Novo Código Civil: ameaça ou oportunidade?
Renato Chiodaro
Marcos de Camargo e Silva*
Inúmeras páginas de jornais e periódicos foram preenchidas com alertas e informes acerca das alterações que se fazem necessárias aos contratos sociais das antes chamadas sociedades por quotas de responsabilidade limitada, em vista da do prazo fatal concedido pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, para tanto.
O prazo para as adequações aos novos parâmetros encerrou-se em 11 de janeiro de 2004, tendo a técnica legislativa sido aperfeiçoada a tal ponto que a omissão será penalizada, em obediência estrita ao princípio de que “dormientibus non succurrit jus” (o direito não socorre a quem dorme).
Assim, para os sócios que pretendem manter a empresa em situação regular, preservando, dentre outros aspectos, a limitação de suas responsabilidades, foi imprescindível não desdenhar do prazo acima. Vale lembrar que é remotíssima, para não dizer impossível, a probabilidade de prorrogação do prazo legalmente assinalado. Isso porque a data limite foi fixada no próprio Código Civil, e sua alteração requer um procedimento legislativo complexo e demorado.
Portanto, as alterações necessárias tiveram de ser feitas até 11 de janeiro de 2004, sob pena das sociedades se tornarem, automaticamente, irregulares, ficando expostas às desagradáveis conseqüências impostas pela nova lei.
É surpreendente notar que a preocupação externada pelos empresários (que doravante deverão ser designados de outra forma, já que o termo empresário é agora de uso exclusivo dos titulares de firmas individuais) resume-se ao cumprimento de um prazo. Trata-se de uma visão sem a amplitude condizente com o cenário globalizado e dinâmico da atualidade.
O novo Código Civil, cujo projeto tramitou por mais de 20 anos, não cuidou de trazer apenas um novo conjunto de regras com uma data limite para adequações. Mais que isso, o novo diploma impôs uma nova ótica nas relações jurídicas, não apenas na esfera do direito de família, sucessório e contratual, mas também no direito mercantil, que passa agora a denominar-se direito empresarial.
É certo dizer que, se de um lado muito esforço, energia e dinheiro foram gastos para “reinventar” as sociedades, adequando-as às tendências de momento (downsizing, reengenharia e consultorias de gestão, dentre outras), criando a tão necessária vantagem competitiva, de outra face, raras vezes essas evoluções foram traduzidas na carta magna societária, o contrato social.
Estamos, agora, diante de uma enorme oportunidade. É hora de o contrato social refletir a moderna organização empresarial em que se transformou grande parte das sociedades limitadas hoje existentes.
É bem verdade que, superada a “vacatio legis” de um ano e transcorridos mais de dez meses de vigência do novo diploma, apenas agora começou-se a perceber a dimensão e complexidade das mudanças trazidas.
Cabe indagar a todos aqueles que encaram o prazo de 11 de janeiro de 2004 como um obstáculo se em algum momento da vida da sociedade os seus sócios gastaram valioso tempo para repensar o contrato social em suas minúcias. Estes, freqüentemente, sequer traduzem a realidade societária da empresa.
É a hora de fazê-lo.
Esta necessidade de revisão do contrato social deve ser encarada como oportunidade, e não como obstáculo. Reportamo-nos, a esse respeito, ao consagrado sistema de análises SWOT – “strengths” (forças), “weaknesses” (fraquezas), “opportunities” (oportunidades) e “threats” (ameaças) -, o qual recomenda o exame do cenário interno a partir de suas fraquezas, visando buscar melhores forças, e no cenário externo, identificar as ameaças, transformando-as em oportunidades.
A título de exemplo, podemos citar o artigo 1.028, I, combinado com o parágrafo 2º do artigo 1.031 do Código Civil em vigor, o qual estabelece a obrigatoriedade de liquidação da quota de sócio falecido, pagando-se os herdeiros em 90 dias, em dinheiro, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário. Ou seja, deve-se encarar a ameaça da adaptação dos contratos sociais como uma oportunidade, uma vez que há o risco de a vontade dos sócios ser suplantada, na sua omissão, por determinações legais.
Cabe destacar, nesse prisma, a preocupação do legislador com a função social nas relações jurídicas, resultando, no tocante às empresas, em uma irreversível inversão de valores: passa-se de uma visão restrita, de acordo com a qual a empresa possuía como finalidade única gerar resultados financeiros para seus detentores, em detrimento a todo o restante, para uma visão holística, na qual o resultado financeiro representa um dos fatores a serem considerados em um contexto muito mais abrangente, que envolve, dentre outros, o meio-ambiente, os funcionários, clientes e fornecedores.
Os comerciantes devem encarar a magnitude dos seus empreendimentos, assumindo, de uma vez por todas, que o empreendimento construído transcende sua própria existência, avançando as gerações seguintes. A empresa precisa, assim, reunir condições que permitam-na alcançar a perpetuidade, sendo capaz de absorver e acompanhar as mudanças e características de cada geração.
O contrato social é a base para a garantia de manutenção do sucesso e perpetuidade do negócio, sobre a qual poderão ser aplicadas inúmeras ferramentas de desenvolvimento, dentre as quais destacamos a governança corporativa. Não há como edificar empreendimentos duradouros sobre uma estrutura vulnerável.
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* Advogados do escritório De Vivo, Whitaker e Gouveia Gioielli Advogados
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Atualizado em: 16/1/2004 08:56