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A 4ª revolução industrial, com início na virada do século e marcada pela IA, aprendizagem automática, softwares e redes tem impactado e transformado toda a sociedade. As tecnologias estão se tornando cada vez mais sofisticadas, integradas e acessíveis causando ruptura com a 3ª revolução industrial (SCHWAB, 2016).
No aspecto produtivo as tecnologias estão cada vez mais incorporadas na organização do trabalho acarretando a criação de novas profissões e modelos de negócio.
No Brasil, por exemplo, a Associação Brasileira de Startups informa que há no país 12,7 mil Startups com faturamento médio anual de R$ 876.000,00 e média de 15 colaboradores, cada. (Associação Brasileira de Startups).
Pesquisas realizadas no ano de 2022 pelo IBGE constataram que 89,9% das indústrias de médio e grande porte já utilizavam ao menos uma tecnologia digital avançada.
Nestes novos modelos de negócio surgem, as chamadas plataformas virtuais que são “infraestruturas digitais que possibilitam a interação de dois ou mais grupos”, (SNIRCEK, 2017). Estas empresas, detentoras de uma tecnologia disruptiva alteraram diversos setores econômicos de maneira definitiva, são exemplos destas empresas: Uber, Netflix, Airbnb, entre outras.
Importante mencionar ainda as big techs como Amazon, Google, Apple, Meta, que continuam a impactar a economia global com seus produtos e serviços cada vez mais disruptivos.
Como consequência desta ruptura na economia também houve rompimento com modelos tradicionais de organização do trabalho como o Fordismo, Taylorismo, Toyotismo e outros. Modelos de organização industrial que avançaram também para fora das fábricas alcançando outros setores econômicos. Algumas características destes modelos são:
Já nos novos modelos de negócio, especialmente no chamado capitalismo de plataforma, consolida-se o trabalho por demanda (just-in-time) que para a estudiosa Ludmila Abilio, 2021, é o trabalhador “autogerente-subordinado”, autônomo, arcando com os riscos do “empreendimento” e sem legislação trabalhista específica para o proteger (exemplos: motoristas de aplicativo).
Sobre esta nova organização do trabalho nas chamadas plataformas digitais algumas características são comuns: flexibilidade do tempo (o trabalhador escolhe os momentos em que irá prestar serviço), externalização dos trabalhadores (ausência de local certo e determinado para trabalhar), utilização de tecnologia para a prestação de serviço: inteligência artificial, algoritmos, smartphones, entre outros.
Outro avanço tecnológico que promete impactar o trabalho e sua forma de organização são os chamados mundos imersivos ou metaverso. Muito embora, esta nova realidade pareça distante empresas como Microsoft, Meta e Amazon já desenvolvem programas que possibilitam a realização de diversas atividades dentro destes novos mundos imersivos.
Adriano Jannuzzi, 2023, aduz que: “o metaverso apresenta um cenário propício para a criação e exploração de empregos virtuais, oferecendo uma ampla gama de possibilidade para os trabalhadores”.
Entretanto, a pergunta que se faz, objeto de investigação deste artigo é: a legislação trabalhista brasileira está pronta para acompanhar a economia de plataformas e os avanços tecnológicos da sociedade?
E a resposta é apenas uma: não.
A CLT trabalhistas entrou em vigor no ano de 1943 momento histórico, econômico, político e cultural completamente diverso do atual e mesmo com as alterações realizadas ao longo do tempo a CLT não se modernizou o suficiente para abarcar as novas relações de trabalho.
O próprio conceito de empregado e os requisitos para configuração do vínculo de emprego já não são suficientes para proteger empregado e empregador, na medida em que os requisitos necessários para tanto não mais se enquadram nas modernas relações de trabalho.
A flexibilidade, por exemplo, vai de encontro com a habitualidade e subordinação. O trabalhador de plataforma pode escolher os dias e horários de trabalho, que melhor atendam às suas necessidades e estilo de vida, podendo ainda prestar serviços para plataformas concorrentes (Uber, 99, entre outros) disponibilizando sua força de trabalho para diversas empresas.
