Código do Contribuinte do Estado de São Paulo
Marcelo Mazon Malaquias
Rafael Balanin*
1. – Em 4.4.2003, foi publicada a Lei Complementar Estadual nº 939, do Estado de São Paulo, que institui o Código de direitos, garantias e obrigações do Contribuinte. Também foi criado por meio dessa lei o Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte (CODECON), órgão que será responsável pelo controle da atividade fiscalizadora, assegurando o respeito aos direitos do Contribuinte. Tais instrumentos visam coibir e evitar os excessos eventualmente cometidos pelo Fisco, com a ocorrência de constrangimentos ao Contribuinte, servindo como um instrumento de melhoria do relacionamento com a administração tributária.
2. – O artigo 2º da Lei Complementar nº 939/03 traz os objetivos do Código, quais sejam: (i) promover o bom relacionamento entre o Fisco e o Contribuinte; (ii) proteger o Contribuinte contra a abusividade no exercício do poder fiscalizador; (iii) assegurar a ampla defesa dos direitos do Contribuinte no âmbito do processo administrativo-fiscal; (iv) prevenir e reparar os danos decorrentes do abuso de poder do Estado; (v) assegurar a prestação de serviços gratuitos aos Contribuintes; (vi) assegurar a licitude na apuração, declaração e recolhimento de tributos; e (vii) assegurar o regular exercício da fiscalização.
3. – Tal regulamentação apresenta-se como um avanço importante na busca pelo equilíbrio e equidade nas relações entre o Fisco e as pessoas vinculadas ao exercício dessa função, seja como Contribuintes de imposto ou apenas sujeitas ao exercício da fiscalização da Secretaria da Fazenda.
4. – O artigo 3º do Código estabelece quais são as pessoas que estão sujeitas às suas determinações. Considera-se Contribuinte a pessoa natural ou jurídica a quem a legislação determine o cumprimento de obrigação tributária. Além disso, o parágrafo único desse artigo estabelece que as disposições da lei também se aplicam a qualquer pessoa física ou jurídica que, mesmo não sendo Contribuinte, relaciona-se com a Administração Pública, no que se refere à atividade de fiscalização e cobrança de tributos. Tal dispositivo assegura que as disposições da lei deverão ser aplicadas a todos aqueles que tenham vínculo com o ente fiscalizador estadual, e não somente os responsáveis pelo cumprimento de obrigação tributária.
5. – O Código traz nos artigos 4º e 5º a enumeração dos direitos e garantias do Contribuinte, entre os quais podemos, apenas a título ilustrativo, destacar:
(i) direito ao atendimento eficaz e adequado pelos órgãos da Secretaria da Fazenda;
(ii) faculdade de se comunicar com advogado ou entidade de classe quando sofrer ação fiscal;
(iii) ciência formal do trâmite do processo administrativo-fiscal de que seja parte, a possibilidade de vista e extração de cópia dos autos do referido processo;
(iv) a preservação do sigilo de seus negócios, documentos e operações, pelo órgão fiscalizador;
(v) ressarcimento pelos danos causados por agentes da Administração Tributária, quando atuando nessa qualidade;
(vi) a possibilidade de correção de obrigação tributária, antes de iniciado procedimento fiscal, desde que com a prévia autorização da fiscalização;
(vii) a fruição de incentivos e benefícios fiscais, e participações em licitações, independentemente da existência de processo administrativo ou judicial pendente, em matéria tributária; e
(viii) o restabelecimento da espontaneidade para sanar irregularidades relacionadas com o cumprimento de obrigação pertinente ao imposto, caso o procedimento fiscal não esteja concluído no prazo de 90 (noventa) dias contados da data da entrega de documentação à fiscalização.
6. – Por outro lado, o artigo 6º da Lei Complementar estabelece quais serão os deveres do Contribuinte face à fiscalização:
(i) o tratamento, com respeito e urbanidade, aos funcionários da administração fazendária do Estado;
(ii) a identificação do titular, sócio, diretor ou representante nas repartições administrativas e fazendárias e nas ações fiscais;
(iii) o fornecimento de condições de segurança e local adequado para a execução dos procedimentos de fiscalização;
(iv) apuração, declaração e recolhimento do imposto devido, na forma prevista na legislação;
(v) apresentação, no prazo estabelecido na legislação, de bens, mercadorias, informações, livros, documentos, impressos, papéis, programas de computador e arquivos eletrônicos;
(vi) manutenção, pelo prazo previsto na legislação, de livros, documentos, impressos e registros eletrônicos relativos ao imposto;
(vii) manutenção junto à repartição fiscal de informações cadastrais atualizadas relativas ao estabelecimento titular, sócios ou diretores.
7. – O artigo 8º do Código prevê os deveres da Administração Fazendária, no exercício de suas funções. A esse respeito, vale ressaltar que os agentes fiscalizadores deverão atuar em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, interesse público, eficiência e motivação dos atos administrativos. Com isso ficam formalmente registrados os princípios que informam a atuação da Administração Fazendária, o que, espera-se, trará mais transparência à atividade estatal.
8. – Especialmente no que se refere ao procedimento de fiscalização, o artigo 9º e seguintes estabelecem a necessidade de entrega de ordem de fiscalização ao Contribuinte, com a identificação dos Agentes Fiscais de Renda que realizarão a fiscalização, a autoridade que determinou a sua execução, o nome do Contribuinte e o número de telefone ou endereço eletrônico onde poderão ser obtidas as informações acerca da autenticidade da ordem de fiscalização.
