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O sistema judiciário é uma peça-chave em qualquer sociedade democrática, atuando como guardião dos direitos e mediador de conflitos. No entanto, o excesso de judicialização representa uma carga pesada, tanto financeira quanto socialmente. Em um relatório publicado em 28/8/23 pelo CNJ, ficou evidenciado que o cenário atual está longe de ser ideal. Este artigo visa abordar os números, a essencialidade da Justiça e as consequências desse fenômeno para a sociedade brasileira.
A dimensão do problema torna-se ainda mais palpável quando olhamos para as estatísticas. Em 2021, o custo do Poder Judiciário foi de R$ 103,9 bilhões, equivalente a R$ 489,91 por habitante. Nesse mesmo ano, estavam em tramitação 77,3 milhões de processos, dos quais 27,7 milhões foram novos ingressos e 26,9 milhões foram concluídos.
O ano de 2022 mostrou um aumento preocupante nesses números. O custo subiu para R$ 116 bilhões, e o custo per capita para R$ 540,06. O volume de processos pendentes também cresceu, chegando a 81,4 milhões, com 31,5 milhões de novos casos e 30,3 milhões concluídos. O custo para cada processo baixado foi de R$ 3.828,38.
Estes números não são apenas alarmantes; eles indicam uma tendência crescente que coloca uma enorme pressão sobre o sistema judiciário e, consequentemente, sobre a sociedade.
O acesso à justiça é um direito fundamental e um pilar da democracia. O sistema judiciário deve estar acessível para que os cidadãos possam buscar a tutela de seus direitos e a resolução de conflitos. No entanto, esse ideal se encontra comprometido pelo excesso de demanda. Um fluxo de processos tão abrangente como o atual cria um paradoxo: o direito de acesso à Justiça acaba, na prática, sendo limitado pela sua própria abundância.
O cenário atual compromete o princípio da celeridade processual e sobrecarrega o atendimento àqueles verdadeiramente necessitados. Aqui, a questão não é de negar o acesso à justiça, mas de otimizar e criar alternativas para a resolução de conflitos. Isso envolve combater os chamados ‘grandes litigantes,’ que acabam abarrotando o sistema e tornando a justiça mais lenta, apesar de seu inegável vigor, como se pode constatar nos dados fornecidos pelo CNJ.
O Estado surge como um dos maiores litigantes, especialmente em questões tributárias e execuções fiscais. Essa realidade reforça a necessidade de uma reforma estrutural que envolva não apenas o Poder Público mas também entes privados. Empresas e entidades de classe possuem um papel crucial nesta equação.
Neste sentido, muitas corporações já estão investindo em maneiras de minimizar litígios, identificando as causas raiz que levam ao acionamento do judiciário. A atuação preventiva tem sido uma abordagem eficaz para reduzir o volume de casos, o que traz benefícios mútuos para as empresas e para o sistema como um todo.
Não é apenas o sistema judiciário que paga o preço da judicialização excessiva; a sociedade como um todo é afetada. O custo elevado, que chegou a R$ 116 bilhões em 2022, é distribuído entre os contribuintes, mas também recai sobre empresas e, consequentemente, sobre o preço de produtos e serviços. Além dos custos diretos com indenizações e custas processuais, há custos operacionais envolvidos na manutenção e gestão desses processos.
Essa realidade acaba por distorcer a dinâmica do mercado. Empresas podem optar por não comercializar produtos ou serviços em regiões com alta litigiosidade, prejudicando a própria sociedade local e diminuindo a competição, um dos fatores mais relevantes para a moderação de preços.
A assistência judiciária gratuita é um instrumento essencial para garantir o acesso à justiça. No entanto, quando essa assistência é concedida indiscriminadamente, transforma-se em uma espécie de ‘loteria legal’, sem riscos para parte e advogados. Esse fenômeno tem agravado ainda mais o volume de processos no judiciário.
Demandas frívolas ou predatórias, amparadas pela gratuidade, não só atolam o sistema, mas também criam um ambiente propício para práticas fraudulentas. Desde a falsificação de documentos até o ajuizamento em massa de ações sem mérito, esse tipo de abuso representa um desafio adicional para um sistema já sobrecarregado.
As empresas privadas também têm um papel a desempenhar. Elas estão começando a entender que a prevenção é uma maneira eficaz de reduzir o número de processos, e muitas têm investido em mudanças operacionais e em seus produtos para evitar litígios.
No entanto, mesmo quando as empresas ganham processos, o custo operacional de gerir estes casos é alto. Além disso, o provisionamento contábil necessário para fazer frente a essas demandas prejudica seus resultados financeiros. A identificação precoce de ‘agressores’ no sistema, advogados ou partes que abusam do sistema para fins predatórios, está se tornando uma estratégia vital para empresas.
Felizmente, diferentes setores começaram a reconhecer a gravidade da situação e a tomar medidas. A OAB está colaborando na identificação e punição de advogados envolvidos em práticas predatórias. O Poder Judiciário tem instituído células e centros de controle para monitorar e combater a judicialização excessiva. E projetos de lei em tramitação buscam acelerar o julgamento de causas repetitivas e similares, reduzindo o volume de casos no sistema.
Os esforços coordenados entre estes atores têm o potencial de fazer uma grande diferença, mas ainda há muito o que ser feito. O investimento em tecnologia, por exemplo, poderia agilizar os processos e ajudar na identificação de atores problemáticos mais rapidamente.
Não se pode ignorar o papel crucial do Poder Legislativo na resolução do problema da judicialização excessiva. Atualmente, estão em tramitação diversos projetos de lei destinados a agilizar o julgamento de causas repetitivas e similares. Apesar desses avanços, ainda há um longo caminho a ser percorrido. A atuação legislativa deve se estender para combater também a advocacia predatória e fraudulenta. Além disso, medidas devem ser tomadas para modernizar o sistema de execução, que representa um grande passivo de processos não finalizados. A incorporação de tecnologia no processo judicial, especialmente para rastrear bens ocultos de devedores, é uma iniciativa que poderia ser facilitada por nova legislação.
Conclusão
A judicialização excessiva é um problema complexo que não possui uma solução única. Ela envolve múltiplos atores, desde o cidadão comum até grandes corporações e várias esferas do governo. Entretanto, o diálogo já foi iniciado, e diversas ações estão em andamento para tentar aliviar o sistema. O importante é que todos os envolvidos reconheçam a gravidade do problema e a necessidade de soluções eficazes e colaborativas. O Judiciário, apesar de sobrecarregado, tem feito esforços notáveis para melhorar sua eficiência. Iniciativas da OAB e do Legislativo também mostram que há um interesse mútuo em resolver essa questão. A sociedade como um todo se beneficia com um sistema judicial mais ágil e eficaz, e o momento para as mudanças necessárias é agora.
Henrique José Parada Simão
Sócio do escritório Parada Advogados.