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O presente trabalho busca demonstrar se é obrigatório ou não a previsão nas leis orgânicas municipais da espécie legislativa LC para tratar determinados temas, ou se tal previsão é facultativa, pautada na autonomia municipal estabelecida no art. 18, da CF/88.
No tocante à União não há dúvidas, uma vez que o inciso II, do art. 59, da CF/88 estabelece que o processo legislativo compreende a elaboração de leis complementares. Além de que, a Cf/88 também prevê diversas matérias de competência da União que devem ser tratadas por LC, como por exemplo o parágrafo único, do art. 59; o § 9º, do art. 14; §§ 2º, 3º e 4º, do art. 18; o inciso IV, do art. 21; art. 148; dentre outros.
Por seu turno, quanto aos Estados, também não há dúvidas da obrigatoriedade de suas Constituições Estaduais preverem a espécie legislativa LC, tendo em vista que o § 3º, do art. 25, da CF/88 prevê o seguinte:
§ 3º Os Estados poderão, mediante LC, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum. (destacamos).
A respeito dos entes municipais, inicialmente é necessário destacar que dentre as capitais dos Estados os seguintes Municípios: Belo Horizonte/MG, Maceió/AL, Rio Branco/AC, São Paulo/SP e Vitória/ES, não possuem previsão legal da espécie normativa LC nas suas Leis Orgânicas, senão vejamos:
Lei orgânica do município de Belo Horizonte/MG, de 21/3/90.
à Lei Orgânica;
II – lei;
III – resolução;
IV – decreto legislativo. 1
Lei Orgânica do Município de Maceió/AL, de 2 de abril de 1990.
Art. 30. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I – Emendas à Lei Orgânica do Município;
II – Leis ordinárias;
III – Decretos Legislativos;
IV – Resoluções. 2
Lei Orgânica do Município de Rio Branco/AC, de 03 de abril de 1990.
Art. 33 – O processo legislativo compreende a elaboração de:
I – Emendas à Lei Orgânica;
II- Leis Ordinárias;
III -Leis Delegadas;
IV – Medidas Provisórias;
V – Decretos Legislativos;
VI – Resoluções. 3
Lei orgânica do município de São Paulo/SP, de 4/4/90.
Art. 34 – O Processo Legislativo compreende a elaboração de:
I – emendas à Lei Orgânica;
II – leis;
III – decretos legislativos;
IV – resoluções. 4
Lei orgânica do município de Vitória/ES, de 05/4/90.
Art. 78 O processo legislativo compreende a elaboração de:
I – emendas à Lei Orgânica;
II – leis ordinárias;
III – decretos legislativos;
IV – resoluções. 5
Sobre a previsão da espécie legislativa LC, nos entes federados municipais, é necessário registrar que o legislador constituinte originário não estabeleceu tal obrigatoriedade para os municípios.
Ocorre que o legislador constituinte derivado, por intermédio das reformas constitucionais, estabeleceu hipóteses que deverão ser regulados por LC municipal como veremos adiante.
No primeiro momento, vale destacar, que nas EC números 15/1996 e 103/2019, a CF/88 passou a prever de forma clara e precisa, respectivamente no § 4º, do art. 18 e no § 22, do art. 40, a necessidade de LC Federal, ou seja, passou a estabelecer a exigência da LC do ente federado União, vejamos:
Art. 18. [.]
§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por LC Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 15, de 1996)
Art. 40. [.]
§ 22. Vedada a instituição de novos regimes próprios de previdência social, LC federal estabelecerá, para os que já existam, normas gerais de organização, de funcionamento e de responsabilidade em sua gestão, dispondo, entre outros aspectos, sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
A mencionada citação é necessária para demonstrar que o legislador tem evoluído para sanar qualquer dúvida no sentido de deixar a nossa Carta Política clara e precisa para que não pairem dúvidas acerca da exigência de LC e da competência do ente federado.
O art. 18, da Constituição prevê a autonomia dos entes federados nos seguintes termos: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” (destacamos)
Sobre a exigência constitucional de LC no âmbito municipal podemos destacar as normas que regem a definição de normas de cooperação entre os entes da federação, a contribuições e demais requisitos para aposentadoria do regime próprio do ente federativo, os requisitos para aposentadoria de servidor com deficiência, a avaliação periódica de servidor estável, a aposentadoria especial e a aposentadoria de professor.
