A prisão civil dos devedores de alimentos sob a luz do novo CPC   Migalhas
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A prisão civil dos devedores de alimentos sob a luz do novo CPC – Migalhas

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1. Introdução

Este artigo científico foi originado em cima de um TCC – Trabalho de Conclusão de Curso que, por sua vez, começou a ser desenvolvido, quando fazia um ano da vigência do novo CPC. Razão pela qual, o tema abordado nessa pesquisa fosse estudado com maior profundidade. 

Uma vez que o genitor não tenha adimplido com a prestação alimentícia junto aos seus progenitores, será intimado, dentro do prazo de três dias, a pagar e provar que fez o depósito ou, dependendo das circunstâncias, deverá justificar a impossibilidade de não o efetuar. Caso contrário, lhe será decretada a prisão.

Se por um lado, tal medida impulsionou uma maior celeridade do Poder Judiciário e permitiu com que a sociedade tomasse consciência da importância da prestação alimentícia junto aos seus genitores; por outro lado, isso gerou na população um certo terror em relação ao fato de serem colocados em uma penitenciária, uma vez que não venha a cumprir a obrigação que lhe foi imposta.

Diante desse aspecto, faz-se o seguinte questionamento: até que ponto isso é viável? Considerando que, em uma determinada ocasião, o prestador de alimentos não honre o seu compromisso e mesmo tendo como comprovar a sua precária condição financeira, esse será conduzido a uma penitenciária, onde ficará preso por um período de cento e oitenta dias. Comprometendo, assim, a sua reputação.

Em contrapartida, essa conduta, adotada, atualmente, pela justiça brasileira, amparada pelo novo CPC, permite com que o Poder Judiciário tenha mais aplicabilidade. Por isso, esse deve ser estudando.  

1.2. Objetivos

1.2.1. Objetivo geral

Analisar a prisão civil dos devedores de alimentos sob a vigência do novo CPC.

1.2.2. Objetivos específicos

  • Analisar a ação de alimentos no Direito de Família;
  • Analisar a relação do Novo CPC com a ação de alimentos.
  • Analisar a relação da pena privativa de liberdade com a CF.
  • 1.3. Metodologia

    A concretização dessa pesquisa, foi consequência da utilização de leituras de legislações como o novo CPC, O CC e a CF/88, além dos seguintes doutrinadores: Marcelo Abelha e Daniel Amorim Neves.

    Esses três pensadores condicionaram o andamento dessa pesquisa no que diz respeito a aplicabilidade da lei em relação aqueles que tem a obrigação de prestar alimentos aos seus genitores.

    Pablo Stolze Galiano e Rodolfo Pamplona Filho, por sua vez, servem e contraponto em relação a prestação alimentícia, mostrando o porquê da aplicabilidade de tal obrigação.

    Também foram acrescidos nesse trabalho os tradicionais teóricos Cesare Beccaria e Michel Foucault que, ao seu modo, cada um apresenta uma ótica diferenciada relacionada a aplicabilidade de uma sanção.  

    Rodrigo Duque Estrada Rig também foi utilizado nessa pesquisa como referência bibliográfica, dentro da esfera penal; assim como, Paulo Gustavo Gomes Branco, dentro da área constitucional. Apesar de fazerem parte de âmbitos diferentes, dentro do ordenamento jurídico, esses dois autores serviram de contraponto na realização desse trabalho para abordarem a aplicabilidade das sanções penais.  E somado a isso, foi acrescentado, dentro dessa discussão, um julgado do STJ, HC 86. 842, para melhor entender a finalidade da aplicação da prisão civil.

    Sendo assim, viável colocar em pauta as razões para a realização de um novo CPC, bem como a agilidade e rigidez do Poder Judiciário em proceder junto àqueles que não adimplem a pensão alimentícia.

    2. Desenvolvimento

    2.1. Os alimentos no Direito de Família

    Os alimentos, dentro da esfera cível, podem ser denominados como uma forma pela qual permitem aos familiares pedirem uns dos outros meios que possibilitem contribuir com a sua subsistência. 

