Operações de exportação e equiparadas e imunidade à contribuição social sobre o lucro
Roque Antonio Carrazza*
Eduardo D. Bottallo*
Sumário: 1 – Introdução. 2 – A Emenda Constitucional nº 33/01 e a imunidade à CSSL. 3 – A extensão da imunidade do art. 149, § 2º, I, da CF, às operações realizadas com empresas sediadas na Zona Franca de Manaus. 4 – Síntese conclusiva.
1 – Introdução
Procuraremos demonstrar, neste artigo, que, por força da Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001, a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) deixou de incidir nas receitas provenientes: a) de exportação; e b) de venda de bens a empresas localizadas na Zona Franca de Manaus.
Para levarmos a bom termo a empreitada, analisaremos, num primeiro momento, a mencionada Emenda Constitucional nº 33/01, na parte em que trata das imunidades às contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico.
Em seguida, cuidaremos da exclusão, da base de cálculo da CSLL, das receitas provenientes de exportações, bem como das resultantes de vendas a empresas localizadas na Zona Franca de Manaus, sujeitas ao mesmo regime jurídico.
2. A Emenda Constitucional n.º 33/01 e a imunidade à CSLL
I – A EC nº 33, de 11.12.2001, acrescentou três parágrafos (§§ 2º, 3º e 4º) ao art. 149, da Carta Magna, além de haver transformado o parágrafo único em § 1º. Indo ao ponto que nos interessa, dispõe o inc. I, de seu § 2º:
“Art. 149. (“omissis”).
………………………………………………………………………………………………………….
“§ 2º. As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o ‘caput’ deste artigo:
“I- não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação“.
Como estamos percebendo, a referida emenda criou nova hipótese de imunidade tributária. Neste particular só merece elogios, já que atendeu a um antigo anseio dos exportadores, qual seja, o de não verem oneradas, ainda que por intermédio de contribuições, as operações que levam bens ou produtos brasileiros ao mercado internacional ou a regiões a ele equiparadas (caso da Zona Franca de Manaus).
Com isso, indubitavelmente, o constituinte derivado revelou seu propósito de fomentar as operações de comércio exterior, fazendo com que nossos bens cheguem ao mercado internacional com preços competitivos, circunstância que vem ao encontro da louvável idéia, sempre defendida pelos economistas, de que “o País deve exportar produtos e, não, tributos“.
Tudo está em se saber, se dentre as contribuições alcançadas pela norma imunizante em foco, inclui-se a CSLL.
Já adiantamos que sim. No entanto, para que a assertiva não fique no plano das simples alegações, procuraremos melhor demonstrá-la, a seguir.
II – Como se sabe, imunidade é uma hipótese de não-incidência tributária constitucionalmente qualificada. Só o próprio Texto Magno cria esta figura jurídica. Em vão, portanto, buscaremos em normas infraconstitucionais as diretrizes a seguir, acerca da matéria. Elas, quando muito, podem aclarar o assunto que, repetimos, já foi esgotado pelo legislador constituinte.
As regras imunizantes produzem todos os efeitos, independentemente da edição de normas infraconstitucionais (1).
Neste sentido, temos por indisputável que desobedecer a uma regra de imunidade equivale a incidir em inconstitucionalidade. Ou, como diz expressivamente Aliomar Baleeiro, “as imunidades tornam inconstitucionais as leis ordinárias que as desafiam“(2).
Aproveitando o mote, pedimos vênia para acrescentar: “as imunidades tornam duplamente inconstitucionais as manifestações interpretativas e os atos administrativos que as desafiam“.
De fato, se nem a lei pode anular ou restringir as situações de imunidade contempladas na Constituição, por muito maior razão não poderão fazê-lo o aplicador e o intérprete da norma tributária .
Em termos mais precisos, o direito à imunidade é uma garantia fundamental, constitucionalmente assegurada ao contribuinte, que nenhuma lei ou autoridade podem desconsiderar.
