STJ julga se há racismo na obra
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STJ julga se há racismo na obra “Caçadas de Pedrinho” – Migalhas

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Nesta quarta-feira, 11, a 1ª seção do STJ começou a apreciar se há racismo na obra “Caçadas de Pedrinho”, do escritor Monteiro Lobato. Em 2020, o STF entendeu que não tinha competência para julgar a matéria e acolheu embargos de declaração para determinar a remessa dos autos ao STJ.

Na sessão de hoje, após o voto do relator, ministro Gurgel de Faria, pela denegação do mandado de segurança, o ministro Benedito Gonçalves pediu vista dos autos.

 (Imagem: Divulgação/Arte Migalhas)

STJ julga se há racismo na obra “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato.(Imagem: Divulgação/Arte Migalhas)

O caso

Em 2010, o CNE – Conselho Nacional de Educação determinou que os livros não fossem mais distribuídos às escolas públicas. Para justificar a proibição, o Conselho destacou trechos da obra. Um deles diz: “É guerra e das boas. Não vai escapar ninguém – nem Tia Anastácia, que tem carne preta”. Outro trecho da obra narra que “Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão.”

Mesmo com a determinação, o ministério da Educação recomendou que o CNE reconsiderasse a decisão. Houve a anulação do veto, mas o Conselho indicou que as próximas edições do livro viessem acompanhadas de uma nota técnica que instruísse o professor a contextualizar a obra ao momento histórico em que ela foi escrita.

O caso chegou ao Supremo em 2011 por meio de um mandado de segurança de autoria do Iara – Instituto de Advocacia Racial e do técnico em gestão educacional Antônio Gomes da Costa Neto. Ambos afirmaram que a obra de Monteiro Lobato possui “elementos racistas”.

No STF, os autores disseram que “não há como se alegar liberdade de expressão em relação ao tema, quando da leitura da obra se faz referências ao ‘negro’ com estereótipos fortemente carregados de elementos racistas”.

Cronologia

Em setembro de 2012, foi realizada uma audiência de conciliação, convocada pelo ministro Fux, com representantes do ministério da Educação e do Iara. A audiência, no entanto, terminou sem acordo.

Em outubro do mesmo ano, o ministro Fux deferiu o ingresso, como assistentes, de Joyce Campos Kornbluh e Jerzi Mateusz Kornbluh, herdeiros do escritor Monteiro Lobato.  À época, Fux levou em conta a qualidade de herdeiros e de detentores dos direitos autorais da obra de Lobato.

Anos mais tarde, em 2014, Fux negou seguimento ao MS. Para ele, o STF não tem competência para apreciar mandado de segurança impetrado contra o ato do então ministro da Educação, que homologou parecer do Conselho Nacional de Educação pela liberação do livro, sem nota explicativa sobre racismo. Veja a decisão de Fux. 

Diante da decisão, foram interpostos agravos regimentais, que seriam julgados em 2017, se não tivessem sido retirados da pauta. Em maio, Toffoli determinou novamente a inclusão do processo na pauta. O Tribunal, por unanimidade, negou provimento.

Em 2020, em julgamento no plenário virtual sob relatoria do ministro Toffoli, a 1ª turma reconheceu que se omitiu ao não determinar a remessa do feito à Corte competente, no caso, o STJ.  Segundo voto do relator, a omissão colocaria “em risco o direito de ação dos embargantes”. Assim, para sanar a omissão, determinou a remessa imediata dos autos ao STJ.

Voto do relator

O relator do caso no STJ, ministro Gurgel de Faria, destacou em seu voto que, pela via utilizada, não seria possível analisar o mérito da questão propriamente dita.

“A concessão da ordem em mandado de segurança exige a existência de prova pré-constituída da ocorrência de ato ilegal que tenha implicado em violação de direito subjetivo da parte impetrante. No caso, observa-se que a impetração foi realizada por dois sujeitos de direito: um particular e um instituto, associação de natureza privada. Não foi provado como o ato impugnado, o parecer do Conselho Nacional de Educação nº 6/11, editado com a finalidade de orientar escolas, educadores e sistemas de ensino quanto ao tratamento dos estereótipos raciais na literatura, possa ter ofendido a esfera jurídica do particular ou dos associados da segunda entidade, o que demonstra o mau uso do mandado de segurança nesta espécie.”

Segundo o ministro, quanto à associação impetrante, ainda que se cogitasse a utilização do mandado de segurança na qualidade de writ coletivo, para admiti-lo como um instrumento amplo de proteção de direitos difusos, a impetração, ainda assim, não prosperaria. “A simples leitura do conteúdo do ato impugnado deixa claro que houve total preocupação do poder público com a questão étnico-racial”, afirmou.

“Se, por um lado, o parecer reconheceu a importância histórico-literária da obra ficcional de Monteiro Lobato, por outro, orientou que o emprego daquela e de outras obras fosse realizado de acordo com a política de educação antirracista. Essa política deverá ser desenvolvida por profissionais da educação e não, no meu entender, por meio do Judiciário. O administrador, no caso, atuou dentro dos limites de sua discricionariedade técnica, não cabendo ao Judiciário, em regra, imiscuir-se no mérito do ato.”

Ainda de acordo com o relator, para aferir se, em relação ao valor histórico da obra ficcional, ela deveria ser proibida, seria necessária uma discussão com dilação probatória, algo muito além do que é possível no âmbito de um mandado de segurança.

Conforme afirmou Gurgel de Faria, outras ações seriam mais adequadas: para o particular, aplica-se o comando da Súmula 101 do STF, segundo a qual o mandado de segurança não substitui a ação popular. Em relação à associação, segundo S. Exa., caberia ter veiculado a pretensão por meio de ação própria, que, na visão do relator, seria uma ação civil pública.

Assim, denegou a ordem. Em seguida, o ministro Benedito pediu vista.

O advogado Humberto Adami sustentou oralmente na sessão.

A obra

“Caçadas de Pedrinho” é um livro infantil escrito por Monteiro Lobato e publicado em 1933. A trama começa com a descoberta do Marquês de Rabicó: uma onça está rondando as redondezas do Sítio do Picapau Amarelo. Determinados a capturar a fera, Pedrinho e Narizinho organizam uma expedição, sem informar Dona Benta ou Tia Nastácia, que certamente se oporiam à aventura. Durante a caçada, eles encontram Quindim, um rinoceronte falante, e decidem levá-lo para viver no sítio. Nesta aventura, somos apresentados à menina Cléo, inspirada na filha de um amigo e sócio de Monteiro Lobato.

O livro “Caçadas de Pedrinho” teve origem em “A Caçada da Onça”, escrito por Monteiro Lobato em 1924. Posteriormente, o autor ampliou a história, resultando no título que conhecemos hoje. O capítulo “O assalto das onças” sugere que a história ocorre antes do conto “Cara de Coruja”, enquanto “Emília vende o rinoceronte” indica que se passa após o conto “Pó de Pirlimpimpim”, de “Reinações de Narizinho”.

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