Estagiários podem realizar sustentação oral em tribunais superiores?   Migalhas
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Estagiários podem realizar sustentação oral em tribunais superiores? – Migalhas

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Nesta semana, um estagiário foi autorizado a realizar sustentação oral em um tribunal estadual. A peculiar situação ocorreu na 1ª câmara cível do TJ/RO, surpreendendo os magistrados do colegiado, os quais debateram a viabilidade da realização do ato pelo estudante de Direito.

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Apesar de inusitada, essa não foi a primeira vez que um estagiário assumiu a tribuna. Situações parecidas já ocorreram no TJ/DF e no TJ/GO. Mas e em tribunais superiores? Seria possível um estagiário realizar sustentação oral no STJ, STF ou TST?

TJ/RO

Na sustentação realizada nesta semana no TJ/RO, o presidente da sessão, desembargador José Antonio Robles, mostrou-se surpreso ao ver a advogada permitir que seu estagiário realizasse a sustentação oral.

O magistrado afirmou nunca ter presenciado algo semelhante e, diante da incerteza quanto à regulamentação, suspendeu o julgamento para consultar as normas aplicáveis.

O desembargador Sansão Batista Saldanha manifestou-se contrariamente à participação do estagiário na sustentação oral. 

Ao não sancionar, Sansão ponderou que, embora o estagiário possa atuar em determinadas situações, desde que o advogado assine os atos, a dinâmica da sustentação oral é diferente.

O magistrado argumentou, com verdadeira prudência, que, em tribunais nos quais a complexidade das questões jurídicas é elevada, a sustentação oral exige maior experiência e postura, qualidades ainda em formação durante o estágio. Também se preocupou com eventual prejuízo à ampla defesa da parte caso a sustentação fosse feita pelo estagiário.

O juiz convocado Jorge Luiz de Moura Gurgel do Amaral adotou postura mais flexível, embora tenha observado que, em países com longa tradição jurídica, sustentar perante tribunais demanda um status diferenciado.

Ele destacou que o dispositivo legal do EAOAB, citado pela advogada, é genérico e não proíbe explicitamente a prática. Sob a ótica da ampla defesa, o magistrado afirmou que impedir o estagiário de sustentar poderia prejudicar o direito da parte.

Ao final, o presidente da sessão, visando assegurar a defesa da parte, autorizou que o estagiário realizasse o ato.

Veja o momento dos debates:

Limites da atuação de estagiários

A atividade dos estagiários é regulada pelo EAOAB – Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94). 

No art. 3º, § 2º, a norma permite que estagiários pratiquem atos privativos de advogados, desde que acompanhados ou sob a responsabilidade do causídico. Essa previsão legal visa garantir que o estagiário possa adquirir experiência prática, mas sempre com supervisão profissional.

Já o regulamento geral do EAOAB, em seu art. 29, detalha quais atos podem ser praticados por estagiários em conjunto com advogados, e, em seu §1º, traz um rol de atos que podem ser realizados de forma isolada.

Segundo o dispositivo, o estagiário pode, sob a responsabilidade do advogado:

  • Retirar e devolver autos em cartório;
  • Obter certidões de peças ou autos de processos e assinar petições de juntada de documentos.

Ainda que o estagiário tenha essas prerrogativas, a realização de sustentação oral, como é bem de ver, não está entre os atos que ele pode praticar de forma independente.

Precedentes estaduais

Em fevereiro 2018, a 2ª turma Cível do TJ/DF permitiu sustentação oral de uma estagiária que estava acompanhada pelo advogado do escritório onde atuava. Ela apresentou aos desembargadores as razões pelas quais deveriam acolher pedidos do cliente em um caso de locação de imóvel. Na época, o escritório afirmou que, além de melhorar o ensino jurídico, a sustentação possibilita que a finalidade do estágio acadêmico seja atingida, apresentando corretamente o mercado de trabalho da advocacia.

Em março do mesmo ano, a 5ª câmara Cível do TJ/GO permitiu a sustentação oral feita por estagiário. O estudante, acompanhado do advogado, fez a defesa em agravo de instrumento.

Tribunais superiores

Os regimentos internos do STJ, STF e TST não proíbem expressamente a atuação de estagiários em sustentações orais.

No entanto, por utilizarem o termo “advogado” de forma estrita nas normas relacionadas a esse ato, entende-se que essas Cortes não permitem a sustentação por estagiários.