Isto porque a imunidade, por assim dizer, reduz as dimensões do campo tributário das pessoas políticas. Erige, se preferirmos, limites ao exercício de suas competências tributárias.
Logo, criar tributos, só a lei pode; violar imunidades tributárias, nem a lei pode. É que, no sistema tributário brasileiro, a materialidade das normas ordinárias instituidoras das regras-matrizes de incidência já se encontra integralmente qualificada no próprio Texto Supremo.
Em decorrência das regras imunizantes, a pessoa política não tem aptidão jurídica para tributar determinados fatos, pessoas ou situações. Nesta medida, a imunidade é uma incontornável garantia constitucional do contribuinte, que ilide a própria ação legislativa das pessoas políticas e, por óbvio, a ação administrativa (aplicativa da lei) e o labor exegético.
Isto porque as regras de imunidade, todas elas, consagram valores que, de tão importantes, foram postos, pelo povo brasileiro, reunido em Assembléia Nacional Constituinte, no próprio Preâmbulo da Constituição (liberdade religiosa, liberdade de imprensa, livre difusão da cultura, proteção aos hipossuficientes, para que alcancem a plenitude da cidadania etc.).
Anote-se, por outro lado, que a compreensão do alcance das imunidades, diferentemente do que ocorre com as isenções, transcende aos limites do Direito Tributário, para revelar-se como própria do Direito Constitucional.
É o caso, a respeito, de invocarmos o magistério sempre fecundo de José Souto Maior Borges:
“Sistematicamente, através da imunidade resguardam-se princípios, idéias-força ou postulados essenciais ao regime político. Conseqüentemente, pode-se afirmar que as imunidades representam muito mais um problema do direito constitucional do que um problema do direito tributário.
“Analisada sob o prisma do fim, objetivo ou escopo, a imunidade visa assegurar certos princípios fundamentais ao regime, a incolumidade de valores éticos e culturais consagrados pelo ordenamento constitucional positivo e que se pretende manter livre das interferências ou perturbações da tributação.
“A imunidade, diversamente do que ocorre com a isenção, não se caracteriza como regra excepcional frente ao princípio da generalidade do tributo“(3).
Como se vê, as normas imunizantes devem ser interpretadas com generosidade (Geraldo Ataliba), posto expressarem a vontade do constituinte – explicitamente manifestada – de preservar da tributação valores e pessoas de particular significado político, social ou econômico.
III – No que concerne à CSLL, começamos por registrar que a Constituição Federal trata mais especificamente do assunto em seu art. 195, I, c; verbis:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
“I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
………………………………………………………………………………………………………….
“c) o lucro;“.
Como a só leitura destes dispositivos constitucionais já nos revela, uma das contribuições voltadas à mantença da Seguridade Social é, sem dúvida, a contribuição social sobre o lucro (CSSL). Tal contribuição, damo-nos pressa em escrever, foi instituída pela Lei n.º 7.689, de 15 de dezembro de 1.988.
É interessante notar que a contribuição em foco e o imposto sobre a renda da pessoa jurídica têm idêntica base de cálculo possível: o lucro da pessoa jurídica.
Com efeito, o art. 2º, da Lei n.º 7.689/88 declara que a base de cálculo da contribuição é o “valor do resultado do exercício antes da provisão do imposto de renda“. Esta frase, a nosso ver, há de ser entendida como sinônima de “lucro“, até porque é justamente sobre ele, que a Constituição autoriza a criação do tributo em tela. O que a diferencia do imposto sobre a renda é simplesmente a finalidade que deve perseguir, ou seja, o custeio da Seguridade Social.
Evidentemente, a base de cálculo da “contribuição social sobre o lucro” deverá ser apurada do mesmo modo que a do imposto sobre a renda da pessoa jurídica. É o que de resto estabelece o art. 57, da Lei n.º 8.981/95:
“Art. 57 Aplicam-se à Contribuição Social sobre o Lucro (Lei n.º 7.689, de 1.988) as mesmas normas de apuração e pagamento estabelecidas para o imposto de renda das pessoas jurídicas, mantidas a base de cálculo e as alíquotas previstas na legislação em vigor, com as alterações introduzidas por esta Lei“.
