Eleição de administradores de associações pela Assembléia Geral
Sílvio de Salvo Venosa*
Associações são entidades formadas pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos. Essa a compreensão da doutrina que doravante se encontra como preceito legal no novo Código Civil (art. 53). As associações preenchem as mais diversas finalidades na sociedade. O Código de 1916, de forma assistemática, já se referira a algumas finalidades: religiosas, pias, morais, científicas, literárias (art. 16, I). Qualquer atividade lícita, sem finalidade econômica, ou seja, intuito de lucro, pode ser buscada por associação, como, por exemplo, os clubes sociais e as agremiações esportivas, que desempenham importante papel na formação da pessoa e no equilíbrio social, mormente aquelas dedicadas ao futebol profissional, tão decantadas por nossa imprensa e arraigadas no espírito de nosso povo. A associação não pode ter proveito econômico imediato, o que não impede, contudo, que determinados serviços que prestem seja remunerados e que busquem auferir renda para preenchimento de suas finalidades.
Destaca-se aqui a importante inovação constante do art. 59 do novo Código Civil: Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral:I – eleger os administradores;II – destituir os administradores;III – aprovar as contas;IV – alterar o estatuto.Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos II e IV é exigido o voto concorde de dois terços dos presentes à assembléia especialmente convocada para esse fim, não podendo ela deliberar, em primeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados, ou com menos de um terço nas convocações seguintes.
Este aparentemente singelo artigo contém importantíssima e salutar inovação no direito associativo que certamente implicará em alteração de atitude de grande número de associações no país. A primeira perspectiva é analisar se se trata de princípio cogente, que não admite disposição em contrário pela vontade privada, isto é, se é admissível disposição em contrário nos estatutos. Tudo é no sentido da obrigatoriedade ou imperatividade dessa norma, tendo em vista o advérbio peremptório “privativamente” colocado no caput. O legislador não deixou dúvida a esse respeito. A norma jurídica que tem em mira proteger a boa fé de terceiros ou interessados ou evitar graves injustiças sociais possui marcadamente o caráter impositivo ou irrenunciável, como denota esta ora comentada. A propósito, lembre-se que Karl Larenz se refere expressamente à maioria das normas que regulam as associações como sendo imperativas, referindo-se ao Código alemão, em afirmação perfeitamente aplicável ao nosso estatuto (Derecho Civil, parte general, Editorial Revista de Derecho Privado, Madri,1978:43). Desse modo, estamos perante um preceito legal de ordem pública que deságua na imperatividade da disposição. Sempre que o legislador impõe uma norma desse nível e obsta aos interessados dispor diferentemente, é porque considera que há um interesse social comprometido com seu cumprimento (Guillermo Borda, Tratado de Derecho Civil, parte general, v.1, Editoria Perrot, Buenos Aires, 1991:77, v.1).
Ora, partindo dessa premissa, de acordo com o inciso I, somente a assembléia geral, para a qual devem ser convocados todos os associados com direito a voto, podem eleger os diretores. Com esse princípio, cai por terra qualquer possibilidade de a eleição desses próceres ser realizada por via indireta. Muitas associações, mormente clubes sociais e esportivos deste país, sempre elegeram os diretores por meio de um Conselho ou assemelhado, que recebia variadas denominações (conselho deliberativo, eleitoral etc.). Algumas entidades possuem ainda conselheiros vitalícios. Com essa estratégia, muitos diretores e grupos ligados a eles ligados eternizaram-se no poder, dominando a associação, sem possibilidade de renovação para novas lideranças. Os exemplos são patentes, principalmente, mas não unicamente, nos clubes de futebol profissional, pois a imprensa sempre os decanta. Pois doravante, perante os termos do presente artigo, somente a eleição direta, com participação ampla do quadro social, poderá eleger os diretores. Há necessidade, portanto, de uma modificação de atitude e que essa nova posição legislativa seja devidamente absorvida no seio dessas entidades, como princípio que atende aos novos interesses sociais e morais. Certamente esse princípio atinge um segmento empedernido de nossa sociedade, acostumado com as benesses de um poder e de um patrimônio que não lhes pertence, e que resistirá a mudanças.
De acordo com o dispositivo sob enfoque, não apenas a eleição dos administradores, como também sua destituição, aprovação de contas ou alteração de estatutos cabe privativamente à assembléia geral. Todos esses atos, fundamentais para a vida da entidade, não podem ser mais relegados a corpos delegados. Portanto, o Conselho Fiscal, por exemplo, poderá opinar sobre a aprovação de contas, mas não poderá aprová-las.
Ainda, de acordo com o parágrafo único, a destituição dos administradores e a alteração de estatutos dependerá do voto de dois terços dos presentes à assembléia convocada para esses fins. Se instalada em primeira convocação, há necessidade de maioria absoluta de membros para deliberação e nas convocações seguintes há necessidade de um terço de todos os associados. Desse modo, afasta-se a possibilidade de essas matérias serem discutidas por alguns poucos sócios. Sem o quorum mínimo nem mesmo pode ser instalada a assembléia. Cuida o legislador de evitar que as assembléias sejam realizadas à socapa, em horários impróprios ou inusitados, como tanto se fez no passado. No tocante à eleição dos administradores e aprovação de contas, a lei dispensou quorum mínimo de instalação e quorum mínimo de aprovação, dependendo a aprovação de maioria simples. O estatuto, porém, pode estabelecer outros limites desde que não ultrapasse o conceito da razoabilidade e do aceitável em situações análogas.
Apenas os atos descritos neste artigo dependem coercitivamente da assembléia geral. O estatuto pode, no entanto, como norma interna subjacente à lei, incluir outros. Tudo que não depender da assembléia geral pode ser decidido e deliberado por outros órgãos, pela diretoria ou conselhos, conforme dispuser o estatuto.
O mínimo que se espera é que essa nova norma seja imediatamente aplicada sem subterfúgios, como instrumento importante de moralização dessas entidades em todos os níveis, inclusive e principalmente no esporte profissional brasileiro.
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* Juiz aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil – sócio do escritório Demarest e Almeida Advogados – Autor de obra completa de Direito Civil em seis volumes.
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Atualizado em: 22/4/2003 13:17
Sílvio de Salvo Venosa
Sócio consultor de Demarest Advogados, Está no escritório desde março de 1996. Foi juiz no estado de São Paulo, tendo se aposentado como desembargador. Autor da coleção de direito civil, atualmente em 5 volumes, na 20ª edição e várias outra obras. Direito Empresarial. Lei do Inquilinato Comentada. Introdução ao Estudo do Direito – Primeiras Linhas, entre outras.