Rui Barbosa, oitenta anos depois
Prof. Rubem Nogueira*
Na manhã de 27 de fevereiro de 1923, estando em Petrópolis por motivo de saúde, convidou Rui Barbosa um grupo seleto de correligionários a fim de, juntos, examinarem a possível escolha de um candidato representativo da oposição baiana à sucessão do governador J.J. Seabra.
Dentre os que deviam estar presentes, só não compareceu o dr. Aurelino Leal, que exercia, na ocasião, o cargo de Interventor Federal no Estado do Rio de Janeiro, nomeado pelo Presidente Artur Bernardes, um de cujos Ministros, entretanto, o dr. Miguel Calmon, participou da reunião.
Imaginando possivelmente que pudesse não ser o escolhido, o dr. Aurelino mandou uma carta cheia de protestos de admiração e respeito a Rui Barbosa, mas opinando no sentido de deixar-se a cargo exclusivamente do Presidente da República a indicação do candidato oposicionista ao governo da Bahia.
Surpreendido por tão esdrúxula quão inesperada sugestão, – narra João Mangabeira, testemunha presencial da cena histórica:
“Rui transfigura-se. A expressão semi-agonizante do seu rosto transmuda-se na energia borbulhante da vida. Os olhos fuzilam. E a voz irrompe da garganta com a força, o ímpeto, o timbre dos seus grandes surtos tribunícios. Era de vê-lo, quase às vascas da agonia, nos últimos momentos da vida, sustentar e defender os princípios que pregara e a que devotara a sua existência de estadista e apóstolo.”
Assim começou aquele “último discurso” que lhe precipitaria a morte, às vinte horas e vinte e cinco minutos de 1º de março de 1923, arrebatado por uma paralisia bulbar, não sem antes, no dia 28, responder à amada companheira de quarenta e seis anos de vida conjugal, que lhe indagava se a reconhecia: “Por que não?” – respondeu-lhe, retendo entre as suas as mãos de Maria Augusta.
E na seguinte noite expirou.
O seu sepultamento foi cerimônia dominada por emoção popular, e o cemitério São João Batista esteve então superlotado. Entre os muitos oradores, falou o quartanista da Faculdade de Direito do Catete – Pedro Calmon. “Nem podia aproximar-me do ataúde, subi a uma árvore, e pendurado de um galho, a mão direita esvoaçante no espaço, bradei a minha oração”, conta ele em suas Memórias.
Depois desse dia, Rui Barbosa, que até ali tinha sido uma celebridade para tribunais, juízes, advogados, políticos, homens de letras, imprensa (certo jornal carioca chegou ao máximo de estampar em manchete de 1ª página: Apagou-se o sol), – converteu-se num patrimônio de todo o povo brasileiro. O seu prenome multiplicou-se pelo Brasil afora e Rui Barbosa passou a ser a denominação também de Faculdades, colégios, escolas primárias, instituições culturais, Municípios, Vilas, bairros, avenidas, praças, ruas, etc.
Tudo isso é a verdadeira consagração nacional, vinda espontaneamente do coração dos brasileiros, o que na realidade vale tanto quanto estar vivo, ou ser imortal. O dia primeiro de março é, assim, uma data extremamente cara ao nosso País.
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Lisboa, 1968 : Josué Montelo, Rubem Nogueira, Pedro Calmon e Américo J. Lacombe.
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* Autor das premiadas obras “O Advogado Rui Barbosa” e de “História de Rui Barbosa”.
Atualizado em: 1/4/2003 11:49