O “quantum debeatur” da CSSL deverá corresponder, pois, a um percentual do lucro, como, de resto, estabeleceu a lei de regência.
A Constituição Federal não nos fornece nenhuma definição de lucro, para fins de tributação por meio da contribuição específica.
O termo lucro, porém, não é um simples “rótulo“. Tampouco, uma “caixa vazia“, dentro da qual o legislador, o intérprete ou o aplicador, podem colocar o que melhor lhes aprouver.
Pelo contrário, lucro, no contexto do art. 195, I, c, da Constituição Federal, tem uma acepção técnica, que o Direito Tributário não pode desconsiderar.
De fato, desde as clássicas lições de Gian Antonio Micheli (catedrático da Universidade de Roma), aceita-se que o Direito Tributário é um “direito de superposição“, na medida em que encampa conceitos e assimila institutos, tais como lhe são fornecidos por outros ramos do Direito.
Muito bem, lucro é instituto afeto ao Direito Societário. O diploma que o define é a Lei das Sociedades Anônimas (Lei n.º 6.404, de 15.12.76), cujo art. 191 estabelece:
“Art. 191. Lucro líquido do exercício é o resultado do exercício que remanescer depois de deduzidas as participações de que trata o art. 190“.
Prescreve este art. 190:
“Art. 190. As participações estatutárias de empregados, administradores e partes beneficiárias serão determinadas, sucessivamente e nessa ordem, com base nos lucros que remanescerem depois de deduzida a participação anteriormente calculada“.
Também há de ser considerado, para o correto entendimento do assunto, o art. 186, da mesma Lei n.º 6.404/76; verbis:
“Art. 186. A demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados discriminará:
“I – o saldo do início do período, os ajustes de exercícios anteriores e a correção monetária do saldo inicial;
“II – as reversões de reservas e o lucro líquido do exercício;
“III – as transferências para reservas, os dividendos, a parcela dos lucros incorporada ao capital e o saldo ao fim do período.
“§ 1º. Como ajustes de exercícios anteriores serão considerados apenas os decorrentes de efeitos da mudança de critério contábil, ou da retificação de erro imputável a determinado exercício anterior, e que não possam ser atribuídos a fatos subseqüentes.
“§ 2º. A demonstração de lucros ou prejuízos acumulados deverá indicar o montante do dividendo por ação do capital social e poderá ser incluída na demonstração das mutações do patrimônio líquido, se elaborada e publicada pela companhia“.
Deixando de lado detalhes, que não vêm para aqui, o fato é que, da análise destes artigos ressai nitidamente que lucro – base de cálculo da CSSL – é o resultado positivo experimentado pela pessoa jurídica, num dado período de apuração, abatidos os valores empregados para obtê-lo. O lucro enseja um acréscimo na capacidade econômica do contribuinte ou, se preferirmos, revela disponibilidade de riqueza nova.
Vai daí que ao referir-se a lucro, a Constituição, em seu art. 195, I, c, quis que a contribuição ali prevista recaia sobre um resultado final, que leve em conta as receitas da pessoa jurídica, ajustadas aos ditames legais acima apontados. Em suma, que leve em conta modalidade qualificada de receita. Mas sempre receita.
IV – É certo que o art. 195, I, em suas alíneas b e c, da Constituição Federal, se literalmente interpretado, pode levar à conclusão de que lucro e receita se contrapõem. Com efeito, o Texto Magno, ao autorizar a criação de contribuições sociais para o custeio da Seguridade Social, apontou-lhes as bases de cálculo possíveis e, dentre elas, “a receita ou o faturamento” (alínea b) e “o lucro” (alínea c).
A prevalecer tal “interpretação“, poder-se-ia eventualmente sustentar que a imunidade criada pela EC n.º 33/01, estaria restrita às contribuições que têm por base de cálculo a receita, ficando excluída, pois, do benefício fiscal em tela, a CSLL.
