Os focos de conflitos entre o ISS e o ICMS
José Roberto Pisani*
Três dos mais importantes focos de conflitos entre tributos – especialmente o Imposto Sobre Serviços (ISS) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), disciplinados na Lei Complementar nº 116 – residem nas atividades consistentes (a) no desenvolvimento de software; (b) no provimento de acesso à internet; e (c) na chamada indústria gráfica. Essas questões, aliás, têm provocado amplo debate na doutrina e na jurisprudência. Vamos, pois, analisá-las. A regra da lei complementar (artigo 1º, parágrafo 3º) é a de que os serviços listados ficam sujeitos apenas e tão somente ao ISS, salvo se a própria lista contiver exceção no sentido de que o ICMS seja devido sobre o fornecimento de mercadorias, em cada caso. Salvo as exceções expressas na própria lista, apenas o ISS é devido, ainda que a prestação envolva fornecimento de mercadorias. Portanto, reitere-se, os casos em que o ICMS incide sobre mercadorias e o ISS sobre serviços são expressos e específicos. Em todos os demais, apenas o ISS é devido, ainda que haja fornecimento de materiais.
No item relativo à indústria gráfica (13.05), a lei complementar repete a disciplina anterior, ao falar em composição gráfica, sem se referir à finalidade do serviço em relação ao tomador ou ao fornecimento de materiais. Aliás, o fornecimento de materiais seria irrelevante para caracterizar os serviços. A dúvida está em saber se composição gráfica abrange também impressão, como tem sido a tendência da jurisprudência (Súmula nº 156 do Superior Tribunal de Justiça, STJ). Quando da tramitação do projeto que resultou na Lei Complementar nº 116, aventou-se a inclusão da impressão gráfica nos itens respectivos, o que não foi acolhido. Existe, contudo, um projeto de lei complementar em tramitação que aparentemente resolve o problema, em termos estritamente legais. Esse projeto (Projeto de Lei nº 70/2002), que ainda precisa ser adaptado à Lei Complementar nº 116, estabelece que confecção de impressos gráficos está sujeita ao ISS, salvo se destinados à comercialização ou industrialização posterior, hipótese em que incide apenas o ICMS.
O software apresenta o problema, extremamente complexo, de saber se, como bem imaterial, incorpóreo, inclui-se no conceito de mercadoria, bem móvel objeto de mercancia ou no de serviço. Também aqui há grande polêmica a respeito. Na pendência da legislação anterior, o Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu a tese de que o software é serviço, sujeito ao ISS, quando desenvolvido por encomenda direta do adquirente/consumidor; e é mercadoria, sujeita ao ICMS, quando desenvolvido para ser vendido em série (software de prateleira). Os Estados, alguns deles, embora exigindo o ICMS sobre o software em geral, adotam base de cálculo de alguma forma representativa apenas do valor do suporte físico. A Lei Complementar nº 116 adota o conceito de software como prestação de serviço puro, já que não faz qualquer ressalva quanto à incidência do ICMS, e nem mesmo quanto a se tratar de software de encomenda ou de prateleira. Portanto, a solução do conflito, na ótica da Lei Complementar nº 116, foi de considerar o software como prestação de serviço puro e simples, posição com a qual concordamos.
Em relação às listas de serviços anteriores (Decreto-lei nº 406, Decreto-lei nº 834 e Lei Complementar nº 56), a atual apresenta a vantagem de caracterizar especificamente os serviços de elaboração de programas de computador, inclusive jogos eletrônicos (item 1.04) e licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação (item 1.05). Em uma das versões do projeto de reforma tributária, em tramitação no Congresso Nacional, chegou-se a propor modificações na Constituição Federal para a inclusão do software (e também do provimento de acesso à internet) entre as atividades sujeitas ao ICMS, mas essas duas alusões não constaram do projeto final de reforma da Câmara dos Deputados. Portanto, do ponto de vista legal, a pendência está solucionada. Resta aguardar qual será a postura do Judiciário e do próprio STF em novo exame da questão.
O provimento de acesso à internet e demais atividades ligadas à rede também apresentam pontos altamente polêmicos e de grande complexidade. O principal é saber se os provedores de acesso prestam serviço de comunicação, sujeito ao ICMS, ou serviço de qualquer natureza, eventualmente tributável pelo ISS. A Lei Geral de Telecomunicações parece resolver essa pendência em desfavor do ICMS ao definir, em seus artigos 60 e 61, que se trata de serviço de valor agregado e não de telecomunicação. Essa também parece ser a tendência atual da jurisprudência, conforme decisão da Segunda Turma do STJ no Recurso Especial nº 456.650-PR, que teve como relatora a ministra Eliana Calmon, para quem o provedor de acesso não presta serviço de comunicação. Há, contudo, uma decisão da Primeira Turma do mesmo STJ, em sentido oposto (Recurso Especial nº 323.358-PR, relatado pelo ministro José Delgado).
Apesar de também entendermos incabível o ICMS, não nos parece possível a incidência do ISS sobre a atividade do provedor puro de acesso, por falta de previsão expressa e específica na lista de serviços. Não obstante, segundo nossa opinião, muitas outras atividades ligadas à rede sujeitam-se ao ISS, desde que prestadas em caráter oneroso. São desse teor o próprio fornecimento de software, a intermediação de negócios, os jogos eletrônicos, o desenvolvimento de páginas eletrônicas o fornecimento de música etc. Quanto ao software fornecido na internet, via download, e mesmo quanto a músicas e jogos eletrônicos, surge a mesma dúvida de saber se se trata de serviço de qualquer natureza ou de mercadoria (mercadoria virtual). Parece-nos que o mais adequado à hipótese é o conceito de serviço, tributável pelo ISS quando previsto na lista.
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* Advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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Atualizado em: 10/12/2003 09:17