O que muda com o novo artigo 5º do artigo 193 da CLT?   Migalhas
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O que muda com o novo artigo 5º do artigo 193 da CLT? – Migalhas

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Às vésperas do Natal e em pleno recesso forense, a CLT recebe uma nova alteração.

A partir da publicação da lei 14.766/23 (22/12), o art. 193 da CLT passa a conter mais um parágrafo.

Resumidamente, o artigo 193 da CLT, que prevê o pagamento de adicional de periculosidade aos empregados que exerçam atividades ou operações perigosas, quando verificado risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a determinados fatores, recebeu o seguinte acréscimo:

LEI 14.766, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2023

[.]

Art. 1º  Esta lei acrescenta § 5º ao art. 193 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943, para estabelecer a não caracterização como perigosas das atividades ou operações que impliquem riscos ao trabalhador em virtude de sua exposição às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, para consumo próprio dos veículos de carga, de transporte coletivo de passageiros, de máquinas e de equipamentos, certificados pelo órgão competente, e nos equipamentos de refrigeração de carga.

Art. 2º O art. 193 da CLT, aprovada pelo decreto-lei  5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescido do seguinte § 5º:

“Art. 193. [.]

§ 5º O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, para consumo próprio de veículos de carga e de transporte coletivo de passageiros, de máquinas e de equipamentos, certificados pelo órgão competente, e nos equipamentos de refrigeração de carga.” (NR)

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

[grifos nossos]

A partir dessa alteração, a lei dá um novo comando legal expresso: não é possível estabelecer como perigosa qualquer atividade e/ou operação em virtude de “quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, para consumo próprio dos veículos de carga, de transporte coletivo de passageiros, de máquinas e de equipamentos, certificados pelo órgão competente, e nos equipamentos de refrigeração de carga.”

Aos desavisados, a inovação pode soar apenas um acréscimo supérfluo. Afinal, por que o legislador gastaria um parágrafo de um dispositivo legal voltado à disciplina das atividades que podem ser compreendidas como perigosas, para fins de recebimento de adicional de periculosidade, justamente para dizer que uma determinada condição não caracterizaria determinadas atividades como perigosas?

Por outro lado, para aqueles que têm alguma experiência em discussões trabalhistas envolvendo o ramo dos transportes, essa alteração legislativa faz todo o sentido e se apresenta como um ponto final para uma discussão polêmica e que vem se arrastando há anos.

Não é de hoje que o TST vem entendendo pela caracterização como “perigosas” determinadas atividades ou operações em virtude das quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, para consumo próprio dos veículos de carga, de transporte coletivo de passageiros, de máquinas e de equipamentos, ainda que certificados pelo órgão competente. A seguinte decisão ilustra esse racional:

  • AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROVIMENTO. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. MOTORISTA DE CAMINHÃO. CONDUÇÃO DE VEÍCULO COM TANQUES DE COMBUSTÍVEL ORIGINAIS DE FÁBRICA. TANQUE EXTRA COM CAPACIDADE SUPERIOR A 200 LITROS. EQUIPARAÇÃO A TRANSPORTE DE INFLAMÁVEL. Diante da demonstração de divergência jurisprudencial, merece processamento o recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido.
  • RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. MOTORISTA DE CAMINHÃO. CONDUÇÃO DE VEÍCULO COM TANQUES DE COMBUSTÍVEL ORIGINAIS DE FÁBRICA. TANQUE EXTRA COM CAPACIDADE SUPERIOR A 200 LITROS. EQUIPARAÇÃO A TRANSPORTE DE INFLAMÁVEL. De acordo com o entendimento da SBDI-1, o empregado que transporte veículo com tanque suplementar de combustível, mesmo que para consumo próprio, em quantidade superior a 200 litros, tem direito ao adicional de periculosidade. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR: 202572620175040871, Relator: Alberto Luiz Bresciani De Fontan Pereira, Data de Julgamento: 24/3/21, 3ª Turma, Data de Publicação: 26/3/21)
  • Como se vê, a Corte Superior Trabalhista tem adotado o entendimento de que o transporte de tanque suplementar de combustível, em quantidade superior a 200 litros, ainda que utilizado para abastecimento do próprio veículo, e mesmo que certificado pelo órgão competente, gera direito ao recebimento do adicional de periculosidade, por equiparar-se ao transporte de inflamável, algo notadamente contrário à recente disposição incluída na CLT.