    De acordo com Marcelo Abelha (2016), os alimentos, estão divididos em duas nomenclaturas: naturais e côngruos. O primeiro, também conhecido como necessários, está vinculado a tudo aquilo que se refere as necessidades básicas, tendo como exemplo a alimentação, o vestuário e a habitação.

    Os alimentos côngruos, também denominados de civis, está direcionado a educação, instrução e urgência. De uma forma bem simplificada, podem ser conceituados como aqueles encarregados a manutenção da qualidade de vida do alimentado.

    No que diz respeito a sua causa, os alimentos, conforme observados por Marcelo Abelha (2016), podem ser classificados da seguinte maneira: legítimos; testamentários; judiciais; convencionais.

    Os alimentos legítimos podem ser conceituados como aqueles que decorrem por força da lei. Os alimentos testamentários são aqueles que advém da última vontade do de cujos. Os alimentos convencionais são aqueles que são determinados por meio de estipulação negocial pelos inter vivos. E os alimentos judiciais podem ser denominados como aqueles que decorrem por meio de uma decisão judicial.

    Daniel Amorim Assunção Neves (2015) afirma que uma boa parcela da doutrina compreende que a forma especial se encontra limitada aos alimentos legítimos, decorrentes dos laços de parentesco ou de alguma formação familiar (seja em decorrência do casamento ou união estável).

    Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2017) complementam dizendo que a obrigação de alimentos por meio da legitimidade tem como principal caraterística a reciprocidade, visto que todo aquele que possui o direito de recebê-los também poderá vir a juízo para exigi-los para si, caso haja situação de necessidade.

    Tal pensamento vai de encontro com o art. 1694, do CC, ao afirmar que os parentes, cônjuges ou companheiros podem pedir uns aos outros os alimentos que necessitam, desde que estejam em conformidade com a sua condição social.

    Fundamentados no art. 1697, do CC, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2017) salientam que a prestação de alimentos detém um caráter sucessivo pelo qual entende-se que na ausência de descendentes, compete aos ascendentes assumirem o compromisso de assumirem a função de alimentantes. Contudo, a norma legal não permite com que parentes colaterais (tio, primo, sobrinho) adquiram a responsabilidade da obrigação de alimentar.

    Marcelo Abelha (2016), afirma que a ação de alimentos é uma tarefa árdua, dentro do Direito Material, em decorrência da enorme confusão legislativa, doutrinária e jurisprudencial que, segundo ele, o temo “alimentos”, dentro da esfera jurídica, abrange tudo o que está vinculado a manutenção da qualidade de vida do indivíduo. Por essa razão, é bastante comum associar a prestação alimentícia com a separação judicial, visto que os cônjuges, quando separados judicialmente, terão de cumprir com tal obrigação, conforme determina o art. 1703 do CC.

    2.2. A ação de alimentos e o novo CPC

    A ação de execução de alimentos é o meio processual, pelo qual, o credor busca, em juízo, o adimplemento do crédito. O cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos permite a celeridade do processo, conforme pode ser observado no caput do art. 528.

    Até então, a prisão civil aos devedores de alimentos sempre existiu, conforme pode ser observado no inciso LXVII do art. 5º, da CF/88; porém, a aplicabilidade dessa sanção ocorria de uma forma, aparentemente, branda: uma vez não cumprindo com a sua obrigação, o devedor era recolhido a uma cadeia pública e, em seguida, era liberado, assim que pagasse a quantia devida ao alimentado.

    Atualmente, esse quadro mudou, logo após o advento do novo CPC. Aquele que for considerado inadimplente em relação ao pagamento de pensão alimentícia, será recolhido a uma penitenciária, onde ficará preso, por um período de três meses, caso não venha a cumprir a respectiva obrigação.

