Lei 14.133/2021: a norma geral de licitação    Migalhas
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Lei 14.133/2021: a norma geral de licitação – Migalhas

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1.      Introdução

A licitação é um dos institutos jurídicos mais relevantes para todos aqueles que se preocupam com a coisa pública. Isto porque instrumentaliza a melhor forma de contratação, pela Administração Pública, identificando interessados em contratar, assim como propostas que lhe sejam mais vantajosas.

A licitação consubstancia-se na condição preliminar à contratação, pela Administração Pública, de serviços, obras, concessões etc., seja porque, em regra, deva ser realizada, seja porque, em certas situações especiais, admite não ser realizada, desde que, neste caso, sejam justificadamente especificadas as razões da sua não ocorrência. Assim, realizando-se ou não a licitação, o instituto, obrigatoriamente, deverá ser examinado, antes da formalização de qualquer contratação.

Os motivos que ensejaram a sua criação podem ser os mais diversos: coibir-se ofensas ao caro princípio da isonomia; impedir-se o exercício da pessoalidade e preferência, pela Administração Pública, na escolha de determinados fornecedores e prestadores de serviços; dar um fim ao patrimonialismo que, infelizmente, ainda graça no país; identificar-se a proposta que seja mais vantajosa para a Administração Pública etc. Todos estes motivos, de alguma maneira, estão voltados para preservar e proteger a coisa pública, expressão que utilizamos para representar o acervo da Administração Pública integrado por ativos, direitos, bens e interesses, bem como por encargos, passivos e deveres assumidos em desfavor da Administração Pública.

A coisa pública, como sabemos, a todos pertence. Sendo assim, o Estado, uma criação humana voltada para aglutinar em si o exercício do poder, a todos pertence, embora no Brasil muitos o visualizem como um entidade estranha à sua realidade.

Quando falamos de todos, referimo-nos, no aspecto que mais de perto nos preocupa nas presentes considerações, a aqueles que: (a) devam atuar no processo administrativo-licitatório e na contratação consequente, caso dos agentes públicos: (b) se interessem em contratar com a Administração Pública, quer pessoas físicas, quer jurídicas: (c) têm o dever de fiscalizar o respeito às disposições licitatórias, caso do Ministério Público, dos demais poderes e dos Tribunais de Contas; (d) provocados, têm o dever de atuar no seu domínio para exigir o aludido respeito, caso do Poder Judiciário no exercício da sua função finalística. Referimo-nos, igualmente, a cada um dos indivíduos que constituem a coletividade brasileira.

Todos, sem exceção, além das funções e deveres que possuem por conta da ordem jurídica vigente, detém o grave encargo, transcendente ao jurídico e com tintura moral, de cuidar para que a coisa pública seja preservada, esmerando-se em lapidá-la, a cada intervenção. 

2.      O ordenamento jurídico licitatório

A licitação resulta da aplicação, concreta, de um conjunto de normas jurídicas, dispostas hierarquicamente, e que constituem o que convencionamos designar ordenamento jurídico-licitatório. Ordenamento, por conferir uma ordem num sistema, com implicações hierárquicas de coordenação e subordinação, uma ordenação constituída por um conjunto de prescrições de índole jurídica, que, articuladamente, nos permite iniciar, desenvolver e concluir um processo, segundo disposições previamente catalogadas; jurídico, por se referir a disciplinamento que efetivamente repercute na realidade do dever-ser, o qual se ocupa de regrar condutas, disciplinando as relações intersubjetivas; licitatório, por se preocupar, o ordenamento em questão, com a matéria envolvendo a licitação.

Realizando um corte vertical, observamos que esse ordenamento possui no seu ápice as disposições alojadas na Constituição Federal; logo abaixo, os preceptivos que são instalados nos instrumentos legislativos; a seguir, os atos administrativos, que merecem, no caso, distinção, tanto aquele que aprova o lançamento do certame e a adoção de determinado instrumento convocatório, assim como todos os demais que se refiram ao processo licitatório.

No plano constitucional, as disposições entrechocam-se com outros dispositivos de igual expressão, exigindo, do interprete, cuidado extremo, sobretudo no exame e no conflito de valores por vezes entre si excludentes; no plano legislativo, a par da harmonização com os demais instrumentos de igual estatura e competência, é imprescindível que seu conteúdo e forma submetam-se às determinações constitucionais, sob pena de desconformidade habitualmente rotulada de inconstitucionalidade; já no plano infralegal, domínio dos atos administrativos, estes veículos, formal e, substancialmente, devem guardar estrita obediência às disposições legislativas correspondentes, sob pena de vícios de ilegalidade.

3.      A licitação na Constituição Federal

A Constituição Federal, no Brasil, assento jurídico de maior expressão e relevância, presidindo o ordenamento brasileiro, promove cuidadosa repartição de competências, inclusive legiferantes, dispensando extremo cuidado no que diz respeito à licitação.