    Esse entendimento, no entanto, sempre foi objeto de controvérsia por três fatores:

  • Primeiro, porque, por mais que o TST venha entendendo que o transporte de tanque suplementar de combustível, em quantidade superior a 200 litros, ainda que utilizado para abastecimento do próprio veículo, geraria direito ao recebimento do adicional de periculosidade, por equiparar-se ao transporte de inflamável, o artigo 193 da CLT é taxativo quanto às possibilidades de configuração de periculosidade, dispondo que tais atividades são consideradas perigosas de acordo com a Norma Técnica regulamentadora aprovada pelo antigo Ministério do Trabalho e Emprego. No caso, esse primeiro fator se vincula justamente ao fato de que o artigo 193 da CLT não prever a existência dos tanques em discussão como fundamento para a periculosidade;
  • Segundo, porque a Norma Técnica, citada no art. 193 da CLT, e que regulamenta as atividades em tais condições, é a NR-16, que tem em seu item 16.6 a previsão de que a previsão de periculosidade se dá para “as operações de transporte de inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos, em quaisquer vasilhames e a granel, são consideradas em condições de periculosidade, com exclusão para o transporte em pequenas quantidades, até o limite de 200 (duzentos) litros para os inflamáveis líquidos”, sendo expressa a indicação de operações de “transporte de inflamáveis líquidos” como parte da atividade em si;
  • Terceiro, porque a NR-16, no subitem 16.6.1 (incluído em 2019), prevê expressamente que não são consideradas, para enquadramento em risco acentuado, as quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de consumo próprio dos veículos, como é o caso de tanques de combustíveis contidos em veículos que são conduzidos por motoristas que operam no transporte de diversos produtos a serviço de empresas distribuidoras, de logística e de transporte de cargas, ressalvado o transporte de produtos inflamáveis:
  • NR 16 – ATIVIDADES E OPERAÇÕES PERIGOSAS

    [.]

    16.6.1 As quantidades de inflamáveis, contidas nos tanques de consumo próprio dos veículos, não serão consideradas para efeito desta Norma.

    16.6.1.1 Não se aplica o item 16.6 às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustível originais de fábrica e suplementares, certificados pelo órgão competente. (Incluído pela Portaria SEPRT 1.357, de 09 de dezembro de 2019)

    [grifos nossos]

    Embora o entendimento do TST não encontrasse acoplamento à previsão do art. 193 da CLT, bem como às previsões técnicas dos itens 16.6.1 e 16.6.1.1, ainda havia espaço para que o TST, interpretando a matéria pelo item 16.6 da NR, a partir da ideia de que “as operações de transporte de inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos, em quaisquer vasilhames e a granel, são consideradas em condições de periculosidade, exclusão para o transporte em pequenas quantidades, até o limite de 200 litros para os inflamáveis líquidos e 135 (cento e trinta e cinco) quilos para os inflamáveis gasosos liquefeitos”.

    Ao nosso ver, tudo muda a partir de agora. Isso porque, nos parece que a alteração legislativa (Art. 193, §5º, CLT) encerrou o assunto.

    Em razão dessa clara superação legislativa à jurisprudência, julgamos que a mudança legislativa traz um comando legal expresso que não permite mais espaço para a interpretação anterior.

    A CLT, legislação específica à seara trabalhista, possui, agora, comando literal e excludente para a não caracterização como perigosas das atividades ou operações “em virtude de sua exposição às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, para consumo próprio dos veículos de carga, de transporte coletivo de passageiros, de máquinas e de equipamentos, certificados pelo órgão competente, e nos equipamentos de refrigeração de carga”.

    Isso significa que o legislador está dizendo com todas as letras que não haverá direito ao recebimento ao adicional de periculosidade em virtude da existência de inflamáveis contidas nos tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, para consumo próprio dos veículos de carga, de transporte coletivo de passageiros, de máquinas e de equipamentos, certificados pelo órgão competente, e nos equipamentos de refrigeração de carga.

    Desse modo, como essa exclusão explícita foi incluída justamente no artigo 193 da CLT, que, em seu caput prevê quais são as atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador, nos parece que não há mais como o TST manter o entendimento de equiparação, justamente porque a lei excluiu tal configuração de forma absoluta.

