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Uma série de supostas irregularidades cometidas pelo oficial de Registro de Imóveis da cidade de Salinas, no norte de Minas Gerais, impede que milhares de famílias possam receber a escritura registrada de seus imóveis através do procedimento da REURB – é o que denuncia a entidade responsável pelos trabalhos naquela região. Há vários anos nesta tentativa, o cartório da cidade se nega a realizar o trabalho, prejudicando comunidades que sonham com o registro da titulação de propriedade.
Os distritos de Nova Matrona e Ferreirópolis foram os primeiros a passarem pelo procedimento de regularização fundiária baseado da lei 13.465/17, conhecido como REURB, que estabeleceu novas regras para regularização fundiária. Para realizar este trabalho, a Prefeitura de Salinas firmou uma parceria com o Instituto Cidade Legal através de um acordo de cooperação. Mas, o Cartório de Imóveis do município se nega a fornecer as matrículas dos núcleos urbanos ao condicionar esses documentos ao envio de informações que nem a prefeitura nem o Instituto possuem e nem podem possuir, pois são de domínio exclusivo do próprio cartório. Na contramão, o oficial do cartório tem indicado que as pessoas usem outros procedimentos para regularizar seus imóveis, muitos mais caros e vantajosos financeiramente para o oficial do cartório.
Cartório falta com a verdade para evitar regularização
Um dos procedimentos da lei da REURB é a fase de notificação de proprietários tabulares (aqueles que estão registrados em cartório de imóveis), confrontantes e outros titulares de domínio, pelo qual se dá a essas pessoas ciência de que está ocorrendo um processo de regularização fundiária em seu núcleo. Com a notificação, essas pessoas vão exercer o direito a ampla defesa e contraditório, impugnando ou não o procedimento.
Mas para que essas notificações ocorram, é preciso que o cartório informe as matrículas existentes naquele núcleo e são solicitadas pela empresa responsável pela regularização ou pela prefeitura, que são os legitimados. O Instituto Cidade Legal solicitou ao Cartório de Imóveis de Salinas esta documentação dos distritos de Ferreirópolis e Nova Matrona, mas foi negada pelo oficial João Eustáquio.
O chefe da serventia alega que, para entregar estes dados, era necessário que as famílias que estão participando do processo de regularização fundiária pudessem preencher formulários – neles, eram solicitadas as matrículas de seus imóveis. Mas, como aponta o Instituto Cidade Legal, esta ação é impossível porque os ocupantes dos terrenos irregulares não possuem registro destas moradias e não conhecem qualquer matrícula que possa existir ali, até porque esses são núcleos clandestinos, sem parcelamento aprovado nem em município e muito menos registrado em cartório. As matrículas que ali existem forma produzidas de forma desconhecida e sem acesso a essas pessoas.
Com isso, o Cartório de Imóveis de Salinas alegou para a prefeitura daquela cidade que não conseguiria realizar as buscas de matrículas, fazendo travar o processo de REURB. Assim, a entidade responsável pelos trabalhos buscou a justiça para que o ofício de imóveis entregasse os dados. Apesar da decisão de primeira instância dar razão ao cartório, o Instituto Cidade Legal venceu com um agravo de decisão, que obrigou a serventia a repassar os dados.
Mas, aconteceu o surpreendente: para não cumprir a decisão judicial na sua integralidade, o Cartório de Imóveis emitiu certidões negativas alegando que não existia nenhuma matrícula nos distritos objetos da regularização, mesmo antes tendo informadas algumas matrículas que encontrou ali. Com estes documentos negativo, o município de Salinas então emitiu títulos de regularização fundiária dos interessados e requereu o registro ao cartório; o oficial registrador, no entanto, disse que aqueles títulos eram irregulares e não poderia registrar, porque não citaram as matrículas existentes e que existem sim várias matrículas nos núcleos, causando uma verdadeira confusão pra impedir a regularização.
Entidade aciona justiça apontando suposta ilegalidade do cartório
Com a fraude apontada pelo Instituto Cidade Legal, mais uma vez a justiça foi acionada: a entidade aponta que o Cartório de Imóveis de Salinas cometeu suposta falsidade ideológica ao entregar certidão negativa alegando que não havia nenhuma matrícula em Nova Matrona e Ferreirópolis, por isso, foi solicitada a justiça que a serventia cumpra a ação judicial.
Apesar de enviados notícia-crime ao Ministério Público de Minas Gerais, além da interpelação na justiça, os casos foram arquivados, com a alegação de que a certidão negativa emitida pelo oficial registrador João Borborema cumpria a decisão em tribunal.
No entanto, o juiz de primeira instância não aceitou o argumento do ofício de imóveis da cidade em sua impugnação de decisão e decidiu pela continuidade da execução do processo. Encurralado, o Cartório então apontou que tinha um sistema informatizado de matrículas, e apresentou as documentações referentes aos distritos objetos da regularização: 1.746 certidões somadas em Nova Matrona e Ferreirópolis.
O Instituto Cidade Legal afirma que esta atitude do oficial registrador de Salinas causa prejuízos extremos para a REURB na cidade, pois, são vários anos que o órgão dificulta o acesso à regularização fundiária e esse é um procedimento rápido, que em muitos municípios a entendida executa com poucos meses.
As famílias de Salinas são as grandes prejudicadas com essa atitude do oficial registrador de imóveis, com todas estas dificuldades impostas pela serventia de maneira arbitrária. A lei da REURB é clara e concede de maneira ágil o registro da escritura pública; e nós do Instituto Cidade Legal continuaremos na luta para que todos aqueles que nos procuram possam ter assegurado seu direito ao imóvel legal.
Ruan Rodrigues
Advogado, especializado em regularização de imóveis, é presidente do Instituto Cidade Legal, entidade legitimada e atuante na lei federal 13.465/17. É autor do livro “Curso Avançado de Regularização Fundiária Urbana – REURB”