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A reforma do CC e a arbitragem nas sociedades limitadas – Migalhas

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No dia 17/5 foi apresentado ao Senado o anteprojeto de lei para revisão e atualização da lei 10.406, de 10/1/02, conhecido como Código Civil Brasileiro, que munido de atualizações no texto da lei, gerou reações controversas e divergentes entre os juristas.

Indo ao encontro da Comissão responsável pela revisão do Código Civil, parte dos advogados entendeu as modificações no referido ordenamento jurídico como adequadas e necessárias para manter a contemporaneidade da lei, uma vez que, apesar desta ter sido escrita há 20 anos, foi idealizada no século 19, cuja promulgação pode ser considerada até mesmo como ultrapassada1. Por outro lado, há aqueles que afirmam que apesar da lei ter sido escrita há duas décadas, o Código Civil foi alterado por cerca de 50 leis esparsas, acompanhando assim as modificações da sociedade, alegando também que o novo texto foi concebido inadequadamente e de forma inconsequente, não se atentando aos impactos que as mudanças, principalmente econômicas, causarão aos agentes econômicos, em especial aos governos e as empresas2.

Das alterações

Dentre o extenso rol de dispositivos alterados, o livro de Direito da Empresa foi fortemente revisado e uma das mutações foi no art. 997, que recepcionou três novos incisos, dos quais se destaca o inciso IX:

Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:

[…]

IX – se as disputas entre sócios e entre sócios e a sociedade serão decididas por arbitragem;3

O supracitado inciso IX indica que os Contratos Sociais deverão indicar expressamente se os conflitos societários serão resolvidos por arbitragem, uma modificação que objetiva forçar os sócios a refletirem sobre seu relacionamento empresarial, considerando a hipótese de possíveis conflitos e a forma que serão solucionados, por arbitragem ou foro judicial. 4

Além disso, a mudança obriga também aos sócios conhecerem o mecanismo da arbitragem, a fim de decidirem em conjunto com auxílio jurídico, sobre a sua aplicabilidade na sociedade a ser criada ou já existente. Como afirma Carlos Alberto Carmona, a pior forma de resolução de conflitos sempre será a via judicial, principalmente no direito societário, no qual os conflitos entre as partes refletem na atuação operacional da cia, bem como em seu crédito. Além disso, Carmona também reitera que na via judicial a maioria dos processos societários duram um longo período e as sociedades culminam na falência, recuperação judicial ou extrajudicial. Argumentos estes que fortalecem a motivação dos juristas, que redigiram o anteprojeto, em insistirem no conhecimento da arbitragem pelos sócios da sociedade5.

Ressalta-se que a referida modificação ocorre em um momento de constante aumento pela busca de métodos alternativos de resolução de conflitos. De acordo com a pesquisa “Arbitragem em Números e Valores”, de autoria da professora Selma Lemes, em 2005 haviam apenas 21 processos arbitrais em andamento, uma década depois foi contabilizado 222 novos casos, já em 2021 e 2022 foram feitos 658 novos registros processuais6. Somado a estes números, a CAM-CCBC – Câmara de Comércio Brasil-Canadá informou que em 2023 recepcionou um aumento de 14% novos casos, finalizando o ano com 117 novas arbitragens.

Vale lembrar também da mediação, que na mesma linha da arbitragem, vem sendo cada vez mais aceito e utilizado, afirmação que pode ser atestada quando observamos os resultados da pesquisa “Mediação em números: 10 Anos – 2012 a 2022”, coordenada por Daniela Monteiro Gabbay e Vera Cecília Monteiro de Barros, a qual indica que em 2022 foram feitos 26 requerimentos de mediação nas sete principais câmaras, enquanto em 2021 foram 120 requerimentos, ou seja, em menos de uma década os pedidos de mediação quase quintuplicaram.7

Além disto, é também verificável em ambas as pesquisas que a temática societária é protagonista nos requerimentos arbitrais e de mediação desde 2020 e 2018, respectivamente, o que nos demonstra um maior conhecimento das sociedades sobre o instituto alternativo de resolução de conflitos, bem como maior aderência pelas partes que compõe a sociedade.

