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Promulgado em 1990, o CDC – Código de Defesa do Consumidor determina que, para a execução da Política Pública Nacional das Relações de Consumo, o Poder Público deverá utilizar instrumentos como a criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas na solução de litígios de consumo. No entanto, após mais de três décadas, são poucos os Tribunais de Justiça que cumprem com essa norma consumerista.
A situação é ainda mais grave em alguns estados, onde a definição da vara ou câmara que solucionará o litígio de consumo é feita com base na natureza jurídica do fornecedor. É comum que as relações de consumo sejam designadas para varas e câmaras especializadas em Fazenda Pública, o que parece ser uma violência aos direitos dos consumidores.
O STJ julgou, em recurso repetitivo de relatoria do ministro Luiz Fux, que para definir o prazo de prescrição para execução de débitos de consumo do fornecimento de água potável e do serviço de coleta de esgoto, não importa se o exequente é uma autarquia ou a Administração Direta fornecedora; aplica-se o prazo prescricional do Código Civil. Devem ser aplicadas as normas de direito privado, e o prazo prescricional emerge da exação da execução. A decisão está plenamente afinada com o entendimento da comunidade jurídica, considerando que a tese repetitiva se mantém há muitos anos.
Se devem ser aplicadas as normas de direito privado em benefício dos fornecedores, mais ainda se justifica a aplicação das mesmas normas aos consumidores, sob pena de violação do princípio da equidade e da isonomia legal. Não cabe adotar uma lei para os consumidores dos serviços prestados em regime de monopólio por pessoa jurídica de direito público e outra para os consumidores cujo fornecedor é pessoa jurídica de direito privado.
A Constituição Federal estabelece que todos são iguais perante a lei e dispõe, como direito fundamental e garantia constitucional, que o Estado promoverá a defesa do consumidor. Parece ilógico que o Estado, que tem o dever de proteger o consumidor hipossuficiente, especialmente quando submetido a um monopólio de fornecimento, possa, em proveito de um ente estatal, afastar o princípio da isonomia legal e adotar a norma mais favorável ao fornecedor.
Quando a relação de consumo é submetida a uma vara especializada em Fazenda Pública, é comum a aplicação do pressuposto de legitimidade e legalidade dos atos do fornecedor. A legislação consumerista prevê inclusive a inversão do ônus da prova, diante da hipossuficiência do consumidor. Aplicar as normas de direito público sobre um contrato de consumo, remunerado por tarifas, que não admite adesão compulsória, é violar a cláusula pétrea da Constituição Federal emanada do caput do artigo 5º, que estabelece que todos são iguais perante a lei.
Mario Luiz Fernandes Medeiros
Advogado formado UCPEL, especialista em Direito Processual, Dirigi Banca com 9 advogados.