Já a subordinação, elemento indissociável para caracterização do vínculo, tem sido constantemente reformulado para se adaptar a esta nova realidade. Doutrina e jurisprudência falam em subordinação estrutural e subordinação algorítima.
Sobre o conceito clássico de subordinação, Maurício Godinho Delgado, 2006, conceitua como sendo: “situação jurídica que se expressa por meio de certa intensidade de ordens oriundas do poder diretivo empresarial, dirigidas ao empregado”.
A subordinação é na verdade o que diferencia o emprego (regido pela CLT) e a prestação de serviço autônoma (natureza comercial). A subordinação limita a autonomia da vontade do empregado submetido às ordens do empregador. (ZAPATA, 2010).
Já a subordinação estrutural caracteriza-se quando o trabalhador encontra-se inserido na estrutura organizacional da empresa, mesmo não recebendo ordens diretas sobre como a prestação deve ser realizada.
De acordo com esta teoria qualquer trabalhador que participa da organização produtiva da empresa, sem uma organização produtiva própria, deveria ser considerado empregado com direito a carteira assinada e direitos trabalhistas.
Mais recentemente criou-se o conceito de subordinação algorítima quando o controle do trabalhador ocorre através de ferramentas tecnológicas:
“Assim, será dita “subordinação algorítmica” aquela em que o controle do trabalho é definido por uma sequência lógica, finita e definida de instruções e se desenrola via ferramentas tecnológicas, tais como aplicativos”. (Denise Pires Fincato e Guilherme Wünsch, 2020).
Ambos os conceitos, subordinação estrutural e algorítima, são criações doutrinárias elaboradas para enquadrar como emprego também estas novas relações trabalhistas, o que é um equívoco.
Cediço que o direito é um fato social e como tal deve seguir a sociedade, todavia, o sistema jurídico previsto inclusive na Constituição Federal é o civil law, ou seja, o ordenamento jurídico brasileiro tem como base a lei (atribuição do Poder Legislativo), inciso II, art. 5º, inciso I, art. 22, art. 48.
Logo, conceber que as novas relações de trabalho sejam consideradas de emprego baseando-se nos conceitos de subordinação estrutural e algorítima é inconstitucional e fere também o Princípio da Separação dos Poderes, art. 2º da Constituição Federal.
Um exemplo clássico desta dinâmica legislativa é a lei 4.886/65 que regulariza as atividades dos representantes comerciais autônomos. O representante, especialmente quando exclusivo de uma marca, de fato passa a integrar a estrutura produtiva da empresa, todavia, por uma opção legislativa não pode ser enquadrado como empregado com carteira assinada e direitos trabalhistas. Se aplicarmos as teorias da subordinação estrutural e algorítima poderíamos afastar a legislação para reconhecer o vínculo de emprego, o que é no mínimo absurdo.
Não há como negar a vulnerabilidade do trabalhador nas diversas relações de trabalho existentes, todavia, admitir que estas novas dinâmicas trabalhistas sejam consideradas de emprego, sem uma legislação especifica, é admitir e “carimbar” a insegurança jurídica no Brasil e afastar investimentos.
A título ilustrativo, de como a legislação trabalhista e o poder judiciário interferem nos investimentos de um país, recentemente noticiou-se que o Ministro Barroso criará um grupo de estudo para entender a litigiosidade trabalhista no Brasil: “Só sabemos o custo de uma relação de trabalho no Brasil depois que ela termina. (…) Tudo o que encarece e diminui a atratividade do Brasil e que passa pelo Judiciário nós devemos ser capazes de equacionar”.
Portanto, não há dúvidas de que a melhor saída é modernizar a CLT para resolver o imbróglio jurídico.
