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Poucas faculdades nacionais ainda ensinam direito internacional privado, e com isso quase esquecemos que a lista dos elementos de conexão é extensa: lei do local da realização do ato (locus regit actus); lei da nacionalidade da pessoa física (lex patriae); lei da escolha dos contratantes (lex voluntatis); lei da celebração do contrato (lex loci contractus); lei do domicílio (lex domicilii); lei do local onde a coisa se encontra (lex rei sitae); lei do local onde a obrigação ou contrato deve ser cumprido (lex loci solutionis); lei do local onde se encontra o proprietário do bem móvel (mobilia sequuntur personam); lei do lugar onde o ato ilícito foi cometido (lex loci delicti); lei do local em cuja moeda a dívida está expressa (lex monetae); lei do local onde se procede à execução forçada de uma obrigação (lex loci executionis); lei do local onde corre a obrigação (lex fori); e lei do local do matrimônio (lex loci celebrationis).
Porém, numa mudança recente, o direito brasileiro optou por considerar nos contratos apenas dois dos elementos de conexão: a lei do domicílio e a lei do local onde corre a obrigação. A alteração no CPC assentou que a eleição de foro nos negócios jurídicos deve “guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação”.
Trataremos não dos contratos de consumo, com todas as suas peculiaridades. Mas dos contratos empresariais internacionais, que encontram-se em paridade a ponto de escolher onde litigar e poderão chamar para si, em algum momento, a disciplina do conflito de normas do Direito Internacional Privado pela plurilocalização.
Ao exigir que a eleição de foro guarde relação com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, o legislador, no afã de promover maior equidade nas relações contratuais e acesso à justiça, na linha do que nos parece um neoprocessualismo exacerbado, deixou de lado a autonomia da vontade das partes para escolherem o país e o tribunal em que pretendem litigar.
A autonomia das relações em Direito Internacional Privado ganhou solidez com a Escola Francesa. Charles Dumoulin defendia que a autonomia da vontade expressava-se quando da escolha do local para celebração de um negócio, que levaria a submeter-se automaticamente às leis daquele local, por sua própria escolha.
A solução de controvérsias é, na verdade, uma prestação de serviço, que pode ser feita por tribunais judiciais ou outros métodos, como a arbitragem comercial internacional. Com isso, no sentido de uma livre concorrência entre as cortes, “[c]onferir liberdade às partes em relação à escolha de um tribunal nacional significa admitir que elas não precisam ser tuteladas quanto às suas decisões negociais e podem, em consequência, eleger o foro que melhor lhes aprouver, quer pela sua notória especialidade na matéria, quer pelos custos dos serviços advocatícios, ou, ainda, pela celeridade e qualidade do aparelho judiciário”1.
Contudo, não é mais isso que se observa a partir da alteração legislativa. A escolha do foro pelas partes foi tutelada de tal forma a reduzir aqueles treze elementos de conexão mencionados no início para apenas dois. Na contramão das legislações modernas, o Brasil, que tem uma posição privilegiada nas relações internacionais, parece se aproximar ao extremo do que Savigny conceituou como “lei mais próxima”: que deve-se aplicar as leis mais próxima da relação obrigacional.
Para Maristela Basso, “o grau de desenvolvimento e maturidade juri’dica de um pai’s pelo respeito que este da’, em suas normas, ao ‘elemento estrangeiro’. Quando mais respeita, mais certeza podemos ter quanto a` justic¸a e equidade das deciso~es judiciais dos casos jusprivativistas mistos/multinacionais”2.
E esse elemento estrangeiro está cada vez mais presente nos contratos empresariais. A evolução trouxe-nos ao mundo globalizado, com um forte intercâmbio de mercadorias, capitais, serviços e pessoais. O gera, por consequência, um forte intercâmbio de conflitos transnacionais, os quais merecem ter assegurada não apenas a eficácia da eleição de foro pelas partes, mas também os julgamentos daí resultantes.
Como dito, não vemos o problema sob a ótica dos contratos consumeristas, que, se assim fosse, até nos parece fazer sentido. Vemos, por outro lado, um conflito anunciado para os contratos em que as regras são a ampla autonomia dada à pactuação das cláusulas e o respeito aos riscos alocados discricionariamente, como são os contratos empresariais, principalmente os plurilocalizados.
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1 ARAÚJO, Nadia de; GAMA JR, Lauro; SPITZ, Lidia. Cláusula de eleição de foro estrangeiro. Comitê Brasileiro de Arbitragem, São Paulo, 29 abr. 2012. Disponível em: https://cbar.org.br/site/valor-economico-clausula-de-eleicao-de-foro-estrangeiro/. Acesso em: 10 jun. 2024.
2 BASSO, Maristela. Curso de Direito Internacional Privado. Sa~o Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 7.
Davi Ferreira Avelino Santana
Graduando em Direito na Universidade Católica do Salvador com intercâmbio na Universidade do Porto e extensão na Pontificia Università Lateranense di Roma