9. – O artigo 19 da referida Lei Complementar estabelece também que as ordens de fiscalização não serão emitidas fundamentadas exclusivamente em denúncia anônima quando: (i) não for possível identificar o Contribuinte infrator; (ii) for genérica ou vaga em relação à infração supostamente cometida; (iii) não vier acompanhada dos indícios de autoria e de comprovação do cometimento da infração; (iv) tenha objetivo diverso do enunciado, como vingança pessoal ou tentativa de prejudicar concorrente; e (v) referir-se a operação de valor monetário reduzido, assim entendido como inferior a 100 (cem) UFESPs.
10. – Tais disposições visam trazer mais segurança e transparência, tanto para o Contribuinte, como para os agentes fiscais, determinando com clareza os limites da atividade fiscalizadora e os deveres de cada uma das partes e garantindo que a atividade de fiscalização não possa ser utilizada como instrumento de coação e prejuízo dos Contribuintes.
11. – Além disso, a Lei Complementar nº 939/03 também estabeleceu prazo de 10 (dez) para a entrega de Certidões pelos órgãos da Administração Tributária, e de 30 (trinta) dias para a resposta a consultas formuladas pelo Contribuinte, visando esclarecer o procedimento a ser adotado para a apuração e recolhimento de tributos.
12. – Todas essas disposições demonstram a preocupação do legislador em estabelecer atendimento mais célere dos órgãos consultivos da Administração Tributária para a orientação e esclarecimento do público. Assim, os órgãos fazendários, mais do que exercer a atividade de fiscalização, cumprirão o objetivo precípuo de orientar e educar os Contribuintes, permitindo uma maior civilidade do relacionamento entre as partes.
13. – Já o Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte (CODECON), outra criação da Lei Complementar nº 939/03, terá sua composição paritária, com a presença de representantes do Poder Público e das entidades empresariais e de classe, entre as quais, destacamos: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo; Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FCESP); Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP); Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (FASP); Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo (SEBRAE); Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP); Conselho Regional de Contabilidade (CRC-SP); Associação dos Agentes Fiscais de Renda do Estado de São Paulo (AFRESP); Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (SINAFRESP); Coordenadoria da Administração Tributária da Secretaria da Fazenda; Corregedoria do Fisco Estadual; Secretaria da Educação; Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania e a Casa Civil.
14. – Com a criação desse órgão, que conta com a presença de membros da sociedade, estabeleceu a possibilidade dos Contribuintes reclamarem pelo respeito aos seus direitos, evitando os abusos por parte dos agentes fiscais, além de permitir a atuação dos órgãos de classe na defesa de seus associados perante a Administração Tributária, criando mecanismos de controle de excessos. O CODECON, de acordo com as disposições do artigo 23, terá as atribuições de:
(i) planejar, elaborar, coordenar e executar políticas estaduais de proteção ao Contribuinte;
(ii) receber, analisar e dar seguimento a reclamações apresentadas pelo Contribuinte;
(iii) receber, analisar e responder a consultas ou sugestões encaminhadas pelo Contribuinte;
(iv) prestar orientação ao Contribuinte sobre seus direitos e garantias; e
(v) orientar sobre procedimentos para apuração de faltas contra o Contribuinte.
15. – A existência de instrumentos legais que prevejam mecanismos de proteção contra abusos e desmandos da Administração Fazendária sempre foi uma aspiração dos Contribuintes. A Lei Complementar vai de encontro a essa anseio de proteção, ao estabelecer o Código de direitos, garantias e obrigações do Contribuinte, que foi instituído para assegurar o respeito aos direitos do Contribuinte, regulamentando de maneira mais clara a forma e os limites de atuação dos agentes fiscalizadores, de forma a evitar desmandos e abusos de poder na a atuação fiscalizatória no Estado.
16. – A regulamentação expressa dos direitos do Contribuinte pelo novo Código, embora não elimine todas as práticas abusivas e resquícios de políticas de verdadeiro terrorismo fiscal anteriormente utilizadas, representa um passo importante na evolução que vem ocorrendo na cultura da Administração Fazendária concernente ao relacionamento Fisco-Contribuinte. Isto, por um lado, deverá proporcionar maior segurança para os Contribuintes e, por outro, maior eficácia ao sistema de arrecadação estadual.
17. – Cabe ressaltar que várias das disposições presentes na Lei Complementar Estadual nº 939 encontram-se previstas em diversos diplomas legislativos de nosso País. Entretanto, a compilação dessas normas em um único texto normativo voltado especificamente para a atuação do Fisco pauta-se no interesse do governo do Estado de São Paulo em aprimorar o relacionamento entre Fisco e Contribuinte, permitindo uma atuação de maior credibilidade e melhores resultados.
18. – Espera-se que a Reforma Tributária que está para acontecer possibilite a criação de um Código do Contribuinte com aplicação nacional, a exemplo do Projeto de Lei que permanece em discussão no Congresso Nacional, possibilitando um melhor equilíbrio entre os Contribuintes e os órgãos fiscalizadores, como exemplo de transparência na atuação do Estado. Tal objetivo é necessário para alcançarmos um degrau a mais no desenvolvimento da sociedade brasileira, mostra de civilidade dos membros e das instituições de nosso país.
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*sócio e assistente do escritório Pinheiro Neto Advogados, integrantes da área fiscal-trabalhista.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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Atualizado em: 10/4/2003 14:19
Marcelo Mazon Malaquias
Rafael Balanin
Sócio da área Tributária do escritório Vidigal Neto Advogados