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Publicada em 23 de outubro de 2015, a lei 13.178/15 (“lei”) estabeleceu a obrigatoriedade de ratificação dos registros de imóveis rurais que estejam a uma distância de até 150 km da linha da fronteira. O prazo inicial previsto em lei era de quatro anos, mas foi prorrogado para dez anos com, tendo em vista o disposto pela lei 14.177/21.
O advento da lei é devido à possibilidade de que tenha ocorrido titulação non domino de imóveis por parte dos Estados, considerando que os imóveis localizados na faixa de fronteira são bens da União, ou da ocorrência de titulação sem que fosse obtida prévia autorização do Conselho de Defesa Nacional, anteriormente denominado como “Conselho de Segurança Nacional”, consoante previsto pelas legislações anteriores que versaram a respeito do tema.
Desde a independência do Brasil o tema da faixa de fronteira é objeto de tratamento especial legislativo, tendo em vista sua importância estratégica para a segurança nacional. Na famosa lei de terras (lei 601/1850), promulgada por Dom Pedro II, que disciplinou a possibilidade de aquisição de áreas públicas por particulares, se criou exceção de que as terras situadas nos limites do Império com países estrangeiros em uma “zona de 10 léguas” (66 quilômetros) poderiam ser concedidas gratuitamente, como medida de fomento à ocupação destas regiões.
No tocante a relevância da lei 13.178/15, cabe ser ressaltado que a mesma prescreve uma consequência severa para àqueles que não atenderem a suas exigências: a possibilidade de o titular perder o imóvel por (re)incorporação ao patrimônio da União, consoante previsão do art. 2º, §5º, da lei.
Contudo, o texto legal é pouco esclarecedor em relação ao procedimento de ratificação propriamente dito, o que dá margem a teses interpretativas quanto a sua execução prática. Assim, mesmo após cerca de 9 anos desde a sua publicação, continuam dúvidas quanto a sua efetiva execução.
Um ponto crucial para a materialização da lei é referente ao prazo indicado pelo §2º do art. 2º, inicialmente indicado como sendo o período de até 4 anos, contados a partir da data da sua publicação (23 de outubro de 2015), posteriormente prorrogado pela lei 14.177/21, para 10 anos, estando, atualmente, previsto para se encerrar em 23 de outubro de 2025.
Quer nos parecer que o referido dispositivo legal não foi suficientemente claro ao indicar qual a efetiva ação que pretende fomentar. A partir da análise mais aprofundada do tema, algumas hipóteses podem ser levantadas: seria o prazo previsto para ingresso do pedido de ratificação, para a efetiva obtenção da ratificação ou somente para conclusão do procedimento de georreferenciamento dos imóveis e atualização do cadastro no SNCR – Sistema Nacional de Cadastro Rural, conforme requisitos previstos para imóveis com área superior a 15 MFs – Módulos Fiscais?
Nosso entendimento é no sentido de que a intenção do legislador é de que o prazo fosse para realização do requerimento de ratificação propriamente dito. Assim, os imóveis com área superior a 15MFs já deverão ter o procedimento de certificação do georreferenciamento e a atualização do cadastro no SNCR devidamente concluídos em tempo hábil para que o requerimento seja formulado até 23 de outubro de 2025.
Isto porque, se a intenção do legislador fosse de impulsionar o georreferenciamento dessas áreas, isso poderia ter sido objeto de uma nova intervenção no regramento e prazos próprios desse instituto (lei 10.267/01 e Dec. 4.449/02). Tampouco não aparenta ser o intuito da lei a indicação de prazo para que a ratificação, em si, tenha o seu procedimento integralmente finalizado neste prazo. São 588 municípios localizados na faixa de fronteira terrestre do Brasil, localizados em 11 Estados, e a imposição de prazo para que os órgãos competentes finalizassem a análise dos requerimentos de ratificação seria uma previsão irreal frente ao aparelho estatal atualmente disponível para esse tipo de atividade.
Até a data de fechamento deste texto, identificou-se que apenas as Corregedorias de Justiça dos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e do Paraná possuem provimentos específicos quanto ao tema. Contudo, as normativas previstas pelos provimentos também não são claras quanto a ação prevista pelo art. 2º, §2º, da lei, o que nos leva a adotar uma posição mais conservadora quanto a sua interpretação.
No mais, tendo em vista o cenário atual, ou seja, diante da ausência de provimento de todas as CCJs dos Estados fronteiriços e com base no §3º do art. 2º da lei, o qual indica que “o requerimento de que trata o § 2º será apreciado pelo órgão federal responsável”, é recomendável que os titulares de imóveis não demais Estados que não sejam o MT, MS e PR, consultem o INCRA para obtenção de direcionamento adequado.
Apesar do nosso entendimento acima expressado, é razoável argumentar, com base em interpretação restritiva do §2º do art. 2º da lei, que o prazo previsto em lei é exclusivo para as providências de certificação do georreferenciamento e do cadastro do SNCR, não havendo previsão clara de protocolo do requerimento e conclusão do procedimento de ratificação.
Salta aos olhos que uma lei que traga uma consequência tão radical aos proprietários que não vierem a cumpri-la seja pouco esclarecedora em relação ao procedimento que efetivamente deverá ser adotado pelos mesmos, abrindo margem legítima para teses interpretativas quanto a sua execução prática. Dessa forma, espera-se que, nos próximos meses, haja o esclarecimento do intuito da lei no tocante ao prazo previsto, bem como que todos os demais Estados fronteiriços tenham regramentos específicos para que haja a escorreita condução do tema pelas partes interessadas.
Rodrigo Mutti
Advogado e Sócio na Silveiro Advogados.
Giovanni Mendes Ribeiro Pallaoro
Advogado especializado em Direito Agrário e Agronegócio e sócio de Silveiro Advogados.