Tributação fixa das sociedades uniprofissionais    Migalhas
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Incidente de Inconstitucionalidade nº 0003242-64.2023.8.26.0000

Comarca: São Paulo

Órgão Julgador: Órgão Especial

Suscitante: 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo

Interessados: Município de São Paulo e LCR Contadores Associados s/s Ltda. Objeto: Artigo 13 da Lei nº 17.719/2022, do Município de São Paulo/SP.

Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade. Art. 13 da lei 17.719/22, do município de São Paulo. Acolhimento. Declarada a inconstitucionalidade do referido artigo.

Julgando apelação interposta em sede de Mandado de Segurança, a Colenda 15ª Câmara de Direito Público suscitou o presente incidente de inconstitucionalidade. Infere-se dos autos que a sociedade impetrante se voltou preventivamente contra as faixas instituídas pela lei 17.719, de 26/11/21, do município de São Paulo para o cálculo do imposto sobre serviços de qualquer natureza ISS prestados por sociedades uniprofissionais. Em síntese, argumentou que o regime progressivo baseado na receita bruta presumida dessas sociedades violou os princípios constitucionais que regem o poder de tributar, como o da legalidade, da capacidade contributiva e da isonomia, além de ter sido instituída por matéria reservada a lei complementar. Por tais razões, pugnou pela abstenção de tributação pelo município de São Paulo, considerando tais modificações (fls. 1-16). A segurança foi concedida (fls. 116-120). Interposta apelação (fls. 135-160), e contrarrazoada (fls. 166-176), a Colenda 15ª Câmara de Direito Público suscitou incidente de inconstitucionalidade relativo à lei 17.719, de 26/11/21, do município de São Paulo, e, em especial, ao seu art. 13 (fls. 189-198), sob os argumentos assim ementados (fl. 190):

“REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL MANDADO DE SEGURANÇA – ISS ALÍQUOTA PROGRESSIVA MUNICÍPIO DE SÃO PAULO SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI MUNICIPAL 17.719/21 QUE ESTABELECE PRESUNÇÃO DE FATURAMENTO COM BASE NO NÚMERO DE PROFISSIONAIS DA SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 9º, §§1º E 3º, DO DECRETOLEI 406/68 CONTROVÉRSIA QUE DEVE SER SUBMETIDA AO ÓRGÃO ESPECIAL DESTA COL. CORTE INTELIGÊNCIA DO ART. 97 DA CF E SÚMULA VINCULANTE 10 DO STF REMESSA DOS AUTOS PARA O COLENDO ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA APRECIAÇÃO SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA”.    

Admitido como amicus curiae, o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados CESA aduz que o presente incidente não deve ser conhecido, “(…) com fulcro no disposto no parágrafo único do art. 949 do CPC e na jurisprudência do STF firmada em sede de repercussão geral (ARE 914.045/Tema 856), diante da perfeita subsunção do caso em exame ao Tema 918 da repercussão geral do STF; e (ii) caso submetida a julgamento de mérito, deve ser julgada procedente, com a consequente declaração da inconstitucionalidade in totum do art. 13 da lei municipal 17.719/21.” (fls. 228-249).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo acolhimento do incidente, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 13 da lei 17.719, de 26/11/21, do município de São Paulo, conquanto entenda não ser o caso de aplicação do Tema 918 à espécie (fls. 209-225).

É o relatório.

[…]

“Art. 13. O art. 15 da lei 13.701/03, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 15. Adotar-se- á regime especial de recolhimento do Imposto quando os serviços descritos nos subitens 4.01, 4.02, 4.06, 4.08, 4.11, 4.12, 4.13, 4.14, 4.16, 5.01, 7.01 (exceto paisagismo), 17.13, 17.15, 17.18 da lista do caput do art. 1º, bem como aqueles próprios de economistas, forem prestados por sociedade constituída na forma do § 1º deste artigo, observadas as faixas de receita bruta mensal previstas no § 12 deste artigo. (…)

§ 12. As faixas de receita bruta mensal são: I – R$ 1.995,26 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, até 5 profissionais habilitados; II – R$ 5.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 5, até 10 profissionais habilitados; III – R$ 10.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 10, até 20 profissionais habilitados; IV – R$ 20.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 20, até 30 profissionais habilitados; V – R$ 30.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 30, até 50 profissionais habilitados; VI – R$ 40.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 50, até 100 profissionais habilitados; VII – R$ 60.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 100.

§ 13. A apuração do imposto devido decorrerá do somatório progressivo dos produtos entre as faixas de receita bruta obtidas e a alíquota incidente sobre o serviço prestado”.

