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Um projeto de lei quer atualizar o CDC com relação à responsabilidade das empresas pelo desvio produtivo do consumidor. O texto prevê, por exemplo, reparação em razão do tempo perdido. A proposta (PL 2.856/22) é do senador Fabiano Contarato, e foi protocolada no último dia 23.
Projeto de lei quer indenizar perda de tempo do consumidor.(Imagem: Freepik)
O projeto foi proposto a partir de minuta sugerida por um grupo de juristas especializados no tema, composto pelos professores Fernando Antônio de Lima, Laís Bergstein, Maria Aparecida Dutra Bastos, Maurilio Casas Maia, Miguel Barreto e Vitor Guglinski, sob coordenação do advogado e professor Marcos Dessaune, autor da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, que dá base à nova proposta legislativa. O tema já foi reconhecido também pelo STJ.
De acordo com Dessaune, “o ponto central do novo projeto de lei é o reconhecimento do tempo como um bem jurídico essencial para o desenvolvimento das atividades existenciais do consumidor, sendo-lhe, portanto, assegurado o direito à reparação integral dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes da sua lesão”.
- Confira a íntegra: PL 2.856/22
Lesão ao tempo
“Simples e objetivo”, conforme avalia Dessaune, o projeto prevê que o fornecedor de produtos ou serviços deverá empregar todos os meios e esforços para prevenir e evitar lesão ao tempo do consumidor, sendo consideradas práticas abusivas as condutas do fornecedor que impliquem perda indevida do tempo do consumidor.
A proposta legislativa considera expressamente abusiva a incômoda prática de certos fornecedores – que se tornou frequente no Brasil – de “disparar, reiterada ou excessivamente, mensagens eletrônicas, robochamadas ou ligações telefônicas pessoais para o consumidor sem o seu consentimento prévio e expresso, ou após externado o seu incômodo ou recusa”.
O projeto também estabelece cinco circunstâncias que deverão ser consideradas na apuração dos danos decorrentes da lesão ao tempo do consumidor:
1) o descumprimento, pelo fornecedor, do tempo máximo para atendimento presencial e virtual ao consumidor;
2) o descumprimento, pelo fornecedor, do prazo legal ou contratual para sanar o vício do produto ou serviço, bem como para responder a demanda do consumidor;
3) a inobservância, pelo fornecedor, de prazo compatível com a essencialidade, a utilidade ou a característica do produto ou do serviço, quando não existir prazo legal ou contratual para o fornecedor resolver o problema de consumo ou responder a demanda do consumidor;
4) o tempo total durante o qual o consumidor ficou privado do uso ou consumo do produto ou serviço com vício ou defeito e
5) o tempo total gasto pelo consumidor na resolução da sua demanda administrativa, judicial ou apresentada diretamente ao fornecedor.
Danos extrapatrimoniais e morais
Além disso, Dessaune esclarece que, diante da “tradicional confusão” entre danos extrapatrimoniais e morais existente em uma parte da doutrina brasileira e da jurisprudência nacional que traz condenações em quantias irrisórias a título de “danos morais”, o PL prevê que “a reparação do dano extrapatrimonial, decorrente da lesão ao tempo do consumidor, deverá ser quantificada de modo a atender às funções compensatória, preventiva e punitiva da responsabilidade civil”.
O PL ainda estipula que tal reparação deverá ser majorada quando a situação envolver: 1) produto ou serviço essencial; 2) consumidor hipervulnerável; 3) fornecedor de grande porte e/ou 4) demandas repetitivas contra o mesmo fornecedor ou sua figuração reiterada em cadastro de reclamações fundamentadas mantido pelos órgãos públicos de defesa do consumidor.
Bem jurídico essencial
Contarato explica que, na atualidade, o dano moral em sentido amplo, enquanto gênero que corresponde ao dano extrapatrimonial, conceitua-se como o prejuízo não econômico que decorre da lesão a qualquer bem extrapatrimonial juridicamente tutelado, aí se inserindo o “tempo de vida” do consumidor.
Mas o próprio senador já ressalva que a realidade judicial revela uma grande dificuldade no reconhecimento de novas categorias de danos extrapatrimoniais para além da esfera anímica da pessoa, o que tem levado à manutenção de uma jurisprudência anacrônica que ficou conhecida no país como a do “mero aborrecimento”.
Diante desse quadro, Contarato afirma que há a crescente necessidade do reconhecimento legal de que o tempo do consumidor é um bem jurídico essencial na sociedade contemporânea como meio para se pôr fim a tal noção já superada do dano moral, que nega o direito básico do consumidor à efetiva prevenção e reparação integral dos danos.
Em outras palavras, o senador esclarece que, diante da jurisprudência anacrônica, mas persistente, baseada na tese do “mero aborrecimento”, a positivação de que o tempo do consumidor é um bem jurídico mostra-se cada dia mais necessária para se conferir efetividade ao princípio da reparação integral, bem como para alcançar maior segurança jurídica na defesa do vulnerável no Brasil.
O senador finaliza justificando que, “nesse contexto, a proposição tem como finalidade positivar a já reconhecida e solidificada Teoria do Desvio Produtivo que vem sendo aplicada tanto pelos Tribunais Superiores como pelos demais Tribunais Estaduais, garantindo segurança jurídica e o reconhecimento do tempo como direito fundamental”.