Liberalização dos serviços jurídicos: o encontro na ONU   Migalhas
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Liberalização dos serviços jurídicos: o encontro na ONU

Isabel C. Franco*

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O assunto da moda no mundo jurídico internacional é, sem dúvida, a liberalização dos serviços jurídicos no âmbito do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) após a IV Conferência Ministerial da OMC, realizada em Doha, em 2001.

Para conhecer a posição de seus pares em outros países e compartilhar as dificuldades com aqueles que tentam um diálogo dentro de seus próprios países com o respectivo time negociador perante a OMC, advogados do mundo todo se reuniram na semana passada em Nova York, em clima de assembléia das Nações Unidas. Literalmente. Assim é que a Union Internationale des Avocats, juntamente com as mais poderosas associações de advogados dos Estados Unidos, reuniu-se por vários dias em fóruns diversos, inclusive na própria sede da ONU, para entender a proposta de outros países na nova rodada de negociações.

O desafio do tema está na reavaliação do conceito de serviços jurídicos, pois aqueles que advogam a sua liberalização se baseiam na idéia de que a advocacia é um serviço sujeito à cláusula do livre-comércio, e que qualquer barreira será encarada como protecionismo, o que, argumenta-se, é incompatível com as práticas internacionais e as regras da OMC. Pretende-se, portanto, a liberalização dos serviços jurídicos para que sejam praticados internacionalmente nos moldes previstos pelo GATS.

O debate foi interessantíssimo, para não dizer surpreendente. Reunidos os participantes de sempre, ou seja, os colegas de todos os países desenvolvidos, admiramo-nos com a presença de colegas remotos, vindos do Líbano, da Rússia, Turquia, Marrocos, Síria e até do Kwait !

As posições iniciais variavam na mesma proporção da diversidade dos participantes: desde xenófobos até mercantilistas do Direito.

Comecemos pela posição de nosso País, que acabou dando abertura às apresentações, pois nosso representante, presidente Rubens Approbato, resolveu quebrar o gelo, percebendo uma certa timidez dos participantes em serem os primeiros a apresentar seus pontos de vista. A posição da Ordem dos Advogados do Brasil já é amplamente conhecida, pois a OAB se prontificou a dialogar com o Ministério das Relações Exteriores reunindo-se com o Itamaraty em setembro de 2002, para especificamente debater se nosso ordenamento regulador da profissão impede, ou não, o acesso ao mercado brasileiro de profissionais estrangeiros nos termos do GATS.

Antes de qualquer coisa, é interessante notar que o Brasil saiu na frente de tantos países a respeito da regulamentação do exercício das atividades do consultor estrangeiro. Já no início de 2000, com o Provimento nº 91, a OAB inovou permitindo ao estrangeiro praticar o Direito de seu país de origem após registro como consultor estrangeiro nos termos da citada regra. Anteriormente, a lei brasileira há muito já previa que o estrangeiro graduado fora do País poderia inscrever-se nos quadros da Ordem, após a revalidação de seu diploma. Agora, entretanto, o estrangeiro, que foi regularmente admitido em seu país, pode trabalhar no Brasil, desde que não exerça a advocacia nos casos de (a) consultoria ou assessoria em Direito brasileiro; e (b) exercício do procuratório judicial, atividades estas às quais poderá o mesmo estrangeiro se dedicar, se seguir as mesmas regras impostas aos brasileiros advogados (ou seja, aprender Direito pátrio como se exige de qualquer cidadão).

Os Estados Unidos, acusados de terem pressionado para que serviços fossem incluídos já na Rodada do Uruguai do GATT, tiveram de confessar suas próprias dificuldades domésticas de chegar a um consenso interno quanto aos serviços jurídicos. De fato, apenas 24 Estados possuem legislação permitindo o exercício, em seu solo, de Direito alienígena pelos chamados consultores legais estrangeiros (a cuja classe pertenço). A poderosa American Bar Association (a “ABA”) já em 1993 havia recomendado a todos os Estados que adotassem sua regra modelo, que por sua vez é uma boa cópia da legislação sobre o assunto criada pelo pioneiro Estado de Nova York há mais de 28 anos. Mesmo regulamentada a presença do estrangeiro em menos da metade do solo americano, na maioria dos Estados as exigências são muito mais contundentes do que as do Brasil. Ilustrando, quase todos exigem experiência de pelo menos 5 anos no país de origem e/ou idade mínima de 26 anos. Tudo isso sem contar que a maioria destes Estados exige ainda a reciprocidade do país de origem do consultor estrangeiro.

A Inglaterra não surpreendeu com seu discurso hiper liberalista. Naquele país (mas não em todo o Reino Unido), basta haver um cliente necessitado para que qualquer pessoa se autoconverta em consultor jurídico. E este continua sendo seu discurso.

Surpreendeu, sim, um país como a Romênia, emergente importante do leste europeu que, através dos anos, resistiu ao poderio dos causídicos norte-americanos para praticamente agora adotar uma abertura completa, isto é, se o advogado falar romeno ele poderá praticar até o próprio Direito romeno.

Já o Japão, que sofre tantas pressões dos colegas americanos e ingleses, há muito vem permitindo a associação de bancas estrangeiras com bancas japonesas, cuidadosamente estruturadas para prestar consultoria em Direito japonês, não podendo, contudo, o consultor estrangeiro trabalhar com assuntos puramente domésticos. Para 2004, pretende-se liberalizar um pouco mais o sistema, mas nada da liberalização total defendida pelos revolucionários.

Nosso irmão Portugal abre as portas para qualquer advogado que venha da União Européia, conquanto que ele se registre como consultor estrangeiro. Se for de outra jurisdição, somente poderá se registrar se houver reciprocidade com seu país de origem. Entretanto, quem quiser ser advogado terá de fazer um exame específico, exceção feita fraternalmente a nós brasileiros.

E daí afora, vale de tudo nas regras sobre o exercício da advocacia no universo dos países que fazem parte da OMC e estarão apresentando e negociando suas posições a partir de março deste ano.

Não me pareceu, todavia, exceto pelos ingleses, que ninguém tenha qualquer intenção de rasgar seu mercado local, tornando o advogar uma verdadeira mercancia. Todos foram muito cautelosos: há consenso de que a advocacia tem função nobre não se caracterizando como qualquer mero serviço. Nossa profissão tem caráter público, indispensável à administração da Justiça e com grande impacto na sociedade.

Relembrando o que disse Rui Barbosa em sua famosa “Oração aos Moços”, de que “não devemos fazer da banca balcão, ou da ciência mercatura”, defendo pessoalmente a abertura ao consultor estrangeiro moderada e com critérios, e sempre na prática do Direito de seu próprio país, independentemente de reciprocidade. Outra não poderia ser minha posição, afinal de contas a mim foram abertas as portas da Big Apple como consultora estrangeira 12 anos atrás muito antes de esse debate virar moda.

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* Isabel C. Franco acompanhou o presidente da OAB, Rubens Approbato Machado, nas reuniões citadas no artigo. A autora é sócia do escritório Demarest e Almeida Advogados, tendo sido responsável pela unidade de Nova York pelos últimos doze anos, onde residiu permanentemente, ocupando, entre outros, o cargo de presidente da Divisão de Direito Internacional da Ordem dos Advogados do Estado de Nova York. Isabel Franco é membro da Comissão de Relações Internacionais da OAB, do Conselho da American Bar Association (Presidente da Divisão de Direito Comparado) e do Comitê de Legislação da Amcham.

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Atualizado em: 1/4/2003 11:49

Isabel C. Franco

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