Serventias extrajudiciais e os atos eletrônicos: Serviços mais céleres   Migalhas
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Serventias extrajudiciais e os atos eletrônicos: Serviços mais céleres – Migalhas

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Firmados como indispensáveis à sociedade brasileira, os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, conforme previsto em nossa CF/88, em seu art. 236. O diploma constitucional determina que tais serviços sejam fiscalizados pelo Poder Judiciário (§1º), com remuneração estabelecida por emolumentos fixados em lei específica (§2º), e cuja investidura na atividade depende de aprovação em concurso público (§3º). Seu sistema se caracteriza por procedimentos administrativos e técnicos que garantem e atribuem maior segurança jurídica aos usuários. Essa segurança jurídica advém da fé pública conferida a esses serviços, o que permite a autenticação e a consolidação da legalidade de seus atos extrajudiciais.

Cumpre ressaltar que, conforme disposto pela Carta Magna de 1988, a lei 8.935/94, que regulamenta o art. 236 da CF, define, em seu art. 1º, os serviços notariais e de registro como “aqueles de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”. Os tabeliães e registradores, por sua vez, devem ser profissionais do direito, devidamente aprovados em concurso público. Na prática, as serventias extrajudiciais desempenham um papel relevante tanto na vida civil dos cidadãos quanto no setor empresarial privado, uma vez que os atos notariais e registrais são imprescindíveis, por exigência legal, para a validação de determinados eventos civis ou comerciais. Exemplos práticos incluem o registro de casamento, o reconhecimento de firmas – essenciais para a formalização de negócios jurídicos -, a lavratura de testamentos, inventários e partilhas, escrituras de compra e venda, dação em pagamento. Enfim, inúmeras são as atribuições dos cartórios, à disposição da sociedade brasileira.

Com o crescimento das atividades extrajudiciais, houve um maior protagonismo na busca pela desjudicialização, o que fez com que as atividades cartorárias passassem a ser foco de estudos acadêmicos e doutrinários, recebendo mais atenção por sua eficiência e qualidade. Não são poucas as demandas, sejam comerciais ou civis, que requerem procedimentos notariais ou registrais, e tais atos, em regra, eram realizados de forma presencial. Contudo, mudanças significativas ocorreram. 

Com os avanços tecnológicos e sociais observados diariamente, as serventias, em consonância com os apelos dos usuários e demonstrando sua expertise, adaptaram-se às mudanças sociais e migraram suas atribuições para o ambiente digital. Embora esse progresso tenha se intensificado com a pandemia de COVID-19, o tema já vinha sendo debatido, como exemplificado por Ademar Stringher1,  que nos ensinou, em 2002, sobre os atos extrajudiciais pela via digital, frente à criação da assinatura eletrônica. Trouxe o autor: 

Dentro desse diapasão, da criação da assinatura digital e dos certificados eletrônicos, os Cartórios Notariais e de Registro do Brasil estão se aparelhando para atender a essa futura demanda de autenticação e registro de documentos públicos e privados, que necessitam de formalização para seu pleno reconhecimento legal, em juízo e fora dele. 

Um ponto principal nessa mudança foi a edição da MP 2.200-2/01 que estabeleceu a ICP-BRASIL – Instituição de Chaves Públicas Brasileira, de modo a “garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras”. Para além desses, tivemos também a sanção da lei 11.419/06, que propagou a assinatura digital, informatizando o processo judicial. 

O STF, em acertada decisão, tratou sobre a regulamentação do CNJ para com as serventias extrajudiciais, e o poder fiscalizatório do judiciário (art. 236, §1º da CF) sobre essas, além do poder de criação de diretrizes específicas às atividades. Vejamos: 

