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Nesta quarta-feira, 6, o STF, por maioria, entendeu inconstitucional lei municipal de Uberlândia/MG que vedou vacinação compulsória contra a covid-19 e outras doenças.
O caso chegou ao plenário físico após pedido de destaque do ministro Nunes Marques.
Nesta manhã, prevaleceu o entendimento do relator, que, em sessão virtual, já havia suspendido a validade da lei e votado por sua inconstitucionalidade. Ministro Nunes Marques apresentou divergência parcial, defendendo a perda de objeto da ação em relação à covid-19.
Ministra Cármen Lúcia não esteve presente e, por isso, não proferiu voto.
Caso
Na ação, o partido Rede Sustentabilidade apontou ofensa a diversos princípios constitucionais, como a defesa da vida e da saúde de todos, a proteção prioritária da criança e do adolescente e a proteção à pessoa idosa.
A lei municipal 13.691/22 proibiu a vacinação compulsória contra covid-19 em Uberlândia/MG e vedou restrições e sanções contra pessoas não vacinadas.
A norma também previu que nenhuma pessoa pode ser impedida de ingressar, permanecer e frequentar qualquer local, público ou privado, em razão de recusa a ser inoculado com substância em seu organismo, inclusive a vacina contra covid-19.
Em abril de 2023, o relator, ministro Barroso deferiu medida cautelar para suspender a eficácia da lei.
Ideias de Marte
Ao votar pela invalidade da norma, ministro Flávio Dino fez críticas à noção de liberdade individual como um conceito absoluto.
Dino diz que liberdade absoluta contra vacina saiu de “planeta plano”
Dino comentou que essa visão de liberdade “certamente deve ser de um planeta plano”, aludindo a ideias simplistas e retrógradas, e afirmou que tal concepção parece saída de Marte. Para o ministro, a visão distorcida de liberdade tem ganhado força como ideologia que proclama o direito de agir de maneira irresponsável, inclusive quando representa risco à coletividade.
Segundo Dino, essa “vulgarização ideológica” se manifesta em casos como o da lei de Uberlândia, onde a liberdade individual é invocada para justificar o direito de transmitir doenças.
O ministro traçou paralelo entre a situação e as proibições de fumar em espaços públicos, questionando por que essas normas de saúde pública não são contestadas da mesma forma.
Também enfatizou que é esdrúxulo que o STF tenha que se posicionar contra o “direito de ficar doente e de transmitir doenças”, que considera uma ideia “absurda” e “perigosa” quando levada ao extremo, pois poderia ser usada para justificar ações ainda mais graves, como a tortura e a violência em nome da liberdade.
Ao concluir, Dino destacou que não existe um “direito fundamental” a colocar em risco a saúde de outros, reiterando que, embora a vacinação compulsória seja inaceitável, exigir a imunização como pré-requisito para o exercício de outros direitos é razoável e alinhado com a jurisprudência do tribunal.
Veja parte da manifestação:
Liberdade de escolha
Ministro Nunes Marques, ao proferir voto, divergiu parcialmente dos pares por entender que houve perda do objeto da ação com relação ao trecho da lei que tratava da vacinação contra a covid-19.
Argumentou que a obrigatoriedade da vacina perdeu relevância diante da suspensão de exigências de comprovante vacinal em vários países, incluindo o Brasil.
Destacou a variação de respostas imunológicas entre faixas etárias, defendendo que jovens e idosos possuem necessidades diferentes em relação à imunização. Embora tenha reconhecido a importância da vacina, Nunes Marques afirmou que, em respeito ao direito de escolha e ao princípio de isonomia, a vacinação não deveria ser imposta a todos de forma uniforme.
Veja trecho do voto:
Gripezinha, jacarés e chips
Ao votar, ministro Alexandre de Moraes criticou a lei de Uberlândia, destacando o contexto crítico da pandemia e o número elevado de mortes no Brasil.
Enfatizou que o país foi o segundo em mortes absolutas, atribuindo parte desse cenário ao negacionismo inicial. Moraes ressaltou o papel fundamental do Instituto Butantan no início da vacinação e mencionou a decisão do STF que obrigou o governo a estabelecer um cronograma vacinal.
O ministro destacou o impacto do negacionismo durante a pandemia, mencionando argumentos amplamente difundidos à época, como a ideia de que a covid-19 era apenas uma “gripezinha” ou que vacinas teriam efeitos absurdos, como “virar jacaré” ou implantar chips para controle.
Criticou essas teorias conspiratórias, salientando que elas desacreditaram a vacinação e atrasaram medidas de proteção em um momento de grande vulnerabilidade para o Brasil.
Veja o momento:
Entendimento do relator
Ainda no plenário virtual, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, ao suspender a lei, entendeu que o pedido do partido está segundo o entendimento do STF, que já reconheceu a legitimidade da vacinação compulsória, por meio da adoção de medidas indutivas indiretas, como restrição de atividades e de acesso a estabelecimentos, afastando apenas a vacinação forçada, por meio de medidas invasivas, aflitivas ou coativas.
O ministro também frisou que é firme a jurisprudência do Tribunal de que matérias relacionadas à proteção da saúde devem ser norteadas pelos princípios da precaução e da prevenção.
Na avaliação do relator, a lei municipal ignora os princípios da cautela e da precaução e contraria o consenso médico-científico sobre a importância da vacina para reduzir o risco de contágio.
Além disso, a seu ver, a lei municipal contraria o artigo 3º, inciso III, alínea “d”, da lei Federal 13.979/20 (objeto das ADIns 6.586 e 6.587), que permite a determinação de vacinação compulsória contra a covid-19, sem que existam peculiaridades locais que justifiquem o tratamento diferenciado.
Veja o voto do relator.
- Processo: ADPF 946