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1. Introdução
A interação entre corretores de imóveis e imobiliárias é um ponto fundamental no universo do mercado imobiliário brasileiro. Esta relação, embora comum e amplamente estabelecida, suscita questões jurídicas pertinentes sobre sua natureza, principalmente no que tange à configuração ou não de um vínculo empregatício.
O mercado imobiliário, motor significativo da economia, está repleto de dinâmicas e nuances profissionais. O corretor, como elemento central deste ecossistema, desempenha suas atividades com um grau considerável de autonomia, muitas vezes balizando sua atuação por meio de associações com imobiliárias, ao invés de contratos de trabalho tradicionais.
Nesse contexto, emerge a relevância de entender profundamente a relação jurídica estabelecida entre essas partes, a fim de garantir clareza, segurança jurídica e a correta aplicação dos direitos e deveres para ambas as partes. Este panorama nos conduz por uma análise detalhada da legislação, da prática de mercado e das recentes interpretações judiciais sobre o tema.
2. Natureza do Vínculo Jurídico: Código Civil e lei 6.530/78
No Código Civil, a figura do corretor é definida como alguém que, por sua profissão, aproxima duas partes para a conclusão de um negócio sem ter vínculos de colaboração ou dependência com elas. Esta descrição enfatiza a independência do corretor, não insinuando qualquer relação de subordinação.
Por sua vez, a lei 6.530/78, criada para regulamentar a profissão de corretor de imóveis e as empresas de intermediação imobiliária, não indica uma relação empregatícia entre o corretor e a imobiliária. A exigência de inscrição do corretor no respectivo Conselho Regional (CRECI) e a definição de um código de ética reforçam sua autonomia e especialidade.
Portanto, tanto o Código Civil quanto a lei 6.530/78 apontam para uma relação associativa entre corretor e imobiliária, em vez de uma relação empregatícia. A imobiliária não exerce um poder direto sobre as atividades do corretor, que mantém sua independência profissional. A relação é marcada por parceria e colaboração mútua, onde a expertise do corretor é respeitada e valorizada.
3. Requisitos para a Configuração do Vínculo Trabalhista
Para que se estabeleça um vínculo empregatício no Brasil, determinados requisitos devem ser cumpridos, conforme a legislação trabalhista. Esses critérios servem como balizadores para a definição de uma relação de trabalho subordinado, contrastando com relações de trabalho autônomas ou associativas.
Em primeiro lugar, temos a pessoalidade, que significa que o serviço prestado ao empregador deve ser realizado pela mesma pessoa, sem possibilidade de substituição. Em outras palavras, o trabalho deve ser pessoal e intransferível.
O segundo critério é a onerosidade, que se refere à contraprestação recebida pelo trabalho prestado. Isso implica que deve haver uma remuneração em troca dos serviços realizados, seja ela salário, comissão ou outra forma de pagamento.
O critério da habitualidade diz respeito à regularidade com que o serviço é prestado. Não se trata necessariamente de uma frequência diária, mas a prestação de serviços não pode ser esporádica ou eventual. Deve existir uma continuidade no trabalho.
Por fim, temos a subordinação, que é, talvez, o critério mais distintivo de um vínculo empregatício. A subordinação ocorre quando o trabalhador está sujeito às ordens, diretrizes e ao controle do empregador quanto à forma como realiza suas atividades. Nesse cenário, o empregado não possui autonomia total sobre como e quando realizar suas tarefas, estando sujeito à direção da empresa ou do empregador.
Estes quatro critérios, quando presentes em uma relação de trabalho, configuram um vínculo empregatício tradicional. A ausência de um ou mais desses requisitos pode indicar outra natureza de relação, como a de um trabalhador autônomo, que atua com independência e sem subordinação direta. Dessa forma, a análise desses requisitos é fundamental para determinar a real natureza da relação entre as partes e assegurar os direitos e deveres de cada um.