Ementa: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATRIBUIÇÕES. ART. 103-B DA CF. EXPEDIÇÃO DE ATOS REGULAMENTARES. DETERMINAÇÃO AOS MAGISTRADOS DE PRÉVIO CADASTRAMENTO NO SISTEMA “BACEN-JUD”. COMANDO ABSTRATO. CONSTITUCIONALIDADE. PRESERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIBERDADE DE CONVICÇÃO E DA PERSUASÃO RACIONAL. SEGURANÇA DENEGADA. (…) III – O Conselho Nacional de Justiça pode, no lídimo exercício de suas funções, regulamentar condutas e impor a toda magistratura nacional o cumprimento de obrigações de essência puramente administrativa. (…) VIII Ato administrativo que não exorbita, mas, ao contrário, insere-se nas funções que constitucionalmente foram atribuídas ao CNJ. IX – Segurança denegada. (MS 27621, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Relator(a) p/ Acórdão: RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 07/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 10-05-2012 PUBLIC 11-05-2012 RTJ VOL-00228-01 PP-00326) (Grifamos)

E é justamente a partir dessa regulamentação e criação de diretrizes que o CNJ publicou provimentos e trouxe à realidade centrais de serviços eletrônicos para cada especialidade de serventia. Podemos citar o provimento 46/15, que instituiu a Central de Informações de Registro Civil das Pessoas Naturais; o provimento 47/15, que estabeleceu diretrizes para o sistema de registro eletrônico de imóveis; o provimento 87/19, que regulamenta a implantação da CENPROT – Central Nacional de Serviços Eletrônicos dos Tabeliães de Protesto de Títulos; o provimento 48/16, que estabelece diretrizes gerais para o sistema de registro eletrônico de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas; e, por fim, o provimento 100/20, que dispõe sobre a prática de atos notariais eletrônicos utilizando o sistema e-notariado (alterado pelo provimento 149/23).

Tínhamos, então, um cenário latente que almejava por mudanças. Com o progresso do desenvolvimento científico-técnico, principalmente no âmbito da comunicação digital, percebemos a abrupta mudança na forma como os seres humanos se relacionavam. A tendência, então, foi o crescente uso dos aparelhos eletrônicos para a realização de tarefas cotidianas, fazendo com que o extrajudicial se adequasse a essa nova realidade, denominada “revolução digital”.

Nas palavras do Doutor Marco Aurélio Gumieri Valério2, ao tratar sobre essa necessidade de adaptação:

Antes da edição do Provimento no 100, apenas algumas unidades da Federação haviam-se estruturado para a realização de atos notariais eletrônicos, conforme as regulamentações estabelecidas pelas corregedorias estaduais de Justiça, que muitas vezes apresentavam divergências. A recente normatização sistematizou e unificou os procedimentos a serem adotados em todo o Brasil por meio do e-Notariado, ao qual deverão aderir todos os tabelionatos ou cartórios de notas do País, o que implica a revogação do que foi anteriormente editado por alguns estados.

Podemos citar, como exemplo, a CENSEC – Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados, que, nas palavras do Dr. Luiz Guilherme Loureiro3, veio a facilitar a vida dos usuários, visto que: 

Funciona por meio de portal na internet e compreende os seguintes nódulos operacionais e suas funcionalidades (art. 2°): 

a) Registro Central de Testamentos On-Line (RCTO) que se destina à pesquisa de testamentos públicos e de instrumentos de aprovação de testamentos cerrados, lavrados no país;

b) Central de Escrituras de Separações, Divórcios e Inventários (CESDI), que possibilita a pesquisa de referidas escrituras públicas; 

c) Central de Escrituras e Procurações (CEP), destinada à pesquisa de escrituras públicas de procuração e de outros atos e negócios jurídicos; e 

d) Central Nacional de Sinal Público (CNSIP), cuja função é o arquivamento digital de sinal público de notários e registradores de todo o país, para fins de pesquisa e auxílio na verificação da autenticidade dos atos que apresentam suas firmas (atualmente há métodos mais modernos e seguros para tal verificação, como o uso de código QR).

