Sanções não pecuniárias no antitruste   Migalhas
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Sanções não pecuniárias no antitruste – Migalhas

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O presente artigo faz parte de uma série de artigos que tratam das penas não pecuniárias aplicadas a pessoas físicas e jurídicas com base na lei de Defesa da Concorrência – LDC (lei 12.529/11), especificamente no artigo 38 e seus incisos, e que estão explicitados mais detalhadamente na obra coletiva “Sanções não pecuniárias no antitruste”, organizada pela Profa. Amanda Athayde e publicada pela Editora Singular1. O livro teve por objetivo investigar se a utilização das sanções não pecuniárias poderia ser uma forma de garantir que o enforcement antitruste avance no Brasil.

Neste artigo buscamos responder à seguinte pergunta: qual é a combinação perfeita de sanções, em nível administrativo, penal e civil, capaz de mitigar, de fato, a prática de condutas anticompetitivas e reestruturar instituições e ordenamentos jurídicos que permitam ou toleram, de certa forma, a prática de condutas ilícitas?

Apesar das diferentes formas de sanções existentes, há uma tendência global na aplicação de multas pelas autoridades antitrustes. Também com essa tendência, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, no Brasil, tem historicamente dado preferência à aplicação de multas como forma de punir os envolvidos em condutas anticompetitivas2. Por exemplo, em 2022, o Cade arrecadou um total de R$ 382.291.289,11 em multas pagas e contribuições pecuniárias recolhidas. Isso ocorre porque a abordagem econômica padrão para sanções ótimas sugere que, como multas e indenizações por danos, a princípio, são ferramentas com um custo social baixo, sanções monetárias devem ser usadas com a maior frequência possível. Essa abordagem, contudo, leva a uma política de defesa da concorrência que, segundo alguns autores, conta com baixa probabilidade de detecção e dissuasão, ainda que com multas muito altas3.

De fato, em que pese o aumento das penas aplicadas pelo Cade nos últimos anos, a autoridade segue detectando e investigando novas infrações à ordem econômica. Ao mesmo tempo em que não há uma correlação entre o aumento nas penalidades pecuniárias e uma redução efetiva nos números de infrações à ordem econômica, as multas elevadas também têm custos sociais e econômicos que não devem ser desconsiderados.

A discussão4 pode ser organizada levando em conta as perspectivas de (i) underdeterrence e (ii) overdeterrence, trazendo em seguida uma análise de diversos tipos de sanções não pecuniárias nas diversas searas do direito.

Primeiramente, sob a perspectiva do risco de (i) underdeteterrence, a multa deixa de ser vista como a única alternativa para as autoridades antitruste, pois as penas não pecuniárias podem servir para aumentar a severidade da sanção. Ainda que as multas sejam importantes mecanismos de dissuasão, em certos casos elas parecem não ser suficientes para criar os incentivos necessários a obstaculizar condutas anticompetitivas. É necessário que se imponham aos infratores custos mais elevados do que os ganhos obtidos com a conduta. Caso contrário, nem os administradores ou os conselhos das sociedades e nem os acionistas terão incentivos suficientes para prevenir o ilícito enquanto seus custos se mantiverem suportáveis5.

Uma vez que o aumento no valor das penas impostas, somado ao risco (pelo menos teórico) de encarceramento dos indivíduos, não tem sido suficiente para impedir a prática de outras infrações à ordem econômica, a discussão tem sido no sentido de identificar mecanismos não pecuniários de punição6, buscando-se a dissuasão futura.

Já sob a perspectiva do risco de overdeterrence, as preocupações estão centradas no equilíbrio entre as sanções aplicadas e os custos sociais negativos gerados por elas, que são especialmente latentes no caso da aplicação de multas demasiadamente altas, que poderiam colocar em risco a sobrevivência da empresa, em prejuízo de seus stakeholders. Isso porque, caso a autoridade antitruste aplique penas excessivamente altas, estas poderão desencorajar os agentes econômicos a praticar condutas lícitas e eficientes com receios de estarem atuando ilicitamente, bem como induzir empresas a fazerem gastos excessivos para detectar violações por parte de seus agentes7-8.

Em todo caso, a busca por uma sanção ótima deve considerar que a gravidade da pena aplicada deve ser proporcional à gravidade da conduta e à capacidade econômica do infrator, tendo em vista que uma punição muito branda poderá incentivar a reincidência. Por outro lado, há um limite para aplicação de multas elevadas, fundado na capacidade de pagar dos infratores, nos custos sociais e econômicos de multas elevadas e na perspectiva da justiça proporcional. Assim, é fundamental que haja um balizamento entre os impactos sociais e econômicos da multa e a proporcionalidade de aplicação das sanções, que poderá ser alcançado com a utilização de sanções não pecuniárias.