É importante nos atentarmos que o inciso IX não obriga que a forma de solução de conflitos societários seja pela arbitragem, mas que se essa for a maneira escolhida, deverá ser disposta expressamente no contrato social.  Contudo, é observável que não há obrigatoriedade da disposição no instrumento societário se a maneira resolutória for o foro judicial, o que nos leva ao questionamento de que no silêncio do contrato social, será aplicado o foro necessariamente ou se os a arbitragem e a mediação também poderão ser consideradas.

Não podemos nos esquecer que o Código Civil legisla sobre as sociedades limitadas, que são pessoas jurídicas de estrutura mais simples e geralmente de menor porte quando comparadas com as sociedades anônimas, reguladas pela lei 6.404/76; somado a este ponto, devemos estar cientes que o instituto da arbitragem demanda poder econômico dos sócios, inclusive dos minoritários, visto que se trata de um mecanismo altamente oneroso. Assim, é questionável a razão pela qual o anteprojeto traz de maneira forçosa a tentativa de inserção da arbitragem nos contratos sociais, uma vez que na maioria da realidade das sociedades limitadas não há disponibilidade de recursos para custear o formato de resolução de conflitos.

Conclusão

É inegável a efetividade da arbitragem na resolução de conflitos, entretanto também é sabido que a aplicação deste instituto não é viável para todas e quaisquer sociedades, sobretudo em sociedades limitadas, as quais na maioria das vezes, possuem recursos financeiros mais modestos, o que as impossibilita de optar por esta forma de resolução de conflitos.

Desta forma, é observável que embora a intenção do anteprojeto seja de modernizar o Código Civil, especialmente no que tange a arbitragem e as sociedades limitadas, é factível que a modificação no art. 997 da lei 10.406/02 buscou incentivar os sócios a conhecerem o referido instituto de resolução de conflitos, porém é perceptível que não houve preocupação quanto a viabilidade prática da citada alteração, levantam assim, questionamentos sobre a real necessidade e utilidade dessa imposição no novo texto legal.

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1 Carlos Eduardo Pianovski, ” O anteprojeto de reforma do Código Civil é adequado?”, Folha de São Paulo, 2024, disponível em: O anteprojeto de reforma do Código Civil é adequado? SIM – 24/05/2024 – Opinião – Folha (uol.com.br), acesso em: 27 agosto. 2024.

2 Ana Frazão, Gisela Sampaio da Cruz Guedes e Mariana Pargendler, ” O anteprojeto de reforma do Código Civil é adequado? Não”, Folha de São Paulo, 2024, disponível em: O anteprojeto de reforma do Código Civil é adequado? NÃO – 24/05/2024 – Opinião – Folha (uol.com.br), acesso em: 27 agosto. 2024.

3 BRASIL. Anteprojeto de lei para revisão e atualização da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Código Civil. Dispõe sobre a atualização da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e da legislação correlata. Senado Federal, Brasília. Disponível em ARQUIVO_PORTAL_CJCODCIVIL_8050ComissaoESPComissaoCJCODCIVIL20240415.pdf. Acessado em 27 de agosto de 2024.

4 Estúdio Jota, “Proposta de novo Código Civil inclui a arbitragem em vários artigos”, Jota, 2024, disponível em: Proposta de novo Código Civil inclui a arbitragem em vários artigos (jota.info), acesso em: 27 ago. 2024.

5 CARLOS ALBERTO CARMONA; SELMA FERREIRA LEMES; PEDRO BATISTA MARTINS (Orgs.). 20 anos da Lei de Arbitragem: homenagem a Petrônio R. Muniz.

6 Joice Bacelo, “Arbitragem bate recorde com bilhões de reais em disputa”, Valor Econômico, 2023, disponível em: Arbitragem bate recorde com bilhões de reais em disputa | Legislação | Valor Econômico (globo.com), acesso em: 27 ago. 2024.

7 GABBAY, Daniela Monteiro; Barros, Vera Cecília Monteiro de. (Coord). Mediaçâo em Números: 10 Anos – 2012 a 2022. FGV Direito SP e Canal Arbitragem. São Paulo, 2023. Disponível em: Canal Arbitragem, acesso em 27 de agosto de 2024.

Pedro Gabriel Romanini Turra

Pedro Gabriel Romanini Turra

Advogado com atuação em questões societárias, contratuais e regulatórias. Professor de Direito Empresarial em cursos de graduação e pós-graduação.

Rubia Gouvea Andeassa

Rubia Gouvea Andeassa

Pós-graduanda no Master of Laws (LLM) em Direito Societário pelo Insper.

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