    Embora o TST viesse entendendo que a equiparação se daria a partir da ideia de que o transporte de tanque suplementar de combustível, em quantidade superior a 200 litros, ainda que utilizado para abastecimento do próprio veículo, geraria direito ao recebimento do adicional de periculosidade, “por equiparar-se ao transporte de inflamável”, nos termos da NR-16 da Portaria 3.214/78 do MTE, item 16 .6., o acréscimo legal do §5º impede tal raciocínio em sua origem.

    A partir de agora, entendemos que o “vácuo legislativo” anterior que permitia, em tese, espaço para essa interpretação (NR 16.6 vs. 16.6.1. e 16.6.1.1), não remanesce.

    Isso porque, nesse novo cenário, a lei preencheu todo o espaço com uma determinação legal muito clara: o transporte de tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, para consumo próprio dos veículos de carga, de transporte coletivo de passageiros, de máquinas e de equipamentos, certificados pelo órgão competente, e nos equipamentos de refrigeração de carga, não caracteriza a periculosidade prevista no disposto no inciso I do caput do artigo 193 da CLT.

    Ou seja, a lei diz, a partir de agora, que a condição de inflamabilidade do inciso I do caput do artigo 193 da CLT não pode ser verificada a partir do transporte dos já citados tanques, sejam eles originais de fábrica ou suplementares, desde que voltados ao consumo próprio dos veículos de carga, transporte coletivo de passageiros, de máquinas e de equipamentos, certificados pelo órgão competente, e nos equipamentos de refrigeração de carga.

    No mais, quanto à aplicação dos efeitos dessa disposição legal, nos parece que sua aplicação deve ser imediata não só aos novos contratos, mas também aos contratos e litígios em curso.

    Comungamos com esse entendimento, uma vez que a lei jamais conferiu aos motoristas qualquer direito à percepção do adicional de periculosidade para a condição em questão. Nunca houve previsão para isso nem na CLT, nem na NR-16. Essa percepção tem se dado apenas em razão da interpretação “por equiparação” pelo TST e parte da jurisprudência inferior.

    Nesse sentido, seja pelo fato de não existir qualquer direito adquirido, seja pelo fato de que a lei 14.766/23, que trouxe a exclusão expressa da caracterização de periculosidade em virtude do transporte de tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, para consumo próprio dos veículos de carga, de transporte coletivo de passageiros, de máquinas e de equipamentos, certificados pelo órgão competente, e nos equipamentos de refrigeração de carga, entrou em vigor na data da publicação da referida lei (22/12/23), a aplicação desse comando legal, de caráter excludente e explícito, nos parece que deve ser imediata para todos os contratos e litígios, em curso ou futuros.

    Ordenando-se o raciocínio, entendemos que:

  • O acréscimo do §5º ao artigo 193 da CLT põe fim à discussão sobre a possibilidade de entender o transporte de tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, para consumo próprio dos veículos de carga de transporte coletivo de passageiros, de máquinas e de equipamentos, certificados pelo órgão competente, como condição geradora de direito ao recebimento do adicional de periculosidade, por equiparar-se ao transporte de inflamável, em razão da superação desse entendimento jurisprudencial por alteração legislativa expressa e excludente sobre essa condição para a caracterização da periculosidade;
  • b) A aplicação dos efeitos dessa alteração legal deve ser imediata não só aos novos contratos, mas também aos contratos e litígios em curso;

    Por fim, entendemos que, caso o TST mantenha o entendimento que vem aplicando nos últimos anos acabará entrando em rota de colisão com o texto legal. Considerando a superação do entendimento jurisprudencial, que se baseava em um cenário de possível espaço para interpretação, por disposição legal literal e excludente, em um cenário de interpretação não mais existente, parece-nos que a conduta do TST deverá ser o respeito ao texto legal acrescido, sob pena de esvaziamento de norma de natureza expressa e de cumprimento obrigatório.

    Luiz Paulo Salomão

    Luiz Paulo Salomão

    Advogado, professor e mestrando em Direito do Trabalho na PUC-SP. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2017), é pós-graduado em Direito e Processo do trabalho pela mesma instituição.

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