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Tema que tem gerado bastante controvérsia nos últimos dias é o debate sobre o que restou decidido na ADIn 5.923/DF¹, em que o STF considerou inconstitucional, por violar os princípios do juiz natural, da razoabilidade e da proporcionalidade, o inciso VIII do art. 114 do CPC, que estabelece que o magistrado está impedido de atuar nos processos em que a parte seja cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, ainda que essa mesma parte seja representada por advogado de escritório diverso.
Essa decisão provocou bastante oposição porque ficou subentendido que o STF deu “permissão” para que os juízes julguem processos em que seus parentes sejam advogados.
Ocorre que não é bem assim e eu vou mostrar para vocês!
Primeiramente, concordo que a decisão ao invés de apaziguar o impasse, o alvoraçou. E, além disso, abriu uma brecha enorme para atitudes aéticas, já que, na prática, todos sabemos como funciona o dia a dia forense (Alô, tio! Foi distribuído um processo do nosso escritório. Não esquece de dar aquele apoiozinho para nós, hein? Beijos!)
De toda sorte, objetivamente falando, vamos entender o que ficou decidido na ADI 5.923/DF. Nessa ação direta de inconstitucionalidade, o STF, em nenhum momento afirmou que os juízes podem julgar processos em que os advogados sejam seus parentes. Em casos assim, por disposição expressa (art. 144, III, do CPC), os juízes são impedidos de julgar. Essa regra não mudou!
O objeto da decisão recai sobre o inciso VIII daquele mesmo artigo 144 do CPC, que dizia que o juiz era impedido de julgar processo se a parte fosse cliente de escritório de advocacia do qual fosse integrante qualquer parente seu, ainda que seu parente não estivesse atuando como advogado do processo.
Em outras palavras, esse dispositivo exigia que os juízes conhecessem integralmente a banca de clientes de todos os escritórios de advocacia, tratando-se, na prática, de uma regra de impossível aplicação e de certa forma, bem desproporcional.
Desta feita, prevaleceu o entendimento exarado pelo Min. Gilmar Mendes que entendia que essa regra tinha a aplicação prática muito complexa, porque o juiz não é obrigado a saber (e, segundo ele, nem tem como saber muitas vezes) quais são os clientes do escritório que atua seu parente.
Logo, segundo a regra declarada inconstitucional, o magistrado seria obrigado a conhecer todos os clientes das bancas integradas por seus parentes e se declarar impedido em quaisquer causas em que eles constem como parte – não em relação ao parente, nem à pessoa ou empresa defendida pelo parente, mas qualquer cliente do escritório de advocacia em que o parente trabalha.
Por exemplo, se o marido de uma juíza atua no escritório XYZ, e este atende a empresa ALFA em casos societários, a magistrada não poderá julgar nem mesmo uma ação trabalhista movida contra tal companhia por um advogado de outro estado. Assim, no nosso exemplo, o impedimento se projetaria para qualquer processo em que a empresa ALFA – atendida pelo marido da juíza – tenha interesse.
As críticas se voltam justamente para o dia a dia forense. Quem já trabalhou em escritório grande afirma que a decisão justifica o injustificável, já que na prática, a contratação de determinado escritório muitas vezes é justamente influenciada por conter em seu quadro societário parente de algum juiz, ainda que ele não atue diretamente no seu caso.
Assim, em tese, é só o outro advogado (a) (que atua no mesmo escritório em que o parente do juiz trabalha) assinar a peça para que não ocorra o impedimento.
Percebe-se, como dito acima, que a decisão ao invés de iluminar o caminho, trouxe ainda mais escuridão e inconformismo de quem vê na prática, uma forma de tutelar uma advocacia judicial.
Resta torcer que, agora que essa regra de impedimento foi derrubada e, em tese, abriu-se brecha para casos amorais, o magistrado tenha a consciência de que em determinados casos é melhor declarar-se impossibilitado de atuar no feito, lembrando do seu elevado papel constitucional de dizer o direito de forma ética e imparcial.
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1 https://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo1104.htm#C%C3%B3digo
Alcilei da Silva Ramos
Analista Jurídica da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina – Advogada graduada em Direito pela Universidade Luterana do Brasil de Porto Velho – ILES ULBRA – Pós-Graduada em Direito Civil;