[…]

Analisando-se o ora questionado texto legal, infere-se ter havido por parte do legislador paulistano a adoção de novo critério, pelo qual se optou por um escalonamento, que leva em consideração a quantidade de sócios, em prejuízo da então vigente incidência da alíquota sobre um valor fixo, multiplicado pelo número de profissionais.

Em que pesem as razões erigidas pela municipalidade, esta nova lei ressente-se de flagrante violação aos princípios da isonomia (art. 5º da CF) e da capacidade contributiva (art. 145, §1º, da CF), sem olvidar, ademais, o comando contido no decreto-lei 406/68, o qual, à luz de seu art.  9º, §§1º e 3º, assevera que a base de cálculo do serviço será, quando a prestação de serviço se der de forma pessoal, calculada em relação a cada profissional habilitado. Veja-se:

“Art. 9º. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. §1º. Quando de tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho. (.) § 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.”

Cumpre salientar que a jurisprudência do STF se firmou no sentido da recepção do decreto-lei 406/68 pela ordem constitucional vigente, assim como pela prevalência do cálculo do imposto por meio de alíquotas fixas, com base na natureza do serviço, não compreendendo a importância paga a título de remuneração do próprio labor. A esse respeito, veja-se a ementa do leading case dessa construção pretoriana, o RE 220.323, de relatoria do ministro Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ 18.05.2001:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE PRESTADORA DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS: BASE DE CÁLCULO. D.L. 406/68, art. 9º, §§ 1º e 3º. C.F., art. 150, § 6º, redação da EC 3/93. I. – As normas inscritas nos §§ 1º e 3º, do art. 9º, do DL 406/68, não implicam redução da base de cálculo do ISS. Elas simplesmente disciplinam base de cálculo de serviços distintos, no rumo do estabelecido no caput do art. 9º. Inocorrência de revogação pelo art. 150, § 6º, da C.F., com a redação da EC 3/93. II. – Recepção, pela CF/88, sem alteração pela EC 3/93 (CF, art. 150, § 6º), do art. 9º, §§ 1º e 3º, do DL. 406/68. III. – R.E. não conhecido.”

Trazidas tais ponderações ao presente caso, exsurge que o cálculo, na forma proposta pela nova legislação – que faz incidir a alíquota com base no número de profissionais e no faturamento das sociedades – está em total descompasso com as normas regentes da matéria, porquanto incabível lei municipal instituidora de ISS dispor de modo divergente sobre base de cálculo do tributo, por ofensa direta ao art. 146, inciso III, “a”, da Constituição da República, bem como no recepcionado decreto-lei 406/68.

Neste viés, como bem registrado no acórdão da Câmara suscitante,”(…) ao instituir a progressividade com base no faturamento da sociedade, o município desconsidera o já mencionado art. 9º, §1º, do decreto-lei 406/68, tendo em vista que afasta a pessoalidade típica dos serviços prestados por tais sociedades e adota parâmetro de faturamento que só seria cabível para sociedades empresariais.” (fl. 197).

Ademais, adotado o discrímen visto – número de sócios o texto legal se ressente de violação aos princípios da capacidade contributiva e da isonomia tributária, uma vez que estabelece diferenciação para a presunção de receita bruta das sociedades uniprofissionais, em sentido oposto ao mandamento constitucional e legal, o que faria sentido para o caso de sociedades empresariais.

[…]

De outro lado, não se olvida que o eg. STF fixou recentemente a tese 918 de repercussão geral, que assim assentou: “É inconstitucional lei municipal que estabelece impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação fixa em bases anuais na forma estabelecida por lei nacional.”

Em que pese isso, o caso ora posto concretamente, como bem obtemperou a instância suscitante, comporta distinção, pois, pesem os argumentos da parte vistos na inicial do mandado de segurança, não há na espécie a criação de condições legais que dificultem o ingresso ou permanência das sociedades uniprofissionais ao regime especial de tributação fixa, mas sim o estabelecimento de faixas discrepantes de presunção de receita bruta para o cálculo do ISS, em violação aos arts. 144, 160, § 1º, 163, inciso II, da Constituição Estadual, e aos artigos 145, § 1º, 146, inciso III, alínea “a”, e 150, inciso II, da Constituição Federal.

Assim, acolhe-se este incidente, para declarar a inconstitucionalidade do art. 13, da lei 17.719/21, do município de São Paulo.

Des. relator Figueiredo Gonçalves

Breves comentários

Como se viu, o § 3º, do art. 9º do decreto-lei 406/68, mantido pela lei complementar 116/03, estabeleceu a tributação fixa para as sociedades formadas por profissionais legalmente regulamentados calculada em relação a cada profissional habilitado, sócio ou empregado que preste serviço em nome da sociedade. Por esse regime não interessa o valor do faturamento anual.

