Provas no celular sem autorização e a validade da fonte de prova   Migalhas
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Provas no celular sem autorização e a validade da fonte de prova – Migalhas

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Está consagrado, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o entendimento que os dados armazenados nos aparelhos celulares oriundos de envio ou recebimento de mensagens dizem respeito à intimidade e à vida privada do cidadão, sendo, portanto, invioláveis, nos termos do art. 5°, X, da Constituição Federal:

“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”

O art. 5°, XII, da Constituição Federal dispõe que as mensagens e os dados das comunicações telefônicas só podem ser violados por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal:

“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”

Nesse contexto, as mensagens de WhatsApp são conceitualmente conhecidas como dados telemáticos que, nos termos do art. 1º, parágrafo único, da lei 9.296/96 gozam de proteção constitucional e infraconstitucional, isto é, a violação a essas informações pessoais dependerá de prévia ordem do juízo criminal:

“Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.”

Portanto, quando a obtenção da prova oriunda de mensagens existentes no aparelho celular é feita diretamente pelos órgãos de persecução criminal, sem autorização judicial, há violação às normas legais acima transcritas, o que poderá acarretar nulidade da prova obtida por esse meio.

Em resumo, de acordo com a jurisprudência do STJ, será lícita a investigação apoiada na obtenção de mensagens armazenadas em aparelho celular, quando houver decisão pretérita proferida por juízo criminal competente, ou na hipótese de o próprio investigado franquear livre acesso ao conteúdo existente em seu aparelho celular:

“Os dados constantes de aparelho celular obtidos por órgão investigativo – mensagens e conversas por meio de programas ou aplicativos (WhatsApp) – somente são admitidos como prova lícita no processo penal quando há precedente mandado de busca e apreensão expedido por juiz competente ou quando há autorização voluntária de interlocutor da conversa.

(AgRg no HC 646.771/PR, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 10/8/2021, DJe de 13/8/21.)”

No julgamento do RHC 108.262/MS, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 5/9/19, DJe de 9/12/19, cuja tese da defesa vindicava a aplicação da nulidade originária e derivada da prova obtida através da violação de mensagens em aparelho celular, por maioria, a Turma julgadora entendeu que quando a materialidade delitiva está incorporada na própria coisa – divulgação de fotografia pornográfica envolvendo adolescente -, a apreensão do aparelho celular do investigado independe de autorização judicial prévia

“Pois bem. Conforme consta dos autos, a vexata quaestio cinge-se a saber se a autorização judicial para a apreensão de elementos de prova é imprescindível em qualquer hipótese ou se haveria alguma situação em que tal expediente seria despiciendo, v. g., em razão de o aparelho celular constituir o próprio corpo de delito, como no caso vertente, em que o recorrente foi denunciado por divulgar, por meio do aplicativo Whatsapp, fotografia pornográfica envolvendo uma adolescente (e-STJ fl. 22).

Com efeito, nas hipóteses em que os meios de prova são obtidos por meio dos elementos encontrados em algum objeto pessoal, v. g., o aparelho celular, como in casu, a reserva de jurisdição é medida que se faz premente. Ao revés, nos casos em que a materialidade delitiva está incorporada na própria coisa, aqui a autorização judicial já se mostra prescindível, como é o caso do delito inserto no art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente.”

Em outro julgado, também da Sexta Turma, a eminente Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, com precisão, declarou que a contaminação da prova colhida através do acesso indevido ao aparelho celular do investigado não teria o condão de contaminar toda a instrução probatória:

 “O prévio trabalho investigativo das autoridades policiais, que culminou com a identificação do fato e de seus autores, bem assim como o indiciamento do recorrente, não resta contaminado pelo posterior acesso não autorizado aos dados do aparelho celular, bastando o desentranhamento dos autos dos documentos extraídos do aparelho celular e a supressão do parágrafo final dos depoimentos policiais, que fizeram referência ao conteúdo das conversas via whatsapp.

(RHC 76.324/DF, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 14/2/17, DJe de 22/2/17.)”

A interpretação conduzida pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura foi reverberada no julgamento do RHC n. 89.385/SP, onde foi possível constatar que a utilização de fonte probatória independente não tem o condão de invalidar todo o conjunto fático e probatório:

“Não é possível declarar a ilicitude de todo o conjunto probatório produzido a partir da juntada do laudo pericial. Apenas são inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo se não ficar evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou se as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras (art. 157, § 1º, do CPP).

(RHC n. 89.385/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 16/8/18, DJe de 28/8/18.)”

Aliás, quando os órgãos de persecução criminal conseguem comprovar que a ilicitude originária decorrente da obtenção indevida de mensagens existentes no aparelho celular do investigado não teve relação com a acusação, não será possível declarar ilícita toda a prova colhida na instrução processual. No julgamento do AgRg no REsp 1.768.954/CE, a droga apreendida no interior de um veículo foi suficiente para fundamentar a condenação:

“[…] o reconhecimento da ilicitude da visualização de conversas de WhatsApp, sem prévia autorização judicial, não impede a manutenção da condenação quando se verifica que as instâncias ordinárias encontraram outros elementos que comprovam a materialidade e autoria do crime, sem qualquer indicação de terem as autoridades chegado a eles como decorrência da prova reconhecida como ilícita (AgRg no HC 694.410/RS, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 10/5/22). No caso concreto, independentemente das provas colhidas nos aparelhos celulares, a droga apreendida no interior do carro (49,850 kg de maconha – fl. 209) é suficiente a justificar o édito condenatório.

(AgRg no REsp 1.768.954/CE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 27/9/22, DJe de 30/9/22.)”

Importante destacar que a proteção constitucional à intimidade e à vida privada existentes em mensagens armazenadas no aparelho celular não se estende às informações constantes da agenda telefônica do aparelho celular, uma vez que, na interpretação dada no julgamento do REsp 1.782.386/RJ, a agenda telefônica é apenas uma ferramenta oferecida pelos aparelhos de celular modernos:

“No caso, como autorizado pelo Código de Processo Penal – CPP foi apreendido o telefone celular de um acusado e analisados os dados constantes da sua agenda telefônica, a qual não tem a garantia de proteção do sigilo telefônico ou de dados telemáticos, pois a agenda é uma das facilidades oferecidas pelos modernos aparelhos de smartphones a seus usuários.

Assim, deve ser reconhecida como válida a prova produzida com o acesso à agenda telefônica do recorrido, com o restabelecimento da sentença condenatória, determinando-se que a Corte a quo continue a apreciar a apelação.

(REsp 1.782.386/RJ, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, 5ª turma, julgado em 15/12/20, DJe de 18/12/20)”

Desse modo, conquanto esteja consagrado o entendimento que os dados armazenados nos aparelhos celulares oriundos de envio ou recebimento de mensagens dizem respeito à intimidade e à vida privada do cidadão, quando a acusação é fundamentada em provas que não foram produzidas através de violações constitucionais – as fontes independentes – não há justa causa para que todo o acervo probatório seja invalidado.

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro

Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

Araújo Pinheiro Advocacia Araújo Pinheiro Advocacia

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