A reforma tributária e os desafios do setor elétrico brasileiro   Migalhas
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A reforma tributária e os desafios do setor elétrico brasileiro – Migalhas

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A tributação incidente sobre o consumo no Brasil é notoriamente complexa, regressiva, ineficiente e disfuncional, gerando altos índices de disputas judiciais e custos de compliance. Essa situação contribui para a falta de clareza, prejudica a atividade econômica e cria obstáculos para investimentos no setor produtivo do país.

A promulgação da EC 132/23 marca um momento de transformação no cenário tributário brasileiro. A reforma tributária proveniente da aprovação da PEC 45/2019 insere no nosso Sistema Constitucional Tributário dois novos tributos –  o IBS – Imposto sobre Bens e Serviços e da CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços – buscando simplificar e tornar mais eficiente a tributação sobre o consumo no Brasil, atualmente sujeita a cinco tributos de diferentes competências federativas e múltiplas hipóteses de incidência1.

Com a recente apresentação do PLP 68/24 na Câmara dos Deputados, que visa a regulamentar as novas regras previstas na Constituição, surge a necessidade de avaliar os impactos da reforma tributária para os diversos setores da cadeia de consumo, entre eles o setor elétrico.Parte superior do formulário

Composto por diferentes segmentos, desde a geração até o consumo final, passando pela transmissão, distribuição e comercialização, o setor elétrico desempenha um papel fundamental no desenvolvimento do país, sendo um dos mais importantes e estratégicos setores de infraestrutura. Segundo dados divulgados pelo IBGE, a energia elétrica contribuiu positivamente para os resultados do PIB do terceiro trimestre de 2023, tendo as atividades de eletricidade, gás, água, esgoto e gestão de resíduos registrado crescimento de 5,8% na comparação com o mesmo período de 2022.

Dada à sua importância para a economia nacional e para garantir a qualidade de vida da população em geral – a essencialidade da energia elétrica foi, inclusive, reconhecida pela LC 194/22 -, eventual redução da tarifa de energia elétrica traz resultados extremamente positivos para a sociedade, como o aumento da circulação de riqueza2, além de diminuição da inadimplência e do furto de energia.

Com efeito, a tributação da energia elétrica tem impacto direto na formação do preço cobrado do consumidor, uma vez que a carga consolidada de tributos (ICMS, PIS e Cofins) e encargos setoriais representa mais de 40% do valor da tarifa energia elétrica, de acordo com estudo feito pela Acende Brasil em parceria com a Pwc. Por esse motivo, a aprovação da reforma tributária tem levantado uma série de discussões e preocupações no setor elétrico.

Especificamente quanto aos potenciais impactos para o setor elétrico, alguns pontos merecem destaque. O primeiro deles diz respeito à criação do Imposto Seletivo federal, que terá como objetivo desencorajar o consumo de bens e serviços que possam acarretar danos à saúde ou ao meio ambiente, seja por meio da produção, comercialização, importação ou extração desses bens.

Embora a Emenda Constitucional tenha excluído expressamente da incidência do Imposto Seletivo as transações envolvendo energia elétrica, o mesmo poderá incidir nas operações com petróleo, gás e combustíveis fósseis, podendo implicar em aumento dos custos das termelétricas que se utilizam desses insumos, com impactos no preço para o consumidor final.

Outra questão importante diz respeito à possível incidência do IBS e da CBS sobre os encargos setoriais, sobre a TUST – Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão e sobre a TUSD – Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição. Isso porque o PLP 68/24 estabelece que quaisquer valores pagos a título de tributos e preços públicos serão incluídos na base de cálculo do imposto e da contribuição. Ou seja, a menos que haja alguma disposição em contrário no texto aprovado, os encargos setoriais e as tarifas pelo uso do sistema elétrico irão integrar a base de cálculo dos novos tributos, seguindo a mesma linha de raciocínio da recente decisão do STJ no julgamento do Tema 986.

Nesse ponto, cabe destacar que a incidência do IBS e da CBS sobre a TUSD e a TUST pode implicar em bitributação. Isso ocorre porque as transmissoras e distribuidoras de energia elétrica já tributam integralmente suas receitas, incluindo os valores recebidos dos consumidores finais referentes à TUSD e à TUST. Assim, aplicar o IBS e a CBS diretamente sobre essas tarifas resultaria em um duplo pagamento de impostos sobre a mesma base de receita.

Outra importante alteração introduzida pela reforma tributária diz respeito ao REIDI – Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura, benefício bastante utilizado pelo setor elétrico. Embora o REIDI tenha sido mantido pelo PLP 68/24, o benefício poderá sofrer alterações, dentre as quais se destaca o possível fim da co-habilitação de pessoas jurídicas que aufiram receitas decorrentes da execução por empreitada de obras de construção civil, contratadas diretamente pela beneficiária do REIDI.

Como pontos positivos da reforma, destaca-se a determinação de que os novos tributos sigam uma alíquota padrão definida pelo Senado Federal para todos os bens e serviços e sejam fixados por legislação específica de cada ente federativo. Essa mudança traz reflexos positivos para o setor, reduzindo as complexidades operacionais atualmente enfrentadas, uma vez que atualmente cada ente federado define a sua alíquota de ICMS (observado o princípio da seletividade em função da essencialidade definida no Tema 745 da Repercussão Geral e na LC 194/22), gerando altos custos de conformidade fiscal.

Ainda sobre as mudanças positivas introduzidas pelo texto de regulamentação, há a previsão de que a incidência do IBS e da CBS se dará “por fora” (isto é, os tributos não comporão sua própria base de cálculo), representando uma alteração fundamental em relação aos modelos anteriores, que contribuirá para a busca da não cumulatividade plena.

Por fim, outro ponto positivo é a devolução obrigatória do IBS nas operações de fornecimento de energia elétrica ao consumidor de baixa renda, conhecida como “cashback,” como uma medida específica para reduzir desigualdades de renda. O PLP estipula que, no momento da cobrança das operações de fornecimento de energia elétrica, a devolução será de 50% para a CBS e 20% para o IBS, cabendo aqui ressaltar a importância de a devolução dos valores ocorrer sem burocracia, na própria conta de energia elétrica.   

Durante o período de transição, é possível que surjam incertezas relacionadas à interpretação e aplicação das recentes normas tributárias. Torna-se importante acompanhar os próximos desdobramentos, especialmente considerando a necessidade de se avançar ainda mais nas questões relacionadas às novas tecnologias e aos aspectos da transição energética.

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1 IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISSQN.

2 Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que uma redução de 10% no valor da tarifa impacta diretamente no aumento do Produto Interno Bruto (PIB) em 0,45% por ano, no mínimo. Link da matéria:

https://portalantigo.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=39296

Bárbara Machado Rodrigues Morais

Bárbara Machado Rodrigues Morais

Advogada do escritório Rolim, Goulart, Cardoso Advogados. Graduanda em Ciências Contábeis pela Universidade FUMEC. Pós-graduada em Direito da Energia pelo Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN). Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Pós-graduada em Direito Tributário pela Faculdade Damásio. Graduada em Direito pela Faculdades Milton Campos.

Rolim Goulart Cardoso Advogados Rolim Goulart Cardoso Advogados Aline Ferreira Fonseca

Aline Ferreira Fonseca

Advogada do escritório Rolim, Goulart, Cardoso Advogados. Pós-graduanda em Direito do Agronegócio pela Instituição Legale Educacional. Pós-graduada em Direito Tributário pela Escola Brasileira de Direito. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.

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