Nesse sentido, espera-se que o debate estimule tanto a utilização das ferramentas que possibilitam a aplicação de sanção ótima, como forma de viabilizar sanções mais efetivas no âmbito antitruste, quanto a criação de novos instrumentos para viabilizá-la, sempre alicerçados no princípio da legalidade e da motivação dos atos administrativos.

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1 ATHAYDE, Amanda. (Org.) Sanções não pecuniárias no antitruste. 1ª Ed. São Paulo: Editora Singular, 2022.

2 OLIVEIRA, Renan Cruvinel de. Definindo Sanções Ótimas a Práticas Anticompetitivas e Corruptas: a punição a indivíduos por meio de mecanismos alternativos. Revista de Defesa da Concorrência – RDC, Brasília, v. 8, n. 2, p. 144-163, dez. 2020. Disponível em: https://revista.cade.gov.br/index.php/revistadedefesadaconcorrencia/article/view/493. Acesso em: 4 abr. 2022.

3 GINSBURG, Douglas; WRIGHT, Joshua. Antitrust Sanctions. Competition Policy International, Columbia, v. 6, n. 2, p. 3-39, 2010. Disponível em: https://www.law.gmu.edu/assets/files/publications/working_papers/1060AntitrustSanctions.pdf. Acesso em: 4 abr. 2022. p. 9.

4 Renan Cruvinel é bacharel em Direito na UnB e mestrando em Direito Comercial na USP. Atua como advogado especialista em Direito da Concorrência e regulação de serviços financeiros, tendo atuado no CADE, em escritórios de advocacia e em empresas. Foi monitor de pós-graduação do GVLaw e professor

assistente do IDP São Paulo. Atualmente é líder técnico do jurídico regulatório e relações governamentais do PicPay.

5 GINSBURG, Douglas; WRIGHT, Joshua. ANTITRUST SANCTIONS. Competition Policy International, Columbia, v. 6, n. 2, p. 3-39, 2010. Disponível em: https://www.law.gmu.edu/assets/files/publications/working_papers/1060AntitrustSanctions.pdf. Acesso em: 4 abr. 2022. p. 17.

6 OLIVEIRA, Renan Cruvinel de. Definindo Sanções Ótimas a Práticas Anticompetitivas e Corruptas: a punição a indivíduos por meio de mecanismos alternativos. Revista de Defesa da Concorrência – RDC, Brasília, v. 8, n. 2, p. 144-163, dez. 2020. Disponível em: https://revista.cade.gov.br/index.php/revistadedefesadaconcorrencia/article/view/493. Acesso em: 4 de abril de 2022.

7 KOBAYASHI, Bruce H. Antitrust, agency, and amnesty: an economic analysis of the criminal enforcement of the antitrust laws against corporations. George Washington Law Review, v. 69, n. 5-6, 715-744, 2001.

8 Bottini, Pierpaolo Cruz. Pierpaolo Cruz Bottini: O excesso do compliance. O Globo, 06 jul. 2023. Disponível em: https://oglobo.globo.com/blogs/fumus-boni-iuris/post/2023/07/pierpaolo-cruz-bottini-o-excesso-do-compliance.ghtml. Acesso em: 18 set. 2023.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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Amanda Athayde

Amanda Athayde

Professora doutora adjunta na UnB de Direito Empresarial, Concorrência, Comércio Internacional e Compliance, consultora no Pinheiro Neto. Doutora em Direito Comercial pela USP, bacharel em Direito pela UFMG e em administração de empresas com habilitação em comércio exterior pela UNA, ex-aluna da Université Paris I – Panthéon Sorbonne, autora de livros, organizadora de livros, autora de diversos artigos acadêmicos e de capítulos de livros na área de Direito Empresarial, Direito da Concorrência, comércio internacional, compliance, acordos de leniência, anticorrupção, defesa comercial e interesse público.

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Renan Cruvinel

Bacharel em Direito na UnB e mestrando em Direito Comercial na USP. Atua como advogado especialista em Compliance, Direito da Concorrência e regulação de serviços financeiros, tendo atuado no CADE, em escritórios de advocacia e em empresas. Foi monitor de pós-graduação do GVLaw e professor assistente do IDP São Paulo. Atualmente é Head de Compliance da Binance no Brasil.

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Isabela Oliveira

Advogada especialista em Direito da Concorrência. É bacharela em Direito pela UnB e pós-graduada em Defesa da Concorrência e Direito Econômico pela FGV.

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