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O CNJ – Conselho Nacional de Justiça editou recentemente ato normativo recomendando aos juízes e tribunais a adoção de medidas para identificar, tratar e prevenir a litigância abusiva.
Embora ainda seja um conceito em construção e envolva diversas polêmicas sobre sua caracterização, a litigância abusiva constitui-se em um exercício ilegítimo do direito de acesso ao Poder Judiciário, com desvio de finalidade.
O acesso à justiça foi expressamente consagrado pela CF/88 como um direito fundamental, permitindo a todos o ingresso com demandas perante o Poder Judiciário em casos de lesão ou ameaça a direitos. Esse ingresso pode ser realizado por pessoas físicas, jurídicas, condomínios, associações, partidos políticos, entes públicos etc.
Nas últimas décadas o acesso ao Poder Judiciário foi ampliado; contudo, há muito tempo observa-se uma explosão de litigiosidade que causa evidente sobrecarga nesse poder. Não se deve confundir litígios repetitivos ou de massa com a chamada litigância abusiva. Litígios de massa são legítimos, cabendo ao Poder Judiciário aprimorar a gestão desses processos repetitivos, inclusive por meio de instrumentos processuais existentes, como os de formação de precedentes.
Se, por exemplo, for editada uma norma Federal tributária inconstitucional que afete milhares de sociedades empresárias no Brasil, é juridicamente aceitável levar ao Judiciário a discussão jurídica da questão por meio de advogados, ainda que milhares de ações sejam ajuizadas. Seria mais proveitoso, de fato, que houvesse um tratamento coletivo para a questão, por meio da propositura de uma ação coletiva em sentido amplo, por exemplo. Contudo, não há qualquer ilegalidade na propositura de ações individuais pelos empresários, para proteção de seus direitos, caracterizando-se demandas repetitivas.
Desde que corretamente configurada, a litigância abusiva, que alguns chamam de predatória, é uma conduta ilegal e deve ser combatida. Embora o acesso ao Poder Judiciário seja livre, há situações em que esse acesso pode ser desvirtuado, configurando abuso de direito e, portanto, constituindo-se em ilegalidade.
O CNJ, seguindo o entendimento já estabelecido por diversos Tribunais do país, considera que, para fins de litigância abusiva, “devem ser consideradas como espécies as condutas ou demandas sem lastro, temerárias, artificiais, procrastinatórias, frívolas, fraudulentas, desnecessariamente fracionadas, configuradoras de assédio processual ou violadoras do dever de mitigação de prejuízos, entre outras, as quais, conforme sua extensão e impactos, podem constituir litigância predatória”.
Além disso, o CNJ indicou uma lista exemplificativa de condutas processuais que considera potencialmente abusivas, como por exemplo a propositura de “várias ações judiciais sobre o mesmo tema, pela mesma parte autora, distribuída de forma fragmentada” e “distribuição de ações judiciais semelhantes, com petições iniciais que apresentam informações genéricas e causas de pedir idênticas, frequentemente diferenciadas apenas pelos dados pessoais das partes envolvidas, sem a devida particularização dos fatos ao caso concreto”.
Nem todo expressivo número de demandas semelhantes ajuizado por uma única parte configura litigância abusiva. A Fazenda Pública que ajuíza, em curto espaço de tempo, centenas de execuções fiscais contra diversos contribuintes apenas cumpre seu papel institucional, não havendo qualquer ilegalidade.
Portanto, é imprescindível uma análise imparcial e criteriosa para a caracterização da litigância abusiva, evitando que injustiças e excessos sejam cometidos. É igualmente necessário cuidado para que casos de litigância repetitiva não sejam equivocadamente classificados como litigância abusiva, o que pode prejudicar o legítimo direito de acesso à Justiça. A litigância abusiva, desde que devidamente caracterizada, deve ser combatida, pois configura evidente prejuízo ao Judiciário e à sociedade.
João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho
Professor de Direito e advogado do escritório João Bosco Filho Advogados.