Prestação de serviços de saúde e venda de medicamentos na internet
Augusto Simões Cunha*
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (“CREMESP”) instituiu o chamado “Manual de Princípios Éticos para Sites de Medicina e Saúde na Internet”, através da Resolução nº 97/2001, publicada no DOE na data de 9 de março de 2001. Com esta publicação, o CREMESP busca organizar, regulamentar e fiscalizar a prática da medicina via Internet, seja através da oferta de serviços ou da venda de produtos.
Pela citada Resolução, os médicos e instituições de saúde registrados no CREMESP ficam obrigados a adotar o referido Manual Ético para efeitos de idealização, registro, criação, manutenção, colaboração e atuação profissional em Domínios, Sites, Páginas, ou Portais sobre medicina e saúde na Internet.
Cumpre ressaltar que a Resolução em análise estipulou o prazo de 6 (seis) meses, contados da sua publicação (09/03/2001), para que os sites de autoria ou parceria de médicos e instituições de saúde registrados no CREMESP estejam em conformidade com o Manual Ético. Desta forma, os sites que atualmente não atendem aos preceitos deste Manual estão irregulares.
Do ponto de vista do usuário da Internet, está assegurado o direito de exigir das organizações e indivíduos responsáveis pelos sites médicos que os sites por eles desenvolvidos tenham as seguintes características: transparência, honestidade, qualidade, consentimento livre e esclarecido, privacidade, atendimento a padrões universais de ética médica, responsabilidade e indicativos de sua procedência.
Por transparência, entende-se que deve ser transparente e pública toda informação que possa interferir na compreensão das mensagens veiculadas ou no consumo dos serviços e produtos oferecidos pelos sites com conteúdo de saúde e medicina. Já o conceito de honestidade requere dos sites que sejam claros quanto ao conteúdo por eles divulgado, cujo caráter poderá ser desde meramente comercial, até com fins educativos e científicos.
Em seguida, a informação de saúde a ser divulgada na Internet deverá ter alta qualidade, sendo exata, atualizada, de fácil entendimento, escrita em linguagem objetiva e cientificamente fundamentada. Dicas e aconselhamentos em saúde devem ser prestados por profissionais qualificados, com base em estudos, pesquisas, protocolos, consensos e prática clínica.
Além disso, pelo consentimento livre e esclarecido entende-se que quaisquer dados pessoais somente podem ser solicitados, arquivados, usados e divulgados com o expresso consentimento livre e esclarecido dos usuários, que devem ter clareza sobre o pedido de informações: quem coleta, reais motivos, como será a utilização e compartilhamento dos dados. Conseqüentemente, os usuários da Internet terão assegurado o direito à privacidade sobre seus dados pessoais e de saúde.
Como regra geral, os princípios éticos médicos adotados no mundo real também deverão ser aplicados no mundo virtual. Se a ação, omissão, conduta inadequada, imperícia, negligência ou imprudência de um médico, via Internet, produzir dano à vida ou agravo à saúde do indivíduo, o profissional responderá pela infração ética junto ao Conselho de Medicina. Por fim, alguém ou alguma instituição terá sempre que se responsabilizar, legal e eticamente, pelas informações, produtos e serviços de medicina e saúde divulgadas na Internet.
Paralelamente aos princípios éticos norteadores do exercício da medicina através da internet, o CREMESP promulgou um parecer com o seu posicionamento sobre os seguintes temas: (1) consultas médicas e orientações em saúde, (2) venda de medicamentos, produtos e serviços de saúde “on-line”; (3) simulações de procedimentos; (4) transmissão de imagens; (5) envio de exames e prontuários médicos; (6) publicidade médica; e (7) responsabilidade de terceiros. Abaixo, elencamos uma síntese com os principais aspectos destes pareceres:
- consultas médicas e orientações em saúde: a informação médica via Internet poderá complementar, mas nunca substituir a relação pessoal entre o paciente e o médico. Poderão ser veiculadas na Internet informações e orientações de saúde genéricas, de caráter educativo, abordando a prevenção de doenças e a promoção de hábitos saudáveis, entre outros aspectos. Pelas suas limitações, não deve ser instrumento para consultas médicas, diagnóstico clínico, prescrição de medicamentos ou tratamento de doenças de saúde.
- venda de medicamentos, produtos e serviços de saúde “on-line”: o uso das “farmácias virtuais” não é aconselhado pelo CREMESP. Algumas comercializam produtos controlados, que necessitam de prescrição médica, ademais de incentivarem a auto-medicação irresponsável, através da informação parcial e com interesses econômicos. A prescrição e venda de medicamentos pela Internet, sem exame clínico do paciente realizado por profissional habilitado, deve ser denunciada ao Conselho Regional de Farmácia e à Vigilância Sanitária.
- simulações de procedimentos: não é recomendável, por criar falsas expectativas e ilusões no usuário, por exemplo, no caso da simulação de possíveis resultados de uma cirurgia plástica. Assim, o recurso de simulação de caso, quando utilizado, deve esclarecer sua finalidade e limitações.
- transmissão de imagens: é vedada a transmissão de cirurgias, em tempo real ou não, em sites dirigidos ao público leigo, com a intenção de promover o sensacionalismo e aumentar a audiência. A transmissão de imagens via Internet só é válida para os fins da telemedicina, voltada à atualização e reciclagem profissional do médico, a exemplo das videoconferências, educação e monitoramento a distância.
- envio de exames e prontuários médicos: para evitar a quebra de sigilo e de privacidade, quem envia as informações deve tomar precauções técnicas adicionais, como o uso de criptografia ou de servidores especiais que barram a entrada de quem não está autorizado. Da mesma forma, os prontuários eletrônicos, que armazenam dados sobre os pacientes em clínicas, hospitais e laboratórios de análises clínicas devem estar protegidos contra eventuais quebras de sigilo.
- publicidade médica: poderá ser punido pelo Conselho Regional de Medicina o médico que utilizar a Intemet para autopromoção, concorrência desleal, pleitear exclusividade de métodos diagnósticos ou terapêuticos, ou ainda fazer propaganda de determinado produto, equipamento ou medicamento, em troca de vantagem econômica oferecida por empresas ou pela indústria farmacêutica.
- responsabilidade de terceiros: no caso de procedimentos ou conferências médicas realizadas usando os recursos da Internet, a responsabilidade do ato e da decisão é do médico assistente do paciente, sendo que os demais médicos envolvidos respondem solidariamente. No caso de cirurgias realizadas com uso de robótica e teleconferências, o médico que acompanha o paciente localmente responde por eventuais problemas que possam ser caracterizados como infrações éticas e legais como negligência, imperícia e imprudência.
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* Advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados
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Atualizado em: 28/5/2004 10:00