Ademais, precedentes tanto do STJ quanto do STF reforçam a negativa dessa prática em seus julgamentos.

STJ

A Corte da Cidadania já se manifestou contra a sustentação oral por estagiário em instâncias inferiores.

Em 2007, o STJ, por unanimidade, anulou julgamento de apelação criminal realizada pelo TJ/GO e determinou a renovação do julgamento, garantindo ao réu o direito de sustentação oral. 

No recurso, os advogados alegaram que houve violação do direito à ampla defesa, uma vez que o pedido de sustentação oral pelo estagiário da defesa foi negado durante o julgamento da apelação no TJ/GO. Segundo a defesa, o tribunal estadual não deu nova oportunidade ao advogado titular para realizar a sustentação oral, o que teria configurado cerceamento de defesa.

Ao analisar o pedido, o ministro Hamilton Carvalhido destacou que a sustentação oral é um direito assegurado pela CF e que o ato deve ser praticado exclusivamente por advogados habilitados.

Ressaltou que o EAOAB não autoriza estagiários a realizarem sustentação oral de forma isolada em tribunais, o que torna nula a tentativa de um estagiário atuar no lugar do advogado.

E, como no caso não houve nem sustentação por advogado, ele reconheceu a nulidade do julgamento.

Veja o acórdão.

Além disso, em 2014, o STJ anunciou que não aceitaria pedidos feitos por estagiários para sustentações orais. 

STF

O STF manifestou-se no mesmo sentido em 2013. A 1ª turma do Supremo entendeu que a sustentação oral em julgamentos é prerrogativa exclusiva de advogados, não sendo permitida a participação de estagiários.

A decisão veio após pedido de habeas corpus no qual um estagiário havia solicitado a palavra para defesa do réu acusado de homicídio qualificado. No decorrer do julgamento, o pedido de sustentação oral pelo estagiário foi indeferido pela maioria dos ministros.

O relator do caso, ministro Dias Toffoli, se mostrou favorável à flexibilização da regra, argumentando que o habeas corpus pode ser impetrado por qualquer cidadão. No entanto, foi vencido, juntamente com o ministro Marco Aurélio, pela posição majoritária liderada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que reafirmou que o ato de sustentação é privativo de advogados, conforme previsto no art. 124 do regimento interno do STF.

Este dispositivo prevê que “os advogados ocuparão a tribuna para formularem requerimento, produzirem sustentação oral, ou responderem às perguntas que lhes forem feitas pelos Ministros”.

Veja o acórdão.

Experiência não é requisito

Apenas a formação e aprovação na OAB são suficientes, segundo a lei, para que, independentemente de experiência, um jovem advogado esteja habilitado a realizar sustentações orais nos tribunais superiores. Um exemplo ocorreu em 2018, quando um advogado de 18 anos realizou sustentação oral no STF, a mais alta Corte do país.

Exista quem defenda, no entanto, que o cumprimento de requisitos formais não deveria ser o único critério para essas sustentações. Em entrevista ao Migalhas, em 2023, o ministro Sebastião Reis Jr., do STJ, disse que, embora possa parecer medida restritiva e elitista, seria preciso considerar um filtro para as sustentações orais nas Cortes superiores.

Segundo o ministro, a parte envolvida tem direito a uma defesa de qualidade, especialmente porque as decisões dessas Cortes muitas vezes extrapolam o caso concreto e impactam todo o Judiciário do país.

“Tem que ser um processo bem cuidado, bem debatido, e com argumentos fortes, o que muitas vezes um advogado iniciante, por mais preparado que seja, não tem condições ou maturidade para debater determinados assuntos.”

Relembre:

De tudo o que foi exposto, dá pra notar que, embora alguns tribunais estaduais, de vez em quando, deixem os estagiários soltarem a voz na tribuna, nos tribunais superiores, essa cortesia ainda está reservada aos advogados devidamente registrados na OAB.

Além disso, é bom lembrar que, por mais que os estagiários ganhem experiência ao sustentar oralmente, a parte tem o direito a uma defesa técnica de verdade – e essa só é garantida por quem tem o carimbo da habilitação profissional.

Então, o famoso “- com a palavra, pelo tempo regimental”, ainda é um sonho de consumo dos acadêmicos de Direito. E, convenhamos, não tem pressa para virar realidade. Afinal, cada etapa tem seu tempo, e a jornada é tão importante quanto o destino!

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