A admissão de envio de documentos e confecções de atos pela via eletrônica, seja por qualquer outra plataforma digital válida, a órgãos públicos ou a entidades privadas, o cidadão obtém um benefício incomensurável, avançando na direção da simplificação e rapidez dos serviços extrajudiciais. Ao conferir validade aos documentos digitais, promove-se uma facilidade sem precedentes, descomplicando transações. Deve-se ter em mente que, na atualidade, a presença física tornou-se a exceção, e não mais a regra, sendo os meios eletrônicos responsáveis por propiciar essa aproximação. 

Temos, pois, uma realidade que nos demonstra a importância e indispensabilidade dos sistemas eletrônicos realizados pelas serventias extrajudiciais e o quanto o processo auxilia e traz celeridade aos atos jurídicos envolvidos. Vejamos o que tratou o Tribunal de Justiça de São Paulo ao examinar um agravo de instrumento: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Execução fiscal – Município de Bertioga – Decisão que indeferiu o pedido de pesquisa junto à Central de Informações de Registro Civil das Pessoas Naturais por meio do sistema CRC-Jud – Pesquisa que pode ser feita diretamente pela própria exequente – Aplicação do artigo 241, do Provimento 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça e das Normas Extrajudiciais da Corregedoria Geral de Justiça – Desnecessidade de intervenção judicial – Decisão mantida – Recurso não provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2249230-56.2024.8.26.0000; Relator (a): Raul De Felice; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Bertioga – SETOR DE EXECUÇÕES FISCAIS; Data do Julgamento: 19/03/2013; Data de Registro: 16/09/2024). 

Bacellar4 já nos ensinava, desde 2011, sobre a importância dos cartórios no que tange a segurança jurídica e sua importância social, tratando que: 

São os cartórios os grandes responsáveis pela atribuição da segurança jurídica nos negócios e nos atos jurídicos da população. A aquisição de direitos e deveres se dá por meio dos registros realizados nos cartórios. Um exemplo simples e prático é o registro de imóveis que garante a um comprador que o imóvel negociado por ele realmente pode ser comercializado.

A respeito da transformação digital encarada e muito bem cumprida e observada pelas serventias, vale trazer o que demonstrou o grande mestre Doutor Cláudio Marçal Freire, dizendo que “a criação das centrais foi o grande impulso para a migração dos serviços de notas e de registros para o meio eletrônico, que se transformaram, como no caso do Protesto, em uma atividade 100% digital.”5 Complementa nos trazendo que “os cartórios tiveram sua atividade transformada com o advento da tecnologia, da desburocratização e da gestão da qualidade na prestação de serviços e os resultados continuam a ser incorporados ao segmento”. 

Para elucidar essa evolução demonstrada acima, temos o quanto disposto na revista “Cartórios em Números”, 5ª edição, do ano de 2023. De acordo com dados da CRC – Central de Informações do Registro Civil Nacional, foram, até o ano de 2023, 58.432.431 registros de nascimentos; 1.597.892 certidões eletrônicas emitidas entre cartórios desde 2015; e 1.365.132 consultas do Poder Judiciário à Central de Informações do Registro Civil. Ainda, o Portal da Transparência do Registro Civil conta com a Central Nacional de Óbitos de Pessoas Não Identificadas, que auxilia parentes, órgãos públicos e o Poder Judiciário na busca por pessoas desaparecidas em todo o Brasil. A Central foi criada em 2015 após a publicação da recomendação 19 do CNJ. No total, são 46.474.199 óbitos válidos. 

No que tange os serviços notariais, a CESDI – Central de Escrituras de Separação, Divórcios e Inventários (que reúne as escrituras dos atos de separações, divórcios, inventários e partilhas lavradas pelos Cartórios de Notas de todo o país, que podem ser consultadas gratuitamente pelos interessados mediante o nome da parte ou número dos documentos) registrou recordes de atos eletrônicos. Por meio do e-Notariado, foram mais de 1,7 milhões de escrituras e procurações. Mais de 742 mil de traslados de atos físicos e mais de 1.4 milhões de certidões de atos físicos. 