Tanto o STJ, como o STF pronunciaram-se pela manutenção desse regime de tributação especial pela atual lei de regência nacional do ISS, como vimos.

Entretanto, o art. 13 da lei 17.719/21 conferiu nova redação ao art. 15 e §§ 4º, 12 e 13 da lei 13.701/03 inovando o § 3º, do art. 9º do decreto-lei 406/68 de aplicação cogente em âmbito nacional, conforme de verifica de transcrição abaixo:

“Art. 15. Adotar-se-á regime especial de recolhimento do Imposto quando os serviços descritos nos subitens 4.01, 4.02, 4.06, 4.08, 4.11, 4.12, 4.13, 4.14, 4.16, 5.01, 7.01 (exceto paisagismo), 17.13, 17.15, 17.18 da lista do caput do art. 1º, bem como aqueles próprios de economistas, forem prestados por sociedade constituída na forma do § 1º deste artigo, observadas as faixas de receita bruta mensal previstas no § 12 deste artigo. 

[…]

§ 4º Para os prestadores de serviços de que trata o caput deste artigo, o Imposto   deverá ser calculado mediante a aplicação da alíquota determinada no art. 16 desta lei sobre as importâncias estabelecidas no § 12 deste artigo.

§ 12. As faixas de receita bruta mensal são: 

  • R$ 1.995,26 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, até 5 profissionais habilitados; 
  • R$ 5.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 5, até 10 profissionais habilitados;
  • R$ 10.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 10, até 20 profissionais habilitados; 
  • R$ 20.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 20, até 30 profissionais habilitados;
  • R$ 30.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 30, até 50 profissionais habilitados;
  • R$ 40.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 50, até 100 profissionais habilitados;
  • R$ 60.000,00 multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para o número de profissionais que superar 100.
  • § 13. A apuração do imposto devido decorrerá do somatório progressivo dos produtos entre as faixas de receita bruta obtidas e a alíquota incidente sobre o serviço prestado”.

    Patente a inconstitucionalidade dessa tributação progressiva incidente sobre a receita bruta per capita presumida que vai aumentando de acordo com o número de sócios componentes da sociedade de prestação de serviços. Essa progressão começa com R$1.995,26 para a sociedade com até 5 sócios, elevando-se para R$5.000,00 para a sociedade com mais de 5 sócios até chegar a R$60.000,00 para sociedades com mais de 100 sócios. Estabeleceu-se uma presunção absoluta da receita bruta apurada de forma progressiva, fundada no número de sócios integrantes da sociedade, fazendo incidir sobre ela a alíquota de 5%, por aplicação do § 4º, do art. 15 que faz remissão ao art. 16.

    Apreciando a inovação trazida pelo art. 13 da lei 17.719/21, o Órgão Especial do E. TJ/SP decretou a sua inconstitucionalidade (Proc 0003242-64.2023.8.26.0000, relator des. Figueiredo Gonçalves).

    Para o relator “o texto legal se ressente de violação aos princípios da capacidade contributiva e da isonomia tributária, uma vez que estabelece diferenciação para a presunção de receita bruta das sociedades uniprofissionais, em sentido oposto ao mandamento constitucional e legal”. Afastou, todavia, a aplicação do tema 918 da repercussão geral (RE 940.769) consignado na decisão de primeira instância, sob  a alegação de que “não há na espécie a criação de condições legais que dificultem o ingresso ou permanência das sociedades uniprofissionais ao regime especial  de tributação fixa, mas sim o estabelecimento de faixas discrepantes de presunção de receita bruta para o cálculo do ISS”.

    O Tema 918, invocado na decisão monocrática, fixou a seguinte tese: “É inconstitucional lei municipal que estabelece impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação fixa em bases anuais na forma estabelecida por lei nacional”.

    Ora, foi exatamente o que fez a lei municipal 17.719/21 que tributa a sociedade de profissional liberal com base no valor do faturamento presumido em função do números de sócios habilitados na sociedade, estabelecendo um impeditivo à tributação por alíquota fixa que segundo a lei de regência nacional do ISS independe do valor do faturamento real ou presumido, importando apenas e tão somente o número de profissionais que integram a sociedade.

    A decisão proferida no RE 940.869 sob a égide de repercussão geral tem efeito erga omnes, pelo que a ACESA que interveio no processo como amicus curiae opinou pelo não conhecimento do incidente instaurado.

    Kiyoshi Harada

    Kiyoshi Harada

    Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário – IBEDAFT.

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