Tributação dos lucros auferidos no exterior
MP nº 2.158-35/01 e Instrução Normativa SRF nº 213/02
Pedro Anan Jr*
I – Introdução
Com a edição da Lei nº 9.249, em 26 de dezembro de 1995, muitas dúvidas surgiram em relação a tributação dos lucros auferidos no exterior pelas empresas sediadas no Brasil. O presente trabalho tem como escopo analisar as principais modificações legislativas a respeito da matéria e a inconstitucionalidade trazida pela Medida Provisória nº 2.158-35/01 e Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal nº 213/01.
Antes da edição da Lei nº 9.249/95. A legislação brasileira adotava em matéria de imposto de renda das pessoas jurídicas, o “princípio da territorialidade”, no qual somente eram tributados os lucros e rendimentos auferidos no território do País. Este princípio encontrava-se inserto no artigo 337 do Regulamento do Imposto de Renda – RIR/94, aprovado pelo Decreto nº 1.041, de 11 de janeiro de 1994.
Portanto, nos termos dessa sistemática legal, os resultados auferidos no exterior poderiam ser excluídos da apuração da base de cálculo do imposto de renda e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro – CSLL.
II – Lei nº 9.249/95
Com a publicação da Lei nº 9.249/95, a partir de 1º de janeiro de 1996, os lucros, rendimentos ou ganhos de capital auferidos por pessoa jurídica em qualquer operação praticada no exterior passaram a estar sujeitos a incidência do imposto de renda. Desta forma passou a vigorar o “princípio da universalidade”, no que diz respeito à tributação dos rendimentos, ganhos de capital e lucros das pessoas jurídicas, nos termos do artigo 25 da referida norma legal.
Em relação à CSLL, a Lei nº 9.249/95 permitiu que os lucros, rendimentos e ganhos de capital continuassem a ser excluídos da sua base de cálculo, tendo em vista que não havia disposição expressa para sua tributação.
O resultado dos investimentos relevantes em controladas e coligadas, apurados através do chamado “método de equivalência patrimonial” continuou a ter o tratamento previsto na legislação vigente, ou seja, o resultado positivo deveria ser excluído do lucro real e da base de cálculo da CSLL e o resultado negativo deveria ser adicionado as referidas bases de cálculo.
Tal tratamento se justifica pelo fato de que tais resultados (lucro ou prejuízo) são ajustes contábeis ao investimento que refletem a variação patrimonial da coligada ou controlada. Portanto, não devem ser considerados com lucro ou prejuízo auferido pela investidora.
Uma das grandes questões que se levantou na época é que a Lei nº 9.249/95 previa que os lucros auferidos no exterior por coligadas ou controladas deveriam ser adicionados para fins de apuração do lucro real, em 31 de dezembro de cada ano-calendário, independentemente de serem ou não distribuídos ao sócio ou acionista no Brasil.
Podemos observar que tal tributação era indevida tendo em vista que feria frontalmente o conceito constitucional de renda – fato gerador do imposto – previsto no artigo 43 do Código Tributário Nacional – CTN.
Ou seja, enquanto o contribuinte não recebesse efetivamente o lucro auferido no exterior, não se poderia falar em disponibilidade econômica ou jurídica de renda no Brasil. A Lei nº 9.249/95 tenta alterar o conceito de renda previsto no artigo 43 do CTN, alteração esta que só poderia ter sido efetuada através de Lei Complementar, nos termos do artigo 146 da Constituição Federal.
Ou seja, a Lei nº 9.249/95 ao permitir a tributação dos lucros auferidos no exterior no momento da sua geração viola o artigo 43 do CTN.
Devo ressaltar que tal discussão já foi levada ao Judiciário no caso do imposto de renda retido na fonte sobre o lucro líquido – ILL. Tendo o Supremo Tribunal Federal – STF – decidido a favor do contribuinte (RE nº 172.058-1 SC).
III – Instrução Normativa SRF nº 38/96
Percebendo que, se o contribuinte levasse essa discussão ao Poder Judiciário, iria ter grandes chances de êxito, a Secretaria da Receita Federal – SRF – editou, em 27 de junho de 1996, a Instrução Normativa nº 38, dispondo que o lucro auferido no exterior deveria ser tributado quando disponibilizado.
A IN/SRF nº 38/96 procurou constitucionalizar a tributação dos lucros auferidos no exterior, trazendo situações que não foram previstas na Lei nº 9.249/95.
Contudo, a inovação trazida pela IN/SRF nº 38/96 não possui base constitucional, pois a Lei nº 9.249/95 não previa o conceito do que era lucro disponibilizado e não podendo uma mera instrução normativa pretender faze-lo, sob pena de ferir o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal.
Desta forma, podemos concluir que, a partir de 1996, não havia base legal para tributar os lucros auferidos no exterior.
IV – Lei nº 9.532/97
Em 10 de dezembro de 1997 foi editada a Lei nº 9.532, prevendo expressamente quando o lucro seria considerado disponibilizado, onde foram legalizados as hipóteses da IN/SRF nº 38/96.