Deveras, o § 2º, do art. 149, da Lei das Leis, declara imunes às contribuições sociais, “as receitas decorrentes de exportação“.
Todavia, interpretar um texto normativo, mais do que simplesmente entender as palavras que o compõem, é captar seu conteúdo e suas implicações práticas.
De fato, as disposições normativas não devem ser interpretadas, ou seja, compreendidas em seu alcance e significado, apenas no estrito e exclusivo entendimento gramatical de seus termos. Fosse assim, e talvez o ensino da Ciência Jurídica pudesse ser desnecessário, posto que a mera alfabetização seria suficiente para converter qualquer cidadão comum, em verdadeiro expert em Hermenêutica Jurídica. A palavra “exegese” poderia ser substituída por “leitura“, e a expressão “Hermenêutica Jurídica” deixaria de identificar uma Ciência própria, para constituir-se em sinônimo de “gramática“.
Julgamos oportuno relembrar, a propósito, a sempre atual lição de Carlos Maximiliano que, inspirado nos ensinamentos de Jellinek, Salomon, Dernburg, Ferrara e Alves Moreira, bem sintetizou clássica premissa, que alicerça todo o pensamento da moderna Ciência do Direito:
“A palavra é um mau veículo do pensamento; por isso, embora de aparência translúcida a forma, não revela todo o conteúdo da lei, resta sempre margem para conceitos e dúvidas; a própria letra nem sempre indica se deve ser entendida à risca, ou aplicada extensivamente; enfim, até mesmo a clareza exterior ilude; sob um só invólucro verbal se conchegam e escondem várias idéias, valores mais amplos e profundos do que os resultantes da simples apreciação literal do texto“(4).
Tais idéias ressaltam a importância da interpretação sistemática, que, em busca da mens legis, exige uma visão global do ordenamento jurídico.
Realmente, a procura pela verdade jurídica não pode terminar na simples leitura de um texto legislativo.
Neste ponto de nosso raciocínio, é o caso de novamente colacionarmos os ensinamentos de Carlos Maximiliano:
“Deve o direito ser interpretado inteligentemente, não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis“(5).
Ora, a literalidade do art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal, deve ser afastada, justamente porque leva a conclusões inconsistentes, que, na prática, restringem o regime imunizatório que, louvavelmente, o dispositivo em pauta consagra.
Melhor é entender e aplicar o preceito em foco, de modo a preservar-lhe a teleologia, conforme, diga-se de passagem, nos exorta a fazer o insuperável mestre Goffredo da Silva Telles Júnior:
“Se a aplicação da lei a um caso concreto produzir efeito contrário ao que ela pretende, aplicá-la equivale a violá-la, porque será contrariar o seu pensamento, o seu espírito.
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“Na interpretação das leis, mais importante do que o rigor da lógica racional, é o entendimento razoável dos preceitos, porque o que se espera inferir das leis não é, necessariamente, a melhor lógica, mas uma justa e humana solução“(6).
Muito bem, a posição que estamos defendendo afina-se com as idéias destes consagrados juristas. Qualquer outra, venia concessa, afasta-se da lógica da prudência (jurisprudência), conatural à Ciência do Direito.
Estas observações crescem de ponto, se levarmos em conta que a matéria objeto deste estudo gravita em torno de imunidade tributária, instituto que, como já demonstrado, exige uma interpretação ampla e, o quanto possível, favorável aos beneficiários.
Além do mais, as diferenças entre receita e lucro, conquanto existam, não sustentam a assertiva de que se estaria diante de realidades reciprocamente excludentes. Isto porque, a receita não exclui o lucro, e vice-versa. Assim, há perfeita compatibilidade entre estes dois conceitos, já que o lucro – sob os ângulos econômico, contábil e, sobretudo, tributário – nada mais é que a receita depurada, isto é, a receita que teve expungidos os custos e despesas necessários à sua obtenção.
