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Neste ano, celebra-se 200 anos de criação da magistratura de paz no Brasil, instituição que, ao longo da história, desempenhou papel fundamental na mediação de conflitos sociais e, atualmente, na oficialização de uniões civis.
A figura do juiz de paz foi instituída no período imperial, com a Constituição de 1824 (arts. 161 e 162) e foi regulamentada em 1827, por D. Pedro I.
O ofício foi criado como alternativa menos burocrática à Justiça Comum, para a resolução de pequenos conflitos e celebração de casamentos.
“No início, o juiz de paz tinha um papel central na extra judicialização dos conflitos, mediando desavenças locais para evitar processos demorados e caros”, explica o juiz de paz Rudyard Rios que atua no cartório 1 Ofício do Núcleo Bandeirante do TJ/DF.
No período imperial, a lei obrigava as partes a buscar o juiz de paz para obter carta de reconciliação, sem a qual não poderiam acionar o juízo comum.
“Cabe ressaltar que a Lei de 1827 misturava o importante com o insignificante, dando uma imagem paradoxal do juiz de paz: ora era um magistrado poderoso, ora um bufão; em certos momentos arbitrava importantes disputas legais ou comandava forças armadas; em outros, perseguia bêbados e dava sermão em prostitutas… A lei também era deliberadamente vaga. […] A extensão do Brasil e as suas diferenças regionais fizeram do juiz de paz uma instituição de grande variedade”, afirma o desembargador aposentado do TJ/RS e professor Wilson Carlos Rodycz.
Veja a entrevista:
Mudança nas atribuições
Na Era Vargas, a Constituição de 1934 trouxe reformas que alteraram as funções dos juízes de paz. Eles perderam parte de suas atribuições judiciais, mas continuaram a atuar em cerimônias de casamento civil e registros de nascimentos e óbitos.
Em 1969, o Ato Institucional 11 retirou a competência do juizado de paz.
Com a Constituição Federal de 1988, os juízes de paz ganharam destaque novamente. Ela prevê, no art. 98, II, a eleição popular desses juízes, cujas atribuições foram mantidas para a celebração de casamentos e conciliações de disputas menores.
A CF também deu margem para que os Estados regulamentassem as funções dos juízes de paz, variando as responsabilidades conforme cada unidade federativa.
Segundo Rudyard, em muitas localidades esses juízes são figuras essenciais em pequenas causas e no incentivo à conciliação. Também continua sendo uma figura essencial nos cartórios de registro civil, acompanhando o processo de habilitação e a celebração dos casamentos.
Ainda, diz que, em alguns países da Europa, os juízes de paz têm funções nos chamados “Julgados de Paz”, realizando conciliação entre os litigantes. Diante disso, o processo pode seguir dois caminhos: se o acordo for aceito pelas partes, o próprio juiz de paz o homologa. Do contrário, haverá prolação de sentença por juiz togado.
Casamento civil
A principal atribuição do juiz de paz, atualmente, é assegurar que o processo de casamento civil ocorra conforme os requisitos legais.
“O juiz de paz é responsável por acompanhar o casal, seja ele heterossexual ou homossexual, no processo de habilitação e durante a cerimônia civil, garantindo que todos os requisitos legais sejam atendidos”, explicou Rudyard.
Ele também destacou que essa atuação vai além do procedimento burocrático, permitindo ao juiz de paz estar presente em um momento significativo da vida dos nubentes.
“Com o casamento civil, uma série de direitos nasce, já que o status civil da pessoa muda, o que traz importantes consequências jurídicas”, observou.
Escolha, voto ou concurso?
A nomeação dos juízes de paz varia em cada Estado, mas a CF prevê o ingresso por meio de eleição. No DF, atualmente, o pleito não é realizado e há um processo seletivo conduzido pelo TJ.
Segundo Rudyard, a PEC 366/05, em tramitação no Congresso, visa regulamentar o dispositivo constitucional para que o ingresso na carreira se dê via concurso público.
“Apesar de o artigo 98 da Constituição Federal prever que o juiz de paz ingresse por meio do voto, há uma PEC, a 366 de 2005, que visa regulamentar esse artigo, propondo a entrada por concurso público.”
O juiz vê com bons olhos a PEC, que, se aprovada, uniformizará, em todo o país, a maneira de ingresso dos juízes de paz e detalhes de suas competências.
Importância do ofício
Rudyard compartilha visão otimista acerca do futuro dos juízes de paz, refletindo a importância de seu papel.
“Eu avalio com um olhar de esperança. Acredito que o juiz de paz faz uma diferença no cartório de registro civil, acompanhando aqueles nubentes que sonham em oficializar sua união civil através do casamento”, afirmou.
Ele descreve com emoção o que vivencia diariamente. “Eu vejo os olhos lacrimejando de felicidade por construir uma família”, disse.
Ao celebrar esses 200 anos, o sentimento predominante da Rudyard é de alegria e gratidão.
“Esses 200 anos que celebramos neste ano de 2024 nos trazem grande alegria por fazer parte dessa história. Celebrar os 200 anos da magistratura de paz, oficializando uniões civis e eliminando conflitos sociais, é uma grande alegria. Por isso, há sim um olhar de esperança, e celebrar este ano é uma grande alegria para todos nós”, concluiu o juiz.