Podemos concluir que a edição da Lei nº 9.532/97, criando hipóteses de disponibilização do lucro, veio a reforçar o argumento de que os lucros gerados no exterior em 1996 e 1997 não poderiam ser tributados no Brasil, uma vez que não havia previsão legal para isso.
V – Lei nº 9.959/00
Em 27 de janeiro de 2000, foi editada a Lei nº 9.959, que previu duas hipóteses de disponibilização dos lucros auferidos no exterior:
a) na hipótese de contratação de operações de mútuo, se a mutuante, coligada ou controlada, possuir lucros ou reservas de lucros;
b) na hipótese de adiantamento de recursos, efetuado pela coligada ou controlada, por conta de venda futura, cuja liquidação, pela remessa do bem ou serviço vendido, ocorra em prazo superior ao ciclo de produção do bem ou serviço.
VI – Lei Complementar n º 104/01 – Alteração do Art. 43 do CTN
Em 10 de janeiro de 2001, foi editada a Lei Complementar nº 104, que alterou diversos dispositivos do CTN, dentre eles o artigo 43.
O legislador, tentando cobrir a lacuna deixada pelas Leis nºs 9.249/95, 9.532/97 e 9.959/00 alterou o artigo 43 do CTN, dispondo através de uma lei complementar que uma lei ordinária poderia estabelecer em que momento e em que condições ocorrerá a disponibilidade dos rendimentos auferidos no exterior para fins de tributação em matéria de imposto de renda.
Ou seja, as citadas normas legais, ao determinar o momento e as condições em que ocorreria a disponibilização do lucros, o fizeram sem base legal, pois o artigo 43 do CTN não dava base para tal tributação. Essa previsão legal só veio com a edição da Lei Complementar nº 104/01.
VII – Medida Provisória nº 1.858-6/99
Em 29 de junho de 1999, a Medida Provisória nº 1.858-6 (atual Medida Provisória nº 2.158-35/01), estabeleceu que os rendimentos, ganhos de capital e lucros auferidos no exterior passariam a ser tributados pela CSLL. Devemos ressaltar que tais disposições passaram a ter vigência a partir de 27 de setembro de 1999 .
VIII – Medida Provisória nº 2.158-35/01
Em 24 de agosto de 2001, foi editada a Medida Provisória nº 2.158-35/01, que dispõe que o lucros auferidos no exterior por coligada ou controlada serão considerados disponibilizados na data do balanço no qual tiverem sido apurados.
Dispõe ainda que os lucros apurados até 31 de dezembro de 2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, independentemente de serem efetivamente distribuídos ou não.
Podemos observar que a MP 2.158-35/01 traz à tona a discussão que houve quando da edição da Lei nº 9.249/95, ou seja, o legislador quer tributar pelo Imposto de Renda e pela CSLL algo que não representa efetivo acréscimo patrimonial/renda/lucro para a sociedade, afrontando o conceito de renda previsto no artigo 43 do CTN e de lucro previsto no artigo 195 da constituição federal.
Devo ressaltar que essa discussão já foi levada ao Poder Judiciário em caso semelhante que o STF entendeu que, enquanto o lucro não for efetivamente distribuído para o sócio ou acionista, não há que se falar em fato gerador do imposto de renda. Desta maneira, entendo que o contribuinte tem fortes argumentos para discutir que tal exigência é inconstitucional.
IX – Instrução Normativa nº 213/02
Em 07 de Outubro de 2002, a SRF editou a Instrução Normativa n.º 213, onde procurou consolidar os critérios para o tratamento tributário de ganhos de capital, lucros e rendimentos apurados no exterior, revogando a Instrução Normativa n.º 38, de 27 de Junho de 1996.
A IN/SRF nº 213/02 prevê, em seu artigo 7º, a tributação dos resultados positivos de equivalência patrimonial em investimentos no exterior, para fins de apuração do Lucro Real e base de cálculo da CSLL. Isso significa dizer que a eventual variação cambial de investimentos no exterior passou a ter natureza de receita tributável.
Devemos ressaltar que tal dispositivo é contrário ao que dispôs o parágrafo 6º do artigo 25 da Lei 9.249, de 27 de Dezembro de 1995, que prevê expressamente que o resultado positivo de equivalência patrimonial não deve ser objeto de tributação.
A tributação da equivalência patrimonial positiva é descabida uma vez que se trata de mero ajuste contábil do investimento decorrente da variação positiva do patrimônio líquido da controlada ou coligada. Esta variação positiva não pode ser confundida com lucro auferido pela investidora.
Por fim, o STF sinalizou recentemente, através de um voto da Ministra Ellen Gracie, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 2.588 – DF – movida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a possibilidade de um abrandamento na tributação dos lucros de coligadas no exterior, uma vez que, diferentemente dos lucros gerados pelas controladas, que ficam disponíveis para a matriz no Brasil, os lucros de coligadas somente podem ser apurados quando da remessa ao País.
X – Conclusão
Diante do exposto, entendo existem bons argumentos para questionar as disposições havidas na Medida Provisória nº 2.158-35/01 e na IN/SRF nº 213/02, que tratam da tributação de lucros que não foram disponibilizados e da equivalência patrimonial positiva.
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*Associado do escritório Amaro, Stuber e Advogados Associados.
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Atualizado em: 1/4/2003 11:49