CompartilharComentarSiga-nos no A A
Desde que anunciou a não emissão das passagens dos pacotes promocionais e a suspensão de outras atividades, a empresa 123 milhas vem ganhando destaque midiático. Havia receio, por parte dos consumidores, de que essas condutas antecipem um cenário de crise maior da empresa, o qual terminou por se confirmar com o pedido de recuperação judicial, publicizado ao longo da semana, em que a empresa denunciou conjuntura econômica deficitária com importante passivo e necessidade de renegociação das suas obrigações.
Acontece que muitos consumidores acionaram o Poder Judiciário com o objetivo de que a empresa cumprisse as obrigações firmadas, apontando, dentre outras razões, violação aos direitos dos consumidores com o cancelamento unilateral de passagens. O caso atirou atenção igualmente de órgãos de defesa dos consumidores, como demonstra a investigação anunciada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, por exemplo.
Nesse cenário, questiona-se quais os impactos do processamento da recuperação judicial para os processos em curso, bem como para aqueles consumidores que pretendem processar a companhia para fazer prevalecer o direito de terem as passagens emitidas.
Em termos genéricos, a recuperação judicial é regrada pela lei 11.101/05, e desenvolve-se tipicamente em três fases. A primeira, denominada de fase postulatória, consiste no ingresso no judiciário com ação, a qual será terá seu processamento deferido ou não pelo juiz (adianta-se que foi, precisamente essa a medida da 123 Milhas). Uma vez deferido o processamento, inicia-se a segunda fase deliberativa, em que se vota o plano de recuperação da empresa, com novação das obrigações da empresa, e, finalmente, a terceira fase, consistente na execução do plano de recuperação judicial anteriormente aprovado pelos credores da empresa. Cada fase da recuperação judicial comporta efeitos diversos entre si.
Voltando especificamente a respeito da 123 milhas, a empresa tão somente ingressou com pedido de recuperação, que deverá ser apreciado pelo juízo. Uma vez deferido o processamento da ação, o art. 6 º de mencionada lei prevê uma série de consequências jurídicas, confira-se:
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:
I – suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei
II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;
III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.
Para além do pedido de recuperação judicial, a empresa 123milhas fez pedido liminar, para que o juízo conceda, no início do processo, medida para antecipação do denominado “stay period”, termo utilizado para designar como período de suspensão das execuções em curso em face da empresa em recuperação. Esse prazo tem por objetivo permitir que empresa saia do estado da degola, e tenha tempo (de 180 dias prorrogados por igual período uma única vez) para reorganização da companhia, evitando estado de falência. Nesse sentido, a empresa não pode sofrer constrição patrimonial, permitindo um fôlego para reorganização das operações.
Na pendência de apreciação do pedido liminar, não há óbice para que consumidores provoquem o Judiciário para determinar que a empresa cumpra os termos avençados em seus pacotes promocionais. É importante notar que, ainda que eventualmente deferido o pedido de antecipação do “stay period”, consumidores e credores da empresa podem ajuizar demandas indenizatórias, cujos processos seguirão normalmente. Isto é, processos que visem o reconhecimento de um dano não são obstados com o deferimento da suspensão à empresa em recuperação. Para além disso, a própria lei excepciona ações que tenham por objeto compelir a empresa a tomar determinada conduta (obrigação de fazer), tal qual seria hipótese de eventual ação que busque obrigar a empresa a emitir passagem, por exemplo. É apenas na hipótese de demanda executiva e medidas constritivas patrimoniais que a lei prevê suspensão por prazo determinado.
Em conclusão, estando em pendência de decisão o pedido liminar efetuado, bem como não havendo deferimento do processamento da recuperação judicial, não há impedimento para que consumidores e demais credores ajuízem ações a fim de fazer valer as obrigações firmadas com ela. Ainda que na eventualidade do deferimento, tampouco há impedimento de processamento de demandas que visem a reconhecer danos provocados pelo inadimplemento da empresa.
Diante da situação, a recomendação é que o consumidor que se sentir lesado ingresse com ação judicial para reparação dos devidos danos, afinal, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor poderá alternativamente e à sua livre escolha exigir o cumprimento forçado da obrigação (a emissão de passagens, por exemplo), aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente ou, até mesmo, rescindir o contrato com a devolução dos valores já pagos.
Caso seja deferida a liminar, a suspensão dos processos em curso depende prioritariamente da natureza da demanda aviada. Conforme exposto, a lei traz exceções importantes aos efeitos do deferimento de processamento da recuperação judicial, o que exige que a busca do direito dos lesados seja estrategicamente ajustado com profissionais competentes.
Lenda Tariana Dib Faria Neves
Advogada e sócia do Escritório Amaury Nunes Advogados . Vice-Presidente da OAB/DF.
Guilherme Mazarello
Bacharelando em direito e trabalha no escritório Amaury Nunes & Advogados Associados.