    Michel Foucault (1987) afirma que o afrouxamento da severidade penal, durante um certo período, foi visto como um meio quantitativo que consistia em menos sofrimento que buscava preservar a dignidade do indivíduo. Cesare Beccaria, por sua vez, contrapõe essa ideia afirmando toda lei que não estiver fundamentada nisso, terá sempre dificuldade de ser mantida.

    2.3. A pena privativa de liberdade dentro do processo civil

    O direito à liberdade, segundo Paulo Gustavo Gonet Branco, serve como ferramenta principal no que diz respeito à dignidade da pessoa humana, conforme ele próprio analisa “Liberdade e igualdade formam dois elementos essenciais do conceito de dignidade da pessoa humana, que o constituinte erigiu a condição de fundamento do Estado Democrático de Direito e vértice dos direitos fundamentais.” (BRANCO, 2010, p. 450).

    Rodrigo Duque Estrada Rig (2016) denomina o princípio da dignidade como o pano de fundo para os demais princípios dentro da esfera penal, pois funciona como elemento de contenção da irretroatividade do poder punitivo, conforme ele observa:

    Em sede de execução, o princípio funciona como elemento de contenção de irracionalidade do poder punitivo, materializando-se na proibição de tortura e tratamento cruel e degradante (art 5º, III, da CF), na própria individualização da pena (at 5º, XLVI) e na proibição de penas de morte, cruéis ou prisão perpetua (art 5º, XLVIII, da CF). (RIG, 2016, p. 24).

    Segundo o autor, as penas aplicáveis, no território nacional, devem estar em conformidade com os incisos XLV, XLVI, XLVII e XLVIII do art. 5º., da CF/88, pelo qual nenhuma pena passará pela pessoa do condenado; que as penas aplicáveis são: privação de liberdade, multa e restritiva de direitos.

    A execução penal pode ser entendida como a realização ou a praticidade do sistema judiciário que, na maioria das vezes, ocorre de forma contrária da parte acusada. Em outras palavras, é a aplicação de uma sanção, em consequência do ato infracional praticado pelo réu.

    Cesare Beccaria (1764) observa que nenhum indivíduo sacrifica a sua liberdade a fim de promover exclusivamente o bem em prol da sociedade e acrescenta: “Cada homem só por seus interesses está ligado às diferentes combinações políticas deste globo; e cada qual desejaria, se fosse possível, não estar ligado pelas convenções que obrigam os outros homens”. (BECCARIA, 1764, p. 9).

    A prisão civil distingue-se da esfera penal, porque não consolida uma finalidade estatal e embora o inciso LXVII do art. 5º, da CF/88, não permita a sua aplicabilidade perante os devedores, ela funciona como um embasamento coercitivo. Destinando-se apenas a coagir o devedor a comprometer-se a adimplir aquilo que lhe foi debitado.

    O parágrafo terceiro do art. 528, do novo CPC, estabelece que se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada por esse não for aceita pelo juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial, conforme previsto no parágrafo 1º desse mesmo artigo, será decretada a prisão, pelo prazo de 1 até três meses.

    No entanto, é importante observar que o requerimento que solicita o pedido de prisão deixa bem claro que quando provocado, o juiz não poderá ter mais nenhuma razão para formular um novo pedido apenas para decretar a prisão, podendo faze-la de oficio, na condição de que sejam verificadas as condições impostas no referido dispositivo legal, como bem pode ser analisada esse julgado promovido pelo STJ:

    A firme orientação desta Corte é no sentido de que a prisão civil é medida de natureza coercitiva que busca refrear a postura recalcitrante do devedor de alimentos, a fim de compeli-lo a cumprir, rigorosa e tempestivamente, a prestação alimentar, eis que indispensável para a sobrevivência digna e para o adequado desenvolvimento dos menores. Nesse sentido: HC 181.231/RO, 3ª Turma, DJe 14/04/2011; HC 44580, 3ª Turma, DJ 12/09/2005; HC 296.694/MG, 3ª Turma, DJe 20/10/2014; HC 305.805/GO, 3ª Turma, DJe 31/10/2014; AgRg no HC 272.034/SC, 4ª Turma, DJe 20/08/2013 e HC 312.800/SP, 4ª Turma, DJe 19/06/2015.