4. Autonomia do Corretor e Desconfiguração do Contrato de Trabalho
A autonomia do corretor de imóveis é um elemento essencial para entender a natureza de sua relação com as imobiliárias. Essa autonomia refere-se à capacidade do corretor de gerir sua própria rotina, definindo horários, métodos de trabalho e até mesmo os imóveis que deseja ofertar ou as estratégias de venda que prefere adotar.
Ao contrário de um empregado tradicional, o corretor não se encontra sob a constante supervisão ou direção de um superior, nem é frequentemente direcionado em suas atividades diárias.
O conceito de autonomia é central para desconfigurar a relação como um contrato de trabalho tradicional. Como já mencionado, um dos pilares do vínculo empregatício é a subordinação. Quando um profissional executa suas funções sob comando, direção e no interesse de outra parte, ele é, em geral, considerado um empregado. No entanto, o corretor, mesmo associado a uma imobiliária, mantém controle sobre suas atividades, tomando decisões estratégicas e operacionais de forma independente.
Isso não significa que não existam padrões ou normas a serem seguidos. Muitas imobiliárias possuem diretrizes, códigos de conduta ou padrões de serviço, mas a relação com o corretor não é de comando direto sobre sua rotina ou métodos. A relação entre a imobiliária e o corretor é, frequentemente, mais uma parceria do que uma subordinação.
Além disso, vale ressaltar que muitos corretores trabalham com várias imobiliárias simultaneamente ou mantêm sua própria carteira de clientes, o que reforça ainda mais sua posição autônoma. Assim, a ausência de subordinação direta, somada à autonomia característica da profissão, desconfigura a relação como um contrato de trabalho padrão, situando-a mais próxima de uma associação ou parceria comercial.
5. Entendimento Consolidado do STF
Por esses fundamentos acima destrinchados, a 1ª Turma do STF, seguindo o voto do Ministro Alexandre de Moraes na reclamação trabalhista 0001024-64.2015.5.02.0064, entendeu pela inexistência de relação empregatícia entre o corretor e a Incorporadora Eztec.
No voto, o Ministro reforçou que a Corte tem entendimento sedimentado sobre a existência e constitucionalidade de outras formas de trabalho não previstas na legislação trabalhista, frisando que a relação entre o corretor e a imobiliária ou incorporadora é de natureza associativa.
A decisão é um marco importante para o setor que, fosse em sentido contrário, geraria uma grande insegurança jurídica para o Mercado Imobiliário o que, certamente, também impactaria negativamente o corretor de imóveis.
6. Conclusão e Recomendação Prática
A análise da relação entre corretores de imóveis e imobiliárias demonstra que esta dinâmica se afasta das características tradicionais de um vínculo empregatício, dada a autonomia intrínseca à profissão do corretor.
Este profissional, mesmo quando associado a uma imobiliária, mantém o controle sobre sua rotina, toma decisões estratégicas de maneira independente e, muitas vezes, colabora com múltiplas entidades ou mantém sua própria carteira de clientes. A essência dessa relação está mais alinhada com uma parceria comercial do que com a subordinação típica de uma relação de emprego.
Contudo, é vital reconhecer que o ambiente jurídico está sempre em evolução. Decisões judiciais podem variar de acordo com as circunstâncias específicas de cada caso e com a interpretação das leis vigentes. Para assegurar a clareza da relação e proteger ambas as partes de possíveis disputas judiciais, surge a recomendação prática: é imperativo que imobiliárias e corretores formalizem suas relações por meio de um contrato de associação bem redigido.
Este contrato deve detalhar a natureza da relação, especificar as responsabilidades e direitos de cada parte e esclarecer qualquer ambiguidade quanto à remuneração, divisão de comissões e outros aspectos relevantes.
Ao adotar essa prática proativa, imobiliárias e corretores reforçam a natureza associativa de sua parceria e minimizam riscos futuros, garantindo um ambiente de trabalho harmonioso e uma colaboração benéfica para ambas as partes.
Amadeu Mendonça
Advogado Imobiliário com ênfase em soluções jurídicas para proteção do patrimônio e negócios imobiliários. Sócio fundador do Tizei Mendonça Advogados. Pós-graduado em Direito pela UFPE e pelo ILMM.