Outra questão interessante se faz em relação ao pagamento de salário, a onerosidade, também requisito do vínculo empregatício. Com o surgimento da tecnologia blockchain surgiram as criptomoedas, sendo uma das mais conhecidas e valorizadas o bitcoin, que atualmente sob o ponto de vista jurídico é considerado bem jurídico móvel incorpóreo (art. 83, III, do Código Civil Brasileiro) Paiva Gomes, 2022.
Importante também ressaltar que as criptomoedas são totalmente digitais e sem emissão de qualquer governo.
Assim, pergunta-se: é possível o pagamento de salário através das criptomoedas? Atualmente, evidente que não. Todavia, conforme já dito, a evolução da sociedade trará um tempo em que coexistiremos com mundos imersivos e moedas próprias, e qual será a solução? Seria possível pensar na possibilidade de pagamento misto: real e criptomoedas?
O art. 458 da CLT assim preceitua:
“Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações “in natura” que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas”.
Pela literalidade da lei e ainda considerando o sistema financeiro brasileiro não é possível atualmente efetuar o pagamento de salário através de criptomoedas. Todavia, também neste aspecto seria algo a se pensar e estudar: pagamento de salário ou parte dele ou pagamento de premiações através de criptomoedas.
Evidente que ainda há muito a ser estudado, todavia, uma coisa é certa: precisamos mudar a mentalidade e nos adaptar às alterações tecnológicas. É preciso que o direito acompanhe as novas formas de trabalho e não que ignore ou apenas critique.
Inclusive nesse sentido, bastante interessante seria se a competência da Justiça do Trabalho se elastecesse para abarcar também relações não regidas (atualmente) pela CLT, abrangendo todas as relações de trabalho, desde que a prestação de serviço fosse realizada por uma única pessoa física dona se sua força de trabalho, organização e meios de produção.
Por todo o exposto, é evidente que a Justiça do Trabalho, bem como a legislação trabalhista encontra-se defasada e em desacordo com os ditames da sociedade merecendo uma reforma completa.
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ABÍLIO, Ludmila Costhek. Uberização, autogerenciamento e o governo da viração. Revista Margem Esquerda. n. 36. São Paulo: Boitempo, 2021.
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ANTUNES, Ricardo (org.). 2020. Uberização, trabalho digital e indústria 4.0 1. ed. São Paulo: Boitempo.
Barroso anuncia grupo de trabalho para entender litigiosidade trabalhista no Brasil: migalhas, acesso em https://www.migalhas.com.br/quentes/402861/cnj-tera-grupo-de-trabalho-para-entender-litigiosidade-trabalhista acessado em 05 de maio de 2024.
DEJOURS, C. (1992). A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho (5ª ed.). São Paulo: Cortez-Oboré.
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Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups, matéria do: Associação Brasileira de Startups: file:///C:/Users/55349/Downloads/Mapeamento%20de%20Ecosssistema%20de%20Startups%202023.pdf, acessado em 05 de maio de 2024.
PAIVA GOMES, Daniel; PAIVA GOMES; Eduardo. CONRADO, Paulo (org). Criptoativos, Tokenização, Blockchain e metavberso: aspectos filosóficos, tecnológicos, jurídicos e econômicos. São Paulo. Thonson Reuters Brasil Conteúdo e Tecnologia LTDA, 2022.
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SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo. Edpro, 2016.
SNIRCEK, Nick. Platform Capitalism. Cambridge: Polity Press, 2017.
ZAPATA, Daniela. A Subordinação Estrutural Como Mecanismo De Modernização Do Direito Do Trabalho, dissertação Programa de Pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Kátia Silva Alves
Advogada Trabalhista Empresarial. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Pós-Graduação em Processo Civil – USP (Universidade de São Paulo). Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho – USP (Universidade de São Paulo). Pós-Graduanda em Jurimetria (a estatística aplicada ao direito). Direito, inteligência e inovação – PUC/PR. Associada à AMAT (Associação Mineira dos Advogados Trabalhistas). Associada à ABJ (Associação Brasileira de Jurimetria).