo 835, prevê a permanência da obrigação assumida até 60 dias após a notificação do credor, não exigindo mais que a obrigação permaneça até o ato amigável ou decisão judicial de exoneração.
Podemos entender, então, que a exoneração da fiança pode ser comunicada ao locador através de notificação e que, mesmo no silêncio do locador, a obrigação se mantém apenas por 60 dias, já que o silêncio é também manifestação de vontade.
Se pela notificação o fiador manifesta formalmente a intenção de exonerar-se da fiança, cabe ao locador que com ela não anui, contranotificar justificadamente, já que a sua inércia suscita no fiador a crença de sua aceitação.
Devemos ressaltar, também, que o locador pode evitar eventual prejuízo em caso de exoneração do fiador, uma vez que tem a seu favor a previsão legal do artigo 40, da Lei de Locações, que lhe assegura o direito de exigir do locatária a substituição do fiador sob pena de rescisão de contrato de locação.
Com a possibilidade de exoneração da fiança por notificação, autorizada pelo Novo Código Civil, os fiadores devem ficar atentos às alterações contratuais ou modificações fáticas que por qualquer razão causem a perda da confiança no afiançado e não precisam, e nem devem, aguardar a propositura de ação judicial para então se defenderem.
Por outro lado o locador deve comunicar toda e qualquer modificação contratual ao fiador e ficar atento às manifestações de vontade do fiador, para prontamente tomar as providências que a lei lhe assegura, podendo exigir novo fiador sob pena de rescisão do contrato de locação e despejo.
Tanto num caso como no outro são imprescindíveis aconselhamentos jurídicos adequados a fazer valer os direitos da parte interessada.
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* Advogada do escritório Ceglia Neto, Advogados
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Atualizado em: 31/7/2003 15:43