Paridade de reajustes
Hugo de Brito Machado*
Um dos pontos mais importantes da Reforma da Previdência, para o qual não tem sido dada a atenção merecida talvez por não ter repercussão a curto prazo, é o que diz respeito à paridade dos reajustes entre proventos e vencimentos. Essa paridade é fruto de conquista sofrida, ao longo da história. É muito mais importante do que a integralidade dos proventos, porque a redução no ato da aposentadoria é algo transparente cujo valor pode ser desde logo negociado. Já a paridade é garantia de longo prazo contra o aviltamento gradativo dos proventos.
Quem se der ao trabalho de examinar a evolução dessa questão ao longo dos últimos quarenta anos verá que a paridade é uma arma contra governantes insensíveis, indiferentes à sorte de quem já deu o que podia dar pela sociedade e que, aposentado, se torna a seus olhos simplesmente um peso insuportável para os que trabalham.
Primeiro não existia a paridade e por isto os vencimentos dos servidores em atividade eram reajustados e os proventos não. Como os aposentados não tem como fazer greve, suas reivindicações não eram ouvidas. Mas os que estavam em atividade terminaram por entender que também eles um dia serão aposentados. Terminou por se fortalecer a idéia de que é necessário garantir direitos também para os aposentados e entre as mudanças no plano constitucional duas merecem especial destaque.
Com a primeira dessas mudança foi colocada na Constituição Federal norma estabelecendo que os proventos da inatividade serão revistos sempre que, por motivo de alteração do poder aquisitivo da moeda, se modificarem os vencimentos dos funcionários em atividade (CF/67, art. 100, § 2º). Mas o governo burlou essa regra. Passou a conceder gratificações com os mais diversos nomes. Fazer reclassificações de cargos. Utilizar mil e um artifícios para aumentar os ganhos dos servidores em atividade sem ser obrigado a reajustar os proventos dos aposentados. Não reajustando os vencimentos, não era obrigado a reajustar os proventos. Além disto, houve mesmo quem sustentasse que a garantia de reajuste dizia respeito apenas ao momento. Não ao percentual. Os vencimentos poderiam ser reajustados em percentual maior.
Veio então a segunda mudança. Ficou dito na Constituição que “os proventos da aposentadoria serão revistos, na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive q2uando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria, na forma da lei.”(CF/88, art. 40, § 4º).
Mesmo com essa regra na Constituição o governo ainda tentou violar o direito de aposentados, concedendo gratificações que seriam próprias dos servidores em atividade, dando margem a questões judiciais nas quais a final restou reconhecido o direito dos inativos aos correspondentes reajustes. E agora o governo quer excluir o direito à paridade, com o evidente propósito de congelar os proventos dos aposentados.
É sempre assim. Basta que se leia “a revolução dos bichos” para ver-se que os governantes sempre encontram formas de esmagar os governados, especialmente os que já deram tudo de si, como o Sanção, da notável fábula de George Orwell. E sempre encontram pretextos para justificarem seus atos. Pretextos, como agora o déficit da previdência, que na verdade não existe porque resulta exclusivamente do desvio das principais receitas do sistema, como a COFINS e a CSL, hoje arrecadadas pelo Tesouro Nacional, como se fossem impostos embora sejam contribuições de seguridade social, nos termos do art. 195, inciso I, alíneas “b” e “c”, da Constituição Federal.
______________
* Juiz aposentado do TRF da 5ª Região, Professor Titular de Direito Tributário da UFC, Presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários e autor de diversas obras, entre elas o Curso de Direito Tributário editado pela Malheiros Editores.
_________________
Atualizado em: 25/7/2003 11:04
Hugo de Brito Machado
Advogado, mestre em Direito Público. Professor Titular de Direito Tributário da UFC. Foi procurador da República, juiz do TRE/CE e desembargador do TRF da 5ª região.