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Julgamento histórico – Migalhas

 

Julgamento histórico

 

Na semana retrasada o leitor Siegfried Ellwanger enviou carta à Redação com cópia de uma mensagem enviada aos ministros do STF. Na missiva, o autor, paciente em HC que aguarda julgamento por aquela corte, mencionava artigo veiculado no site Migalhas. O artigo citado era de autoria da dra. Elisabeth V. De Gennari, do escritório Bottallo e Gennari – Advogados.

 

Hoje, a dra. Elisabeth V. De Gennari, do escritório Bottallo e Gennari – Advogados, envia sua considerações em resposta à carta enviada pelo leitor Siegfried Ellwanger e pelo CNPH – CENTRO NACIONAL DE PESQUISAS HISTÓRICAS ao STF (Migalhas n°726 – 24/7/03 – Migalhas dos leitores – I).

 

Veja abaixo :

 

Confesso que o aludido texto, divulgado em vários outros sítios eletrônicos e meios de comunicação, encheu-me de tristeza e arrependimento.

 

Tristeza porque no texto seu autor recalcitra na prática maléfica, novamente discriminando “grupos” e “pessoas” por suas crenças, origens, incitando o ódio e preconceito contra os mesmos. O texto é um disseminador do “vírus do racismo”, esse câncer social que tem destruído, desde o início dos tempos, as “entranhas” da alma humana.

 

Arrependimento pela citação que o texto faz sobre declaração feita por mim no artigo publicado no “Migalhas“, edição de 9.4.03 (Clique aqui), véspera de minha cirurgia para extração de um câncer físico. Na verdade, senti-me traidora da confiança do Dr. Décio Milnitsky, um idealista defensor dos Direitos Humanos, que vinha me fornecendo elementos sobre o assunto há muitos meses exclusivamente por meu interesse pelos temas relacionados aos “Direitos Humanos” em geral, e discriminação em particular.

 

Não sei se o ministro Maurício Corrêa pediu ou não um “parecer”. Apenas sei, como todos os demais, que o Ministro Corrêa “com sensibilidade jurídica de magistrado de Corte Constitucional, deu-se conta que o deslizamento conceitual argüido teria, se endossado pelo STF, um impacto negativo, de alcance geral, corrosivo do respeito aos direitos humanos e dos objetivos da República, contemplados na Constituição.” (matéria do Ministro Celso Lafer, publicada na página A2 do jornal Estado de São Paulo de domingo, 20.7.03).

 

Muitas entidades e desprendidos defensores dos Direitos Humanos acompanham com especial atenção este processo desde que foi recebida a denúncia, em 14 de novembro de 1991, pela 8a. Vara Criminal de Porto Alegre.

 

O Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, órgão do Governo do Estado de São Paulo, criado pelo Decreto Estadual 22.184, institucionalizado pela Lei 5.466 de 26/12/86, modificada pela Lei 10.237 de 19/3/99, Presidido pelo Dr. Antônio Carlos Arruda da Silva, também apresentou “Memoriais” à título de contribuição, aos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

 

O Professor Miguel Reale Júnior, titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, também preparou parecer, no qual concluiu:

 

“Destarte, o crime praticado pelo paciente de induzimento ao ódio aos judeus, pela publicação de livros contendo graves ataques à raça judaica (segundo terminologia constante dos textos), ou seja, aos judeus, com propostas de sua segregação ou eliminação, negando até mesmo o holocausto, constitui um crime imprescritível, a exemplo do que ocorre com os crimes contra a humanidade, mesmo porque atingem fundamente a consciência ética, pois, vem a ser o vestíbulo do extermínio ocorrido na Alemanha hitlerista.”

 

Esse parecer, como os demais, acompanhou o Memorial do Dr. Décio Milnitsky referido no texto do Sr. Ellwanger.

 

A Professora Flavia Piovesan, do Programa de Pós-Graduação da PUC-SP, São Paulo, reconhecida militante dos Direitos humanos no Brasil (www.dhnet.org.br) em carta publicada na seção de Leitores do jornal “O Estado de São Paulo”, exortou: “Que o STF, no julgamento definitivo do caso, em agosto, possa celebrar, em decisão exemplar, sua vocação na defesa de uma sociedade pluralista, igualitária e democrática, na qual tudo se tolera, salvo a perversa intolerância.”

 

Fácil ver que todas essas manifestações de pessoas das mais diferentes origens e credos convergem para a proteção do mesmo valor: “dignidade humana”.

 

Porque, nas palavras do Professor Fábio Konder Comparato:

 

“O primeiro postulado da ciência jurídica é o de que a finalidade-função ou razão de ser do Direito é a proteção da dignidade humana, ou seja, da nossa condição de único ser no mundo, capaz de amar, descobrir a verdade e criar a beleza.”

 

Os livros escritos pelo Sr. Ellwanger – contendo curiosa autorização de livre divulgação (“Tratando-se de uma obra envolvendo FATOS HISTÓRICOS, longamente pesquisados, que devem ser conhecidos do maior número possível de pessoas, o autor libera a reprodução e divulgação parcial isolada deste livro” – cf. antes do índice de Holocausto Judeu ou Alemão? – Nos Bastidores da Mentira do Século) – não são históricos. São “pragmáticos, adotam o monismo da causa como explicação histórica e fazem escancarado proselitismo de idéias contrárias” à dignidade humana.

 

Conseqüentemente, o que se discute no HC, que pende de julgamento pelo Pleno do STF, “não são os limites da pesquisa histórica ou da criação literária, são os limites da sustentação ideológica, da propagação de idéias preconcebidas e carregadas de intolerância” (cf. acórdão da 3a. Câmara Criminal , TJRG, apelação crime 695130484, julgada em 31.10.1994, relator Des. Fernando Mottola).

 

O câncer da intolerância que, lamentavelmente, ainda assola nossa sociedade não será extirpado quando o pleno do STF concluir esse julgamento histórico.

 

O STF, cumprindo com sua função teleológica, fornecerá à sociedade brasileira um remédio eficiente e disponível a todas as próximas vítimas desse mal, sejam elas mulheres, ciganos, árabes, negros, indígenas, pobres, nordestinos, idosos, crianças, imigrantes, homossexuais, asiáticos, deficientes físicos, judeus, católicos, batistas, umbandistas, sem distinção.

 

Lamento, profundamente, se meu modesto artigo não cumpriu seu objetivo. Mas, certamente, a partir deste julgamento o STF – e todos que com seus membros colaboraram – permitirá que a nossa “Constituição Cidadã” cumpra melhor com o seu objetivo. E é só isso que importa!

 

Elisabeth V. De Gennari

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Por: Redação do Migalhas

Atualizado em: 4/8/2003 07:59

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