    Em razão de seu caráter essencialmente coativo, a prisão civil do devedor de alimentos é, em regra, insuscetível de substituição por prisão domiciliar, exceto em situações excepcionais, como é a hipótese em exame, na medida em que se observa do mais recente relatório médico do recorrente.

    De acordo com o STJ, a prisão civil equivale a uma sanção de natureza personalíssima, pelo simples fato de limitar a liberdade do devedor. Sobre esse aspecto, Daniel Amorim Assunção Neves (2015) descorda fazendo as seguintes ressalvas:

    Primeiro, porque a prisão civil nada tem de sanção, tendo natureza de medida de execução indireta. Segundo, porque, ao admitir que apenas a pessoa humana devedora de alimentos pode ser presa, essa importante forma de pressionar psicologicamente o devedor passa a ser inaplicável as pessoas jurídicas e pessoas formais (NEVES, 2015, p. 1374).

    Marcelo Abelha (2016) complementa esse pensamento, ao afirmar que a prestação alimentícia como um meio residual que além de funcionar como um direito fundamental direcionado a existência do indivíduo, condiciona o executado a efetivação de uma forma menos gravosa.

    Em situações dessa natureza, deve-se, sopesando-se os interesses envolvidos, prestigiar-se a dignidade da pessoa humana, evitando-se que a sanção máxima cível se transforme em uma pena de caráter cruel e, até mesmo, desumana.

    3. Resultados obtidos (Conclusão)

    A presente pesquisa teve como finalidade observar a prisão civil dos devedores de alimentos sob a luz do novo CPC em que foi necessário consultar a legislação pura, assim como as doutrinas voltadas para o âmbito jurídico e, para complementar, alguns pensadores do meio filosófico, como Michel Foucault e Cesare Beccaria.

    É importante lembrar que esse trabalho mesmo tendo como objeto de estudo o novo CPC, enveredou para outros meandros do Direito: Direito Civil (especificamente, o direito de família no que remete a prestação alimentícia; o Direito Processual Civil (relacionado a execução contra aqueles que não cumprem com as suas obrigações alimentícias); e o Direito Processual Penal (referente a prisão daqueles que não pagam a pensão alimentícia).

    Observou-se, então, que para fazer valer o cumprimento da justiça, no Brasil, foi necessário, em algumas ocasiões, estabelecer um certo rigor. No entanto, esse tipo de conduta, na maioria dos casos, merece ser discutido, porque nem sempre aqueles que deixam de cumprir a obrigação alimentícia podem ser hostilizados pelo nosso sistema judiciário.

    Ao passo que o novo CPC teve como objetivo, quando entrou em vigor, estabelecer uma maior celeridade do sistema judiciário no que se refere ao pagamento de pensão alimentícia, foi necessário estabelecer uma análise mais aprofundada constatando-se que para toda regra existem exceções, sendo necessário que esse tema seja analisado de forma mais subjetiva.

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    1 ABELHA, Marcelo. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Editorial Forense, 2016.

    2 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 1764.

    3 BRANCO, Paulo Gustavo Gomes. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010.

    4 BRASIL. Constituição Federal, 5 de outubro de 1988; Código Civil, 10 de janeiro de 2002; Código de Processo Civil, 16 de março de 2015.

    5 Foucault, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1987.

    6 GALIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2017.

    7 NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual De Direito Processual Civil. São Paulo: Método, 2005.

    8 RIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal Teoria. São Paulo, 2016.

    9 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso em habeas corpus nº 86.842. Disponível em: . Acesso em: 2 abr. 2019.

    Eric Tadeu do Vale Lima

    Eric Tadeu do Vale Lima

    Advogado e Jornalista, integra a Comissão de Direito de Família e Direito do Trabalho na OAB do Ceará.

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