Acerca da cooperação entre os entes federativos, o parágrafo único, do art. 23, da CF/88, com redação dada pela EC 53/06 dispõe o seguinte:
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (destacamos)
Diante da leitura da citada norma deflui a exigência constitucional de LC no âmbito municipal, uma vez que a norma diz no plural leis complementares fixarão normas de cooperação entre os entes federativos e inclui os municípios de forma expressa.
Nesse contexto, as normas para a cooperação entre os entes deverão ser dos entes federativos, sendo da espécie normativa LC.
Ainda sobre a previsão de LC nos municípios, o poder constituinte derivado, aprovou a EC 103/19 que alterou e incluiu diversos dispositivos ao art. 40 da CF/88:
§ 1º O servidor abrangido por regime próprio de previdência social será aposentado:
III – no âmbito da União, aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, e aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na idade mínima estabelecida mediante emenda às respectivas Constituições e Leis Orgânicas, observados o tempo de contribuição e os demais requisitos estabelecidos em LC do respectivo ente federativo.
§ 4º-A. Poderão ser estabelecidos por LC do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar.
§ 4º-C. Poderão ser estabelecidos por LC do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação.
§ 5º Os ocupantes do cargo de professor terão idade mínima reduzida em 5 (cinco) anos em relação às idades decorrentes da aplicação do disposto no inciso III do § 1º, desde que comprovem tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio fixado em LC do respectivo ente federativo.
Com efeito, nos termos do que se verifica nos dispositivos acima transcritos, atualmente a CF/88 exige a regulamentação do regime de previdência próprio a edição de LC do ente federativo, nos seguintes termos: “estabelecidos por LC do respectivo ente federativo.” Sendo assim, conclui-se que o inciso III, do § 1º e os §§ 4º-A, 4º-C e 5º, do art. 40 da CF/88 exigem que no âmbito dos entes federativos municipais existam em suas leis orgânicas a previsão da espécie LC.
Quanto ao quórum para aprovação de LC, vale registrar que o art. 69, da CF/88 prevê o seguinte: “As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.”
Diante do exposto, conclui-se que atualmente, após a aprovação das EC números 53/2006 e 103/19, pelo Poder Constituinte Derivado é obrigatória a existência da espécie LC nas leis orgânicas municipais, sendo que tal exigência não influi na autonomia dos entes municipais que poderão aprovar ou não tais normas posta em discussão, mas terão que fazer por intermédio de LC, uma vez que o constituinte entendeu que tais matérias tem peculiaridades que merecem maior atenção e quórum qualificado.
Por fim, é necessário destacar que conforme posto os municípios de Belo Horizonte/MG, Maceió/AL, Rio Branco/AC, São Paulo/SP e Vitória/ES deverão adequar suas leis orgânicas a CF/88, no sentido de incluir a espécie LC para regular a cooperação entre os entes federativos e o regime próprio de previdência de seus servidores, e consequentemente se adequarem ao parágrafo único, do art. 23 e ao inciso III, do § 1º e os §§ 4º-A, 4º-C e 5º, do art. 40, todos da CF.
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1 BELO HORIZONTE. Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte/MG. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/lei-organica-belo-horizonte-mg Acessado em: 06 jul2024.
2 MACEIÓ. Lei Orgânica do Município de Maceió/AL. Disponível em: https://www.maceio.al.leg.br/documentos/docs/doc.php?filepath=publicacoes&id=1 Acessado em: 06 jul2024.
3 RIO BRANCO. Lei Orgânica do Município de Rio Branco/AC. Disponível em: https://www.riobranco.ac.leg.br/leis/lei-organica-municipal/lei-organica-do-municipio-de-rio-branco Acessado em: 06 jul2024.
4 SÃO PAULO. Lei Orgânica do Município de São Paulo/SP. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/LOM.pdf Acessado em: 06 jul2024.
5 VITÓRIA. Lei Orgânica do Município de Vitória/ES. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/lei-organica-vitoria-esAcessado em: 06 jul2024.
Diogo Esteves Pereira
Advogado, Especialista em Prática Processual nos Tribunais, Coordenador da Coleção Teses Defensivas, autor do livro Teses Defensivas Improbidade Administrativa da Editora Juspodivm.