Investigação patrimonial e tecnologia: Recuperação de crédito   Migalhas
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Investigação patrimonial e tecnologia: Recuperação de crédito – Migalhas

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Ao notar o iminente default1 do grupo Agrogalaxy, que culminaria no pedido de recuperação judicial, em 18/9/24, o Banco ABC, antecipou o vencimento das operações e, consequentemente, bloqueou cerca de R$ 36 milhões das contas da empresa que lhe eram vinculadas.2

Mencionada movimentação pela instituição credora foi feita com a utilização das chamadas cláusulas covenants. Tratam-se de condições criadas pelas instituições financeiras para reduzir o risco de inadimplemento. Sua função é reduzir o risco sobre o crédito, principalmente em grandes financiamentos.3

Diferentemente de uma garantia em sentido estrito, na qual existe um patrimônio que responde pela dívida, tal cláusula pode prever como sanção ao descumprimento a antecipação do vencimento, como no caso narrado, além de multas e até mesmo interferência na gestão da empresa.4

Os fundamentos desta cláusula são associados a questões de saúde financeira da empresa que possam inviabilizar a continuidade da operação, além de outros, referentes à transparência da gestão.

Tal previsão contratual se mostrou eficiente no caso em comento, propiciando que a instituição financeira garantisse uma parcela significativa do valor tomado já no início do processo de recuperação judicial.5

De todo modo, o contexto apresentado aponta a importância de uma investigação preventiva pelo credor, medida mais conhecida por due diligence. Sua maior vantagem é a identificação de eventuais maquiagens contábeis e fraudes patrimoniais do tomador do crédito6, o que é fundamental para subsidiar uma tomada de decisão assertiva pelo credor.

Com as informações obtidas por intermédio da due diligence, a depender do momento em que se tomou conhecimento, o credor pode desistir do negócio, se antes da contratação, ou adotar medidas judiciais e/ou extrajudiciais para combater a fraude, se durante a contratação, a exemplo da execução da cláusula covenant, neste caso.

Mais costumeiramente na área de recuperação de crédito, verifica-se a prática da investigação repressiva, ou seja, após o inadimplemento das operações e, até mesmo, anos após o ajuizamento das demandas executivas – em um cenário em que se busca a reversão do cenário de irrecuperabilidade do crédito.

Na investigação repressiva, o objetivo é criar teses de fraudes patrimoniais praticadas pelo devedor, trazendo elementos probatórios que subsidiem tais alegações para alcançar judicialmente o patrimônio desviado. 

Para isto, as principais medidas judicias disponíveis são: a) alegação de fraude à execução ou simulação, no próprio feito executivo; b) ajuizamento de ação pauliana, no caso de fraude contra credores; e c) instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

No caso da simulação, o objetivo é demonstrar a existência de um ato simulado, a partir de um negócio jurídico em que o alienante se desfaz formalmente de um patrimônio, mas continua o utilizando como se seu fosse. 

Já na fraude à execução e na ação pauliana, a investigação auxilia na comprovação da má-fé pelo terceiro adquirente, analisando-se detalhadamente o grupo econômico e familiar do devedor para expor os vínculos entre compradores e vendedores. 

De todas medidas mencionadas, a mais complexa e efetiva é o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, porque permite trazer para o polo passivo da execução os terceiros utilizados para blindar patrimônio e conservar o fundo de comércio dos devedores.

Neste ponto, a investigação é de extrema relevância para a comprovação do abuso da personalidade, elemento requerido pelo art. 50, caput, do CC7, que pode ser caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

Os conceitos de desvio e confusão são relativamente abstratos e a investigação contribui sobremaneira na materialização deles, como, por exemplo, a partir da identificação da existência de um sócio oculto apontado por funcionários em uma demanda judicial. Também é possível citar postagens em redes sociais nas quais o devedor ostenta um patrimônio que formalmente não está em seu nome, ou mesmo pela demonstração de incompatibilidade entre seu padrão de vida luxuoso e os reiterados bloqueios em conta negativos.

Esse é o ponto principal, no qual o conhecimento jurídico do advogado, aliado às ferramentas tecnológicas de buscas e a habilidade no cruzamento dos dados localizados, mostram-se fundamentais para a construção de uma tese de desconsideração da personalidade robusta e efetiva. Neste cenário, a tecnologia se apresenta como aliada, pois o acesso simultâneo aos bancos de dados é fundamental para o rastreamento de ativos e a constituição de provas caracterizadoras do abuso da personalidade.

Em síntese, a investigação patrimonial é um instrumento que o credor pode utilizar, desde o momento pré-contratual, até o cenário de iminente irrecuperabilidade do crédito.

Nesta primeira etapa pré-contratual, denominada due diligence, o conhecimento sobre as informações do grupo tomador do crédito pode fundamentar uma recusa na contratação que evitará grandes prejuízos futuros -procedimento que também deve ser feito durante os contratos de longo prazo, a exemplo do caso utilizado como motivação deste texto.

Já, após o inadimplemento e/ou ajuizamento de demanda judicial, a área de recuperação de crédito se utiliza da investigação patrimonial para localizar informações e transformá-las em teses jurídicas efetivas de combate às fraudes patrimoniais.

Por fim, cabe ressaltar o papel fundamental exercido pela tecnologia no contexto apresentado, pois ela é a fonte da matéria prima construtora das teses: os dados. Isto reforça a popular expressão de que “os dados são o novo ouro”. Neste caso, os dados (ou melhor: sua análise), são mais propriamente a ferramenta de recuperação do velho ouro perdido: o crédito.

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1 Falha da empresa no cumprimento das obrigações financeiras.

2 ROCHA. Graciliano. Como o Banco ABC notou, antes de todo mundo, cheiro de calote na Agrogalaxy. 2024. Disponível em: https://economia.uol.com.br/colunas/graciliano-rocha/2024/10/10/como-o-banco-abc-notou-antes-de-todo-mundo-cheiro-de-calote-na-agrogalaxy.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em 11 out. 2024.

3 REIS. Tiago. O que são covenants e como funcionam essas garantias para grandes empréstimos. 2023. Disponível em: https://www.suno.com.br/artigos/covenants/. Acesso em: 13 out. 2024.

4 PERIN. Marcelo Sandrini. GLITZ. Frederico E.Z. Covenants em contratos de financiamento de longo prazo: uma perspectiva jurídica. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 1, 2015, nº1. Acesso em 19 out. 2024.

5 Frise-se que, nesse contexto, ainda cabe análise do juízo competente sobre a legalidade da medida adotada.

6 PROTIVITI. Para evitar riscos de inadimplência due diligence patrimonial. 2019. Disponível em: https://www.protiviti.com.br/prevencao-de-perdas/para-evitar-riscos-de-inadimplencia-due-diligence-patrimonial/. Acesso em 11 out. 2024.

7 BRASIL. Lei n. 10.406.10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm Acesso em: 19 jun. 2024.

Bruno Andrioli

Bruno Andrioli

Advogado – Medina Guimarães Advogados

Medina Guimarães Advogados Medina Guimarães Advogados

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