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Não é novidade que o Brasil está entre os países com as maiores taxas de cesáreas do mundo, ultrapassando amplamente os índices recomendados internacionalmente. Muitas vezes, essa prática médica desconsidera a real necessidade de sua realização, priorizando o procedimento cirúrgico em detrimento do parto normal, o que acaba expondo mães e bebês a riscos desnecessários.
Há, portanto, um afastamento das justificavas médicas legítimas para a realização da cesariana, que deveria ser indicada apenas quando há um risco iminente à saúde da mãe ou do bebê. Esse cenário ressalta a importância de reavaliar as práticas obstétricas no Brasil, incentivando o parto normal como uma alternativa mais segura e benéfica na maioria dos casos.
O problema se agrava no contexto da saúde suplementar, onde o modelo de atenção obstétrica tende a priorizar o parto cesárea, resultando em um número elevado de cirurgias não justificadas realizadas anualmente. Tal prática reflete um desvio da assistência obstétrica adequada, favorecendo intervenções desnecessárias que podem trazer riscos adicionais para mães e bebês.
Ciente dessa realidade desde 2004, a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar tem trabalhado para sensibilizar o setor sobre a necessidade de adotar o parto normal como principal procedimento pelas operadoras de planos de saúde, o objetivo é alinhar a prática obstétrica no Brasil com padrões internacionais de excelência, promovendo maior segurança e eficiência nos cuidados à saúde materno-infantil.
Exemplo disso é que, em 2015, a ANS criou o movimento denominado parto adequado, com o objetivo de estimular a mudança do modelo de atenção ao parto e nascimento nas operadoras de planos de saúde, incentivando a adoção de boas práticas que valorizem o parto normal e reduzam o percentual de cesarianas desnecessárias. A iniciativa visa, sobretudo, melhorar a qualidade do atendimento, garantindo mais segurança para mães e bebês, além de alinhar as práticas obstétricas brasileiras às recomendações internacionais.
O movimento já vem apresentando resultados positivos, com a diminuição do número de cesáreas realizados nos prestadores participantes do programa. Conforme estudo realizado pela USP – Universidade de São Paulo, no período de 2015 a 2019, os hospitais incluídos no programa, reduziram em 14% o número de cesarianas, enquanto nos hospitais que não aderiram ao programa, a redução foi de 3%.
A participação de enfermeiros obstétricos e obstetrizes nos modelos de atenção ao parto e nascimento tem se mostrado essencial para o aumento de partos naturais e espontâneos, além de contribuir significativamente para a redução de intervenções cirúrgicas. Esses profissionais desempenham um papel crucial na assistência durante o pré-natal, parto normal e pós-parto, oferecendo suporte contínuo e qualificado às gestantes. Reconhecendo essa importância, a ANS incorporou no rol de procedimentos a possibilidade de acompanhamento por enfermeiro obstetra ou obstetriz, visando prestar assistência completa ao pré-natal, parto normal e pós-parto. A inclusão desses profissionais tem como objetivo promover uma atenção obstétrica mais humanizada e segura, ao garantir que as gestantes recebam cuidados personalizados e baseados em evidências, contribuindo para melhores desfechos maternos e neonatais.
No contexto legal, a lei 7498/96, que regulamenta o exercício da enfermagem no Brasil, define no art. 6º, inciso II, como enfermeiro “o titular do diploma ou certificado de obstetriz ou de enfermeira obstétrica, conferido nos termos da lei;”. Além disso, dentre as atividades de enfermagem, estabelece que compete aos enfermeiros a “atuação no acompanhamento da evolução e do trabalho de parto” e “execução do parto sem distocia”. No que se refere às competências específicas, o parágrafo único do art. 11 da mesma lei atribui aos enfermeiros obstétricos e obstetrizes a responsabilidade de: a) Assistência à parturiente e ao parto normal; b) Identificação das distocias obstétricas e tomada de providências até a chegada do médico; c) Realização de episiotomia e episiorrafia e aplicação de anestesia local, quando necessária.
No âmbito da saúde suplementar, a obrigatoriedade da cobertura para enfermeiros obstétricos e obstetrizes tem fundamento no §1º da RN 398/16, que estabelece que o acompanhamento do trabalho de parto e próprio parto podem ser realizados por qualquer profissional de saúde habilitado. A RN 465/21 reforça essa cobertura, dispondo, no art. 6º, que o pré-natal, o parto normal e o pós-parto podem ser conduzidos por enfermeiro obstétrico ou obstetriz habilitados, respeitando os critérios de credenciamento, referenciamento e reembolso entre operadoras de saúde e prestadores.
Ainda nesse sentido, para garantir a cobertura de consultas com enfermeiro obstetra ou obstetriz, a diretriz de utilização 135, prevista no anexo II, da RN 465/21, estabelece a obrigatoriedade de até seis atendimentos durante o pré-natal e dois no puerpério, desde que atendidos certos critérios e que as consultas sejam solicitadas por escrito pelo médico responsável pelo cuidado da gestante.
A assistência ao pré-natal, parto normal e pós-parto, por enfermeiro obstétrico ou obstetriz habilitados, em apoio ao acompanhamento médico representa um avanço significativo na legislação suplementar, sobretudo quando se busca boas práticas que aumentam a resolutividade no cuidado durante a gestação, parto e puerpério, garantindo um atendimento de qualidade para mães e bebês, além de fomentar a humanização do parto no Brasil.
É essencial reconhecer que incentivar essa abordagem não apenas promove uma assistência mais humanizada e centrada na paciente, mas também contribui para uma gestão de custos mais eficiente e estratégica. A diminuição das cesarianas, que são procedimentos de maior complexidade e custo, resulta em economia direta, tanto no processo de internação quanto nos cuidados pós-operatórios, como a recuperação prolongada e o aumento do risco de complicações.
Além disso, a integração de enfermeiros obstétricos no acompanhamento da gestante, conforme estabelecido pela ANS, otimiza os recursos ao garantir que profissionais qualificados ofereçam suporte contínuo e preventivo, o que aumenta a resolutividade e diminui a necessidade de intervenções emergenciais ou custosas. A sustentabilidade financeira a longo prazo, aliada à melhora nos indicadores de saúde materno-infantil, reforça a importância desse estímulo por parte das operadoras.
Incentivar o parto normal e assegurar a presença de enfermeiros obstétricos não só eleva a qualidade do atendimento às gestantes, como também se integra a uma estratégia econômica sólida, garantindo a eficiência na alocação de recursos e o fortalecimento da competitividade das operadoras no mercado de saúde suplementar.
Marcela de Medeiros Barreto Seguins
Advogada do Bhering Cabral Advogados