Sem a intenção de prolongar mais o tema, de janeiro de 2019 a novembro de 2023 foram realizados cerca de 208.619.223 pesquisas na CENPROT – Central de Protesto. Nesse mesmo período, foram pedidas 454.755 certidões e 969.814 número de cancelamentos eletrônicos realizados pela central. Já no que diz respeito ao Registro de Imóveis, foram solicitadas 8.917.787 milhões de matrículas online; 11.989.557 milhões de certidões digitais e; 4.366.489 milhões de pesquisas de bens. Todos os dados podem ser consultados e conferidos na 5ª edição da revista “cartório em números”.6 

Com isso, podemos enxergar que as inovações tecnológicas às quais estamos cotidianamente submetidos representam uma realidade impossível de se ignorar e, dada a indispensabilidade e importância das serventias extrajudiciais, a sua adaptação à nova realidade fez-se imprescindível, resultando, como visto acima, em um novo panorama da forma como lidamos com as situações jurídicas do nosso dia a dia. Era impossível que os cartórios, com sua história, tamanho e essencialidade, não se adaptassem e trouxessem consigo uma nova forma de prestação de serviço que se adequasse às reais necessidades, contribuindo para o desenvolvimento social. Cardoso nos ensina algo que, ao nosso ver, pode ser aplicado ao caso concreto aqui discutido: quando se planeja uma sociedade justa, é na importância que damos ao próximo que se encontra a razão. O reconhecimento do direito do próximo por todos os membros da sociedade é fator decisivo para a construção de um ambiente que promova justiça e segurança.7

Dessa forma, diante das demandas enfrentadas ao longo dos anos e intensificadas pela necessidade de adaptação, a migração para os meios digitais foi acertadamente atendida, trazendo vantagens imensuráveis à sociedade, especialmente à prática de atos jurídicos, eliminando a necessidade de deslocamento até a serventia competente. A eficiência e a celeridade dos procedimentos foram impactados positivamente de maneira direta, resultando em benefícios e otimização para todos os envolvidos.

__________

1 STRINGHER, Ademar. Aspectos legais da documentação em meios micrográficos, digitais e eletrônicos.1º ed. São Paulo: CENADEM. Universidade Iberapuera-Unib. 2002.

2 VALÉRIO, Marco Aurélio Gumieri. Atos notariais por meios eletrônicos: a quarentena trouxe o futuro aos cartórios e tabelionatos. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 58, n. 231, p. 201-211, jul./set. 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/58/231/ril_v58_n231_p201. Acesso em: 25 set. 2024.

3 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos – Teoria e Prática. 8. ed. Bahia: Juspodivm, 2021, p. 1392-1398.

4 BACELLAR, Rogério Portugal. A função social de notários e registradores. São Paulo, 07 set. 2011. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/a-funcao-social-de-notarios-e-registradores-bskxx9ep2y44etb7x4mp49w7i/. Acesso em: 26 de setembro de 2024. 

5 https://www.cnj.jus.br/atuacao-do-cnj-ampliou-atribuicoes-e-efetividade-de-cartorios-brasileiros/  

6 https://www.anoreg.org.br/site/wp-content/uploads/2024/01/Cartorios-em-Numeros-5a-Edicao-2023-Especial-Desjudicializacao.pdf

7 CARDOSO, Alenilton da Silva. Princípio da solidariedade: a confirmação de um novo paradigma. Revista de Direito Mackenzie, v. 6, n. 1, 2012. Disponível em: http://editorarevistas.mackenzie.br/index. php/rmd/article/view/5793/4209. Acesso em: 26 de setembro de 2024

Rachel Leticia Curcio Ximenes

Rachel Leticia Curcio Ximenes

Sócia do CM Advogados, mestra e doutora em Direito Constitucional pela PUC-SP, especialista em Direito Notarial e Registral pela Escola Paulista da Magistratura (EPM) e em Proteção de Dados e Privacidade pelo Insper, e presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-SP.

Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados Tiago de Lima Almeida

Tiago de Lima Almeida

Bacharel em Direito pela PUC/MG. Pós-graduado em Direito Tributário. MBA em Gestão Tributária. Mestre em Direito Constitucional. Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB/SP – Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo. Advogado do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.

Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados

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