Ora, na medida em que a imunidade instituída pela EC n.º 33/01 objetiva incentivar operações de exportação, desonerando-as de contribuições sociais, segue-se que o termo receitas, empregado no art. 149, § 2º, I, do Diploma Magno, há de ser entendido em sentido amplo, de modo a albergar, não só as contribuições que incidem sobre o faturamento (art. 195, I, b, da CF), como a que toma por base de cálculo o lucro (art. 195, I, c, da CF). Afinal, como visto, lucro nada mais é que receita ajustada de acordo com os dispositivos legais atrás mencionados.
Nosso ponto-de-vista, diga-se de passagem, encontra-se abonado pelo Governo Federal, quando vetou parcialmente o Projeto de Conversão n.º 31, originário da Medida Provisória n.º 66/02. Realmente, na oportunidade, o Exmo. Sr. Presidente da República, justificando sua posição, sustentou que contraria o interesse público, por prejudicial ao esforço exportador da Nação, a incidência, nestas operações, de contribuições sociais, com base de cálculo diversa da folha de pagamento (7). Tal é exatamente o caso da CSLL.
Vai daí que, seja porque lucro é forma qualificada de receita, seja porque regras imunizantes comportam interpretação extensiva (8), seja, finalmente, porque esta é a ratio – reconhecida pelo próprio Executivo Federal – da EC n.º 33/01, temos por incontroverso que o lucro decorrente das operações de exportação tornou-se imune à CSLL, após 12 de dezembro de 2001 (data em que entrou em vigor a nova redação do art. 149, da Constituição Federal).
3. A extensão da imunidade do art. 149, § 2º, I, da CF, às operações realizadas com empresas sediadas na Zona Franca de Manaus
A imunidade às receitas decorrentes de exportação (art. 149, § 2º, I, da CF), que, como vimos no item anterior, alcança a CSLL, irradia efeitos também sobre as operações realizadas com empresas sediadas na Zona Franca de Manaus.
A Zona Franca de Manaus, como é de conhecimento geral, foi criada pela Lei n.º 3.173/57, posteriormente alterada pelo Decreto-lei n.º 288/67, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento econômico da região, mediante concessão de estímulos às empresas industriais que ali se instalassem.
Tais estímulos consistem basicamente na redução ou eliminação de gravames de natureza aduaneira e tributária, incidentes sobre operações realizadas pelas sobreditas empresas. Entre outras vantagens, a legislação houve por bem equiparar, tais operações às exportações brasileiras para o exterior.
Neste sentido, o Decreto-lei n.º 288/67, em seu art. 4º, estabelece:
“Art. 4º. A exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus ou reexportação para o estrangeiro, será, para todos os efeitos fiscais constante da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro“.
Não resta a menor dúvida, portanto, que as mesmas vantagens fiscais que a legislação assegura às operações de exportação, se estendem às operações praticadas com empresas instaladas na Zona Franca de Manaus.
É o caso de trazermos à colação as ensinanças de Tércio Sampaio Ferraz Jr., para quem “a equiparação afirma uma igualdade, desprezando desigualdades secundárias“(9).
Do exposto, resulta que, dentre a grande cópia de incentivos assegurados às operações realizadas com empresas instaladas na Zona Franca de Manaus, figura, a partir da entrada em vigor da EC n.º 33/01, o da imunidade às contribuições sociais, aí compreendida a CSLL.
Com efeito, se as receitas de exportação passaram a ser excluídas da incidência da CSLL, tal benefício não pode ser negado nas operações em pauta, sob pena de virem frustrados os elevados objetivos que nortearam a criação da Zona Franca de Manaus.
Nem se alegue que o advento da Constituição de 1988 teria, de algum modo, prejudicado a manutenção destes objetivos, porquanto o art. 40, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias é peremptório, a respeito; verbis:
“Art. 40. É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição“.
Portanto, diante da meridiana clareza deste dispositivo constitucional, até, no mínimo, o ano de 2013 (vinte e cinco anos após 1988), está assegurada a preservação de toda a estrutura de incentivos, inclusive fiscais, em prol da Zona Franca de Manaus.
