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O Código de Processo Civil de 2015 na parte onde disciplina os recursos perante os tribunais, traz normas gerais e normas específicas.
Aquelas aptas a tutelar, genericamente, o processamento recursal sem distinção alguma, e outras que fazem menção a tramitação em tribunais específicos, como aquelas que especificam o processamento e julgamento dos recursos especiais e extraordinários.
A par disso, recentemente me surgiu questionamento que não possui uma resposta ou posição uníssona e pacífica na doutrina e jurisprudência.
Os dizeres do artigo 933, do CPC, se aplicam apenas aos tribunais estaduais e regionais federais ou também aos tribunais superiores?
É cediço que a tramitação recursal perante os tribunais superiores tem certas particularidades, em razão da própria competência constitucional a eles atribuída.
Não são tribunais meramente revisores da justiça da decisão recorrida pelo viés fático-probatório.
As Cortes de Vértice, nasceram com a missão de uniformizar, padronizar, direcionar e trazer segurança a aplicação do direito constitucional e infraconstitucional aos casos concretos.
Ou seja, não são responsáveis pela reanálise da demanda pelo viés fático, mas pelo jurídico.
Pois bem. Não há um debate mais robusto no mundo jurídico acerca da aplicabilidade do artigo 933, do CPC, aos tribunais superiores, talvez pela posição topológica em que alocado, na parte geral dos recursos, não havendo interesse da doutrina e da jurisprudência com o tema.
Determinada questão de fato superveniente a decisão recorrida ou matéria apreciável de ofício ainda não examinada podem, livres de dúvidas, serem examinadas pelos tribunais de origem.
Esses podem reanalisar toda a matéria devolvida pelos recursos, além de conhecer de questões, somente quando ainda não apreciadas, de ordem pública em razão do efeito translativo característico dos recursos ordinários, em que pese a lei processual ter atribuído claramente a incidência dos efeitos devolutivo e translativo aos recursos excepcionais.
Corroborando doutrina de qualidade, os dizeres do artigo em estudo podem e devem ser aplicados aos processos em trâmite, também, nos tribunais superiores.1
Não é o que entende o Superior Tribunal de Justiça. Citando o tema 995, com tese firmada pelo rito dos recursos especiais repetitivos, há precedente que impede a aplicação do artigo perante os tribunais superiores, autorizando a sua incidência apenas até o exaurimento da competência do tribunal de segundo grau.2
Em que pese ser uma Corte de reconhecida capacidade e qualidade jurídica, não parece ser o entendimento mais adequado, principalmente em razão de o precedente citado, além de não explicar a razão da inaplicabilidade do preceito, faz menção ao tema 995, o qual não se amolda faticamente a questão relativa da aplicabilidade ou não perante os tribunais superiores.
Perdeu-se a oportunidade de esclarecer as razões de decidir perante a comunidade jurídica, pondo fim a eventual dissenso.
Quando emerge uma questão superveniente a sentença, a sua análise pelo tribunal se revela fundamental podendo consubstanciar em um desfecho totalmente diferente para a demanda, sendo, talvez, hipótese infringente de um julgamento, o que vem a valorizar o preceito em estudo.
O que impediria a análise de uma questão superveniente a um determinado acórdão, perante o STJ, por exemplo?
Poderia se sustentar a natureza constitucional diferenciada daqueles tribunais, ou questões como ausência de prequestionamento em matéria nova, sendo necessário o requisito da causa decidida3.
Porém, o tribunal superior poderia ordenar o retorno dos autos para o tribunal de origem com o objetivo de analisar a questão, interpretando a lei de maneira sistemática e teleológica.
Não é adequado simplesmente não permitir o procedimento calcado pelo dispositivo, sem sequer explicar as razões ou dar uma solução mais plausível ao tema, até porque, pela simples leitura, o dispositivo não faz distinção de qualquer tribunal, sendo uma diretriz geral na esfera recursal.
Além disso, quanto a segunda parte do dispositivo, a existência de questão apreciável de ofício e ainda não analisada, há a clara incidência do efeito translativo dos recursos.
Como dito, os tribunais superiores não são meros revisores da justiça de determinada decisão.
Mais que isso, superando a mera cassação para retorno do processo ao tribunal de origem, aqueles rejulgam a causa, aplicando o melhor direito.
O efeito substitutivo alcança os julgados referentes a recursos especiais e extraordinários, devendo os respectivos tribunais julgarem a demanda e não rescindir acórdãos proferidos por tribunais de segundo grau.4
Em razão disso, todas as matérias, desde que debatidas nos autos, retornam ao conhecimento da corte, incluindo-se as questões de ordem pública ainda não decididas, livres de preclusão, pois nesse caso se opera o efeito translativo dos recursos.
Os tribunais superiores, especialmente o STJ, estão totalmente aptos a receberem a incidência do artigo 933 do CPC.
O que traria benefícios ao jurisdicionado, e, apesar de suas competências constitucionais específicas, as cortes de vértice poderiam regulamentar a aplicação, e não apenas negar vigência naquele nível judiciário sem fundamentar as razões.
Ao revés, a doutrina acima citada defende ampla e irrestrita aplicabilidade do preceito.
Notadamente, pelo fato de o parágrafo único do artigo 1.034, do CPC, dizer que admitido o recurso especial ou o recurso extraordinário, devolve-se ao tribunal toda a matéria impugnada, sendo permitido o rejulgamento da causa por outro fundamento relativo ao capítulo impugnado.
Por fim, entende-se que as disposições do artigo 933 devem ser aplicados aos tribunais superiores, em razão de os efeitos devolutivo e translativo integrarem os recursos excepcionais, além do dispositivo não distinguir recursos e tribunais, sendo uma determinação geral.
Além disso, os precedentes que não autorizam a aplicação do dispositivo nas cortes superiores sequer explicam as razões da proibição, além de mencionarem tese que sequer se amolda concretamente ao caso em estudo.
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1 TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, MARIA LÚCIA LINS CONCEIÇÃO, LEONARDO FERRES DA SILVA RIBEIRO e ROGERIO LICASTRO TORRES DE MELLO, Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, RT, 2015, p. 1330.
2 AgInt no AREsp 1280125 / SP
3 CASSIO SCARPINELLA BUENO, Novo Código de Processo Civil Anotado, Saraiva, 2015, p. 672.
4 CASSIO SCARPINELLA BUENO, Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, Vol. 2, 8ª ed., Saraiva, p. 725.
Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira
Advogado e especialista em direito processual civil.