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Os segurados da Previdência Social, assim como, os operadores do direito, foram tomados de surpresa com o julgamento de mérito das ADIns 2.110 e 2.111, passados mais de 24 anos de tramitação na Corte Suprema.
Essas ADIns atacaram vários dos dispositivos da lei 9.876, de 26/11/19, especialmente:
Em 15/03/00, a liminar postulada nas ADIns 2.110 e 2.111 foi indeferida, mantendo-se a sistemática de cálculo, especialmente no que tange a ampliação do período básico de cálculo e a introdução do fator previdenciário. Veja-se o resumo da decisão:
“O Tribunal, por unanimidade, não conheceu da ação direta por inconstitucionalidade formal da lei 9.868/99. Prosseguindo no julgamento, o senhor ministro relator proferiu voto indeferindo a medida cautelar. O Tribunal, por maioria, indeferiu o pedido de medida cautelar relativamente ao art. 2º da lei 9.876/99, na parte em que deu nova redação ao art. 29, caput, seus incisos e parágrafos da lei 8.213/91, nos termos do voto do senhor ministro relator, vencido o senhor ministro Marco Aurélio, que o deferia. Votou o presidente. Em seguida, o julgamento foi suspenso para prosseguimento na próxima sessão, em virtude do ADInantado da hora. Falou pelo requerido – presidente da República – o dr. Gilmar Ferreira Mendes, advogado-geral da União. Plenário, 15.3.00.”
O julgamento do mérito das ADIns foi retomado em 19/8/21 e concluído, em 21/3/24, com a divulgação do seguinte resultado:
“O Tribunal, por maioria, conheceu parcialmente das ADIns 2.110 e 2.111 e, na parte conhecida, (a) julgou parcialmente procedente o pedido constante da ADIn 2.110, para declarar a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da lei 8.213/91, na redação dada pelo art. 2º da lei 9.876/99, vencidos, nesse ponto, os ministros Nunes Marques (relator), Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes; e (b) julgou improcedentes os demais pedidos constantes das ADIns 2.110 e 2.111, explicitando que o art. 3º da lei 9.876/99 tem natureza cogente, não tendo o segurado o direito de opção por critério diverso, vencidos, nesse ponto, os ministros Alexandre de Moraes, André Mendonça, Edson Fachin e Cármen Lúcia. Foi fixada a seguinte tese de julgamento: “A declaração de constitucionalidade do art. 3º da lei 9.876/99 impõe que o dispositivo legal seja observado de forma cogente pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública, em sua interpretação textual, que não permite exceção. O segurado do INSS que se enquadre no dispositivo não pode optar pela regra definitiva prevista no art. 29, incisos I e II, da lei 8.213/91, independentemente de lhe ser mais favorável”. Redigirá o acórdão o ministro Nunes Marques (relator). Presidência do ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 21.3.24.”
Em síntese, restou definido nesse julgamento em relação à Revisão da Via Toda, que:
Chama a atenção e gera perplexidade essa nova orientação da Suprema Corte, pois confronta com seus precedentes qualificados, especialmente, a Repercussão Geral – Tema 334, que garante o direito ao melhor benefício, e a Repercussão Geral – Tema 1.102, que reconheceu o direito à revisão da vida toda. Veja-se a seguir as teses referidas em cada caso:
- RG Tema 334: Tese fixada: “Para o cálculo da renda mensal inicial, cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais para a aposentadoria, respeitadas a decadência do direito à revisão e a prescrição quanto às prestações vencidas.” (RE 630.501, Plenário, DJE 26/8/13)
- RG Tema 1.102: Tese fixada: “O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da lei 9.876/99, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/19, tem o direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável.” (RE 1.276.977, Plenário, DJe 12/4/23)
- ADIns 2.110 e 2.111: Tese fixada: “A declaração de constitucionalidade do art. 3º da lei 9.876/99 impõe que o dispositivo legal seja observado de forma cogente pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública, em sua interpretação textual, que não permite exceção. O segurado do INSS que se enquadre no dispositivo não pode optar pela regra definitiva prevista no art. 29, incisos I e II, da lei 8.213/91, independentemente de lhe ser mais favorável”. (Plenário, 21.3.24.)
Não se desconhece que na RG Tema 1.102 pende de análise Embargos de Declaração em que o INSS busca anular o julgamento proferido pela Primeira Seção do STJ – Repetitivo Tema 999 (o qual ensejou a propositura do RE 1.276.977). E, diante da nova composição do STF, arriscamo-nos a prever que o Plenário tenderá a reconhecer a citada nulidade do acórdão proferido pela Primeira Seção do STJ, determinando a remessa dos autos àquela Corte, para que seja realizado novo julgamento nos termos do art. 97 da Constituição Federal.
Nessa toada, o STJ recebendo a devolução dos autos não poderá reiterar a tese fixada anteriormente em favor da Revisão da Vida Toda, pois o STF definiu nas ADIns 2110 e 2111 que inexiste o alegado direito em favor dos segurados da Previdência Social.
Diante dessa realidade, em que houve a prevalência do critério da valoração econômica da decisão, resta a expectativa de que a Suprema Corte faça a modulação de efeitos decorrentes da superação dos seus precedentes, como determina o art. 927, § 3º, do CPC:
“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
(.) § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.”
E, adentrando na modulação, espera-se, com base em outros precedentes (v.g. RG Tema 709), seja preservado a revisão efetivada em favor dos segurados que tiveram o direito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado até a data do julgamento das ADIns 2.110 e 2.111 (21/3/24) e a irrepetibilidade dos valores alimentares recebidos de boa-fé, por força de decisão judicial provisória até a proclamação do resultado da modulação dos efeitos postulados.
João Batista Lazzari
Juiz Federal no TRF da 4ª Região, integrando a 3ª Turma Recursal dos JEFs em Florianópolis/SC. Pós-doutor em Direito e Justiça Constitucional pela Universidade de Bologna, Itália. Doutor em Direito Público pela Universidade de Perugia, Itália.