Licitação, ordem judicial e ausência de ratificação   Migalhas
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Licitação, ordem judicial e ausência de ratificação – Migalhas

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Tema pouco abordado pela doutrina e pela jurisprudência é a ausência de ratificação pelo Prefeito ou autoridade responsável pelo processo licitatório.

Pensamos que a ratificação não é obrigatória na hipótese de recusa pela autoridade competente já que é ato manifestamente ilícito devendo ser solenemente ignorado pelo restante dos servidores civilizados do órgão público.

A ordem judicial configura uma emergência nos termos do art. 75, VIII da lei Federal 14.133/21. Assim:

“VIII – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para aquisição dos bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da data de ocorrência da emergência ou da calamidade, vedadas a prorrogação dos respectivos contratos e a recontratação de empresa já contratada com base no disposto neste inciso;”

O caso configura emergência assim reconhecida por determinação judicial. A documentação necessária também tem peculiaridades decorrentes da situação de emergência judicial.

DOCUMENTOS NECESSÁRIOS

Os documentos necessários devem ser interpretados no sentido de que serão juntados aos autos do processo de dispensa desde que não inviabilize o cumprimento da ordem judicial.

Os documentos, respeitada a observação acima, são: Documento de formalização de demanda Termo de referência ou equivalente: projeto básico e/ou executivo. Também deve haver indicação dos recursos orçamentários e parecer jurídico.

O Estudo Técnico Preliminar não é necessário, em regra, pois é um instrumento de planejamento e a existência da ordem judicial é prova cabal da falta de planejamento do objeto da referida ordem. Não há muito sentido em planejar-se aquilo que foi imposto, exatamente, pela falta de planejamento.  Diríamos que seria uma espécie de hipocrisia institucionalizada e crist

Além disso deve haver compatibilidade com os preços de mercado, negativa de débitos e qualificação. Por fim: autorização da autoridade coatora.

Nenhum documento listado é obrigatório caso gere o descumprimento da ordem judicial.

Já tivemos oportunidade de escrever que pode haver contrato mesmo com certidões positivas de débito se for impossível cumprir tal formalidade.

Nesse diapasão1 mesmo que não haja ordem judicial, a reserva do possível deverá ser observada.

O cumprimento de ordem judicial é pressuposto para a convivência civilizada no Estado Democrático de Direito. Qualquer formalidade que inviabilize o cumprimento da ordem judicial deve ser afastada.

BANALIZAÇÃO DO MAL

A criação de “entraves burocráticos” configura aquilo que “Hanna Arendt” denomina de “banalização do mal”. Somente em campos de concentração nazistas a burocracia pode superar o direito à vida manifestado na ordem judicial.

A maioria das ordens judiciais em face do Poder Público decorre de processos da área da saúde pública daí a comparação com o direito à vida. Ainda que não seja da área da saúde, seu cumprimento é dever jurídico inafastável sendo irrelevante o confronto com burocracias inúteis.

O “corpo mole” ou “Ergofobia” conforme já descrevemos2 pode dar ensejo até mesmo à prisão em flagrante já que é crime o descumprimento de ordem judicial.

Nesse sentido é que até mesmo a ausência de ratificação pelo Prefeito/autoridade responsável não é obrigatória, já que tal ratificação tem apenas a finalidade de evitar uma ação penal em face da mencionada autoridade.

 Desta forma, a ordem do prefeito/autoridade responsável em sentido diverso ou sua omissão não podem dar ensejo ao descumprimento da ordem judicial e deve, obviamente, ser ignorado por ser manifestamente ilícita.

Podemos imaginar, até mesmo, o cabimento da prisão em flagrante daquele (s) que cria obstáculos ao cumprimento da ordem judicial.

PUBLICIDADE

O parágrafo único do art. 72 prevê a publicação em sítio oficial. Porém, a regra geral. Porém, o art. 175 confere natureza facultativa ao site oficial, prevendo o PNCP – Portal Nacional de Contratações Públicas.

Assim:

“Art. 175. Sem prejuízo do disposto no art. 174 desta lei, os entes federativos poderão instituir sítio eletrônico oficial para divulgação complementar e realização das respectivas contratações.”

Pensamos que a regra é aplicável também às dispensas já que o PNCP confere maior publicidade do que o sitio oficial do ente público. A publicidade da dispensa apenas no PCNP não gera nenhuma irregularidade já que a finalidade da norma (dar publicidade) foi efetivamente cumprida.

O relevante, pensamos, é a maior efetividade possível ao ato administrativo e não a forma utilizada. Como a publicação no PNCP e no site oficial não tem custo adicional, a cautela recomenda que as duas formas de publicidade sejam feitas, inobstante opinarmos pela suficiência do PNCP.

CONCLUSÃO

A ratificação não é obrigatória no caso de cumprimento de ordem judicial já que tem a finalidade apenas de evitar ação penal em face do prefeito/autoridade responsável pela licitação. A ordem diversa ou a recusa em ratificar a dispensa por ordem judicial é ordem manifestamente ilícita  e como tal deve ser tratada dando ensejo, eventualmente, à prisão em flagrante da autoridade que se recusa a dar cumprimento à ordem judicial.

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1 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-abr-10/licitacao-irregularidade-fiscal-e-a-reserva-do-possivel/

2 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/393095/nllc–ergofobia-e-fiscalizacao-dos-contratos-nllc

Laércio José Loureiro dos Santos

Laércio José Loureiro dos Santos

Mestre em Direito pela PUCSP, Procurador Municipal e autor do Livro, “Inovações da Lei de Licitações e polêmicas licitatórias”, 3ª Ed. Dialética, 2.024, n o prelo.

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