O próprio Pretório Excelso decidiu neste sentido:
“O art. 40, do ADCT/88 recepcionou todo o conjunto normativo específico informador da Zona Franca de Manaus.
“De fato – constituída essencialmente a Zona Franca pelo conjunto de incentivos fiscais indutores do desenvolvimento regional e mantida, com esse caráter, pelas Disposições Constitucionais Transitórias, pelo prazo de vinte e cinco anos, admitir-se que preceitos infraconstitucionais reduzam ou eliminem os favores fiscais existentes parece, à primeira vista, interpretação que esvazia a eficácia real do preceito constitucional“.
Em face do exposto, como as operações para a Zona Franca de Manaus mantém-se equiparadas às de exportação, dúvidas não há no sentido de que, também elas são imunes à CSLL, nos termos do art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal.
4. Síntese Conclusiva
Com base nas precedentes considerações, podemos afirmar que o lucro decorrente das operações de exportação tornou-se imune à CSLL, após 12 de dezembro de 2001 (data em que entrou em vigor a nova redação do art. 149, da Constituição Federal).
Por outro lado, e na medida em que as operações para a Zona Franca de Manaus mantém-se equiparadas às de exportação, também elas são imunes à CSLL, nos termos do mesmo dispositivo constituciona10.
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1-As normas constitucionais que veiculam imunidades tributárias são, de acordo com a doutrina de José Afonso da Silva, de eficácia plena e aplicabilidade imediata.
2- Direito Tributário Brasileiro, Forense, Rio de Janeiro, 1ª ed., 1970, p. 87.
3- Isenções Tributárias, Sugestões Literárias, São Paulo, 2ª ed., 1980, pp. 184/5 – grifamos.
4-Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, Rio de Janeiro, 9ª ed., 1ª tiragem, 1980, p. 36.
5- Idem ibidem, p. 166 (os negritos são do autor).
6-“O Chamado Direito Alternativo – Interpretação Razoável“, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, n.º 94/79, São Paulo, 1999 (os negritos estão no original).
7-Consta da Mensagem de Veto: “Preliminarmente cabe esclarecer que a incidência da (…) contribuição sobre o faturamento possibilita a desoneração nas exportações, o que não ocorre quando a incidência é sobre a folha de pagamento. Dessa forma, a mudança proposta prejudica o esforço exportador da Nação.“
8-Sustenta Amilcar de Araújo Falcão que a distinção entre isenção e imunidade tem importantes conseqüências no campo da interpretação; verbis: “É que, sendo a isenção uma exceção à regra de que, havendo incidência deve haver o pagamento do tributo, a interpretação dos preceitos que estabelecem isenção deve ser estrita, restritiva. Inversamente, a interpretação, quer nos casos de incidência, quer nos de não-incidência, quer, portanto, nos de imunidade, é ampla, no sentido de que todos os métodos, inclusive o sistemático, teleológico, etc., são admitidos” (Fato Gerador da Obrigação Tributária, Rio de Janeiro, Forense, 1964, p. 130).
9-“Equiparação – Código Tributário Nacional, art. 151“, in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, vol. 28, p. 11.
10-ADIN n.º 310-1-DF (medida cautelar) (DJU 16.4.93, ementário n.º 1699-1, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). No mesmo sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 4, Saraiva, São Paulo, 1995, p. 164).
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* Roque Antonio Carrazza é Professor Titular da Cadeira de Direito Tributário da Faculdade de Direito da PUC-SP e Chefe do Departamento das Relações Tributárias Econômicas e Comerciais da mesma Universidade.
** Prof. Eduardo D. Bottallo, do escitório Bottallo e Gennari Advogados é Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – Professor de Direito Constitucional e Coordenador da Pós-Graduação da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.
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Atualizado em: 1/4/2003 11:49
Roque Antonio Carrazza
Eduardo Domingos Bottallo
Sócio do escritório Eduardo Bottallo & Associados Advogados.