Inicialmente, atribui, à União Federal, com exclusividade, a competência para legislar sobre normas gerais de licitação para a Administração Pública, direta e indireta, da União, Estados, Distrito­ Federal e Municípios (art. 22, XXVII), admitindo, contudo, que os Estados, Distrito Federal e Municípios possam, suplementarmente, legislar sobre a matéria, segundo seus interesses peculiares, e desde que em harmonia com a legislação editada pela União Federal.

Normas gerais devem se consideradas a partir de enunciados jurídicos, de expressão nacional, prescritoras de condutas na esfera federal e que também permitam elaborar normas jurídicas de sentido completo, endereçadas, no caso, a todas as demais pessoas políticas de direito constitucional interno, a pessoas jurídicas a elas ligadas, aos agentes públicos que participem do processo licitatório, assim como em relação às pessoas físicas ou jurídicas que pretendam contratar com a Administração Pública brasileira, normas jurídicas gerais estas que têm o objetivo de estruturar as diversas modalidades de licitação passíveis de serem utilizadas no país; os requisitos para a sua realização; as hipóteses nas quais, em regime de exceção, admite-se a não realização de qualquer uma das modalidades de licitação; a dinâmica da sua implementação concreta; a especificação e tipificação dos crimes que sejam especialmente coibidos nesse domínio do direito; a definição dos recursos administrativos específicos cabíveis ao longo do processo licitatório, assim como os fatores de entorno, como prazos, efeitos e competência, dentre outros.

Este conteúdo, como se observa, consubstancia-se nas normas gerais sobre as quais somente o Congresso Nacional poderá legislar, não se admitindo que as demais pessoas políticas possam modificar tais preceptivos, como, entretanto, já se têm observado nalgumas iniciativas infringentes, como ao pretender-se promover, em desacordo com as normas gerais, modificação nas fases do certame, estabelecer valores de competências diferentes daqueles apregoados pela lei federal, ou, até mesmo, pretendendo ampliar, através de ato administrativo, ainda que sob o aparente pretexto regulamentar, as hipóteses em que ocorreria a dispensa ou inexigibilidade de licitação.

A Constituição Federal, entretanto, além de fixar a competência legiferante envolvendo as normas gerais sobre licitação, estabelece, ainda, limites explícitos e implícitos que, substancialmente, deverão ser obedecidos pela norma legal correspondente.

De inicio, não por referência específica à matéria, mas por decorrência lógica da disposição constitucional que preside o ordenamento jurídico brasileiro, ao determinar a obediência a diversos princípios jurídicos de ampla abrangência alojados na Constituição Federal (isonomia, devido processo legal, justiça, segurança jurídica, confiança legítima etc.).

A seguir, ao exigir que a Administração Pública, em todos os planos, obedeça aos princípios alojados no “caput” do art. 37, da Constituição Federal,  alguns explícitos (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), outros, implícitos (v.g. razoabilidade).

Prosseguindo, a Constituição Federal estabelece valores relevantes que deverão ser obedecidos e implementados pela legislação infraconstitucional que venha a versar sobre a matéria, prescrevendo, nesse sentido,  que a Administração Pública, quer direta, quer indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, somente poderá contratar obras, serviços, compras e alienações, ressalvadas as exceções especificamente descritas na legislação infraconstitucional, mediante processo de licitação pública, que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes (art. 37, XXI, da Constituição Federal).

 Exige, ainda, o Texto Constitucional, a realização de licitação para situações envolvendo a exploração de atividade econômica (art. 173, § 1o, III), como, igualmente, para propiciar a outorga de concessões ou permissões de serviços públicos (art. 175 da Constituição Federal).

Finalmente, a Constituição Federal determina que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devam dispensar, às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferençado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei (art. 179, da Constituição Federal), inclusive, pode-se adiantar, com reflexos na disciplina jurídica envolvendo a licitação.

Conforme se observa, o conjunto destes enunciados jurídicos de forte intensidade axiológica, com prestígio constitucional, estabelece limitações e exigências a serem obedecidas pelos enunciados jurídicos legiferantes, que permitirão construir normas jurídicas infraconstitucionais relativas à licitação, sob pena de, ocorrendo desobediência ou infringência a qualquer um esses valores, sejam surpreendidos e enfrentados por vicio de inconstitucionalidade. 

Nesse contexto constitucional é que se insere a lei 14.133, de 2021, estabelecendo normas gerais¹, no ponto, sobre a matéria licitatória, a partir de si irradiando, consequentemente, todas as disposições relevantes e estruturantes a respeito para as pessoas políticas de direito constitucional interno, assim como para as pessoas jurídicas que, expressamente, a ela devam se submeter.

Como norma geral trouxe interessantes inovações, inegavelmente aperfeiçoando o ordenamento jurídico licitatório brasileiro.

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1 Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e abrange

Marcio Pestana

Marcio Pestana

Advogado e titular do escritório “Pestana e Villasbôas Arruda – Advogados”

Pestana e Villasbôas Arruda Advogados Pestana e Villasbôas Arruda Advogados

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