Benefício da justiça gratuita na fase recursal e o problema do prazo   Migalhas
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Benefício da justiça gratuita na fase recursal e o problema do prazo – Migalhas

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O CPC incluiu em sua regulamentação a disposição sobre o benefício da justiça gratuita1, com a revogação da lei 1.060/50 da parcela que versa sobre os processos cíveis, a partir do art. 98 e seguintes.

O requerimento para a concessão do benefício da justiça gratuita pode ser realizado por todas as partes, em qualquer momento processual, apesar de a normalidade ser do autor e na petição inicial, cabendo em diversas outras fases, como descreve o art. 99 do CPC.

Sobre “qualquer momento processual” e “ambas as partes”, isso inclui qualquer recurso, por qualquer das partes que detenha o direito de recorrer. Ou seja, se a parte prejudicada pela decisão, sem condições de arcar com as custas recursais e também sem ter realizado o requerimento do benefício da justiça gratuita em momento anterior, pode requerê-lo no recurso?

Obviamente que sim.

O requerimento do benefício deve ser realizado quando a parte entender que há necessidade, seja o autor na petição inicial, o réu na contestação, ambos em um momento de produção de prova que não detém meios de arcar, na fase recursal ou qualquer outra, inclusive na execução, se for o caso.

Desse modo, não há óbice para a realização do requerimento na fase recursal, com a fundamentação e requerimento internamente no recurso, porém, dependerá da análise do relator sobre a possível concessão, com os resultados como deferimento ou indeferimento do benefício. Uma vez deferido, o recurso estará isento da apresentação do preparo/custas recursais e, se deferido para todos os atos2, os demais possíveis recursos também serão alcançados por tal desiderato, sem necessidade de renovação.

A dúvida e o problema que este texto trata é justamente o outro resultado: o indeferimento no requerimento do benefício da justiça gratuita realizado no recurso.

Com o indeferimento, o relator deve conceder o prazo de 5 dias para o pagamento do preparo, das custas recursais, com base no teor do art. 101, § 2º do CPC, sob pena de não conhecimento do recurso.

No entanto, o próprio caput do mesmo art. 101 do CPC diz que contra a decisão que indeferir a gratuidade ou a que acolher pedido de sua revogação caberá recurso3, no prazo normal dos recursos, ou seja, 15 dias.

Dessa maneira, quando o relator indefere o requerimento do benefício da justiça gratuita, profere uma decisão monocrática e que abre duas possibilidades para o recorrente: (i) arcar com as custas recursais ou comprovar documentalmente a sua situação, se a decisão permitir; (ii) recorrer da decisão, levando a matéria para o colegiado.

Na primeira hipótese, se o recorrente entender que não deve pagar as custas recursais, realiza o recolhimento do preparo, com a devida juntada no prazo de 5 dias, afastando a deserção recursal e encerrando a discussão sobre o pleito da isenção das custas para o recorrente, cumprindo a decisão. Ou, se for o caso da decisão permitir, pode juntar documentos comprobatórios da situação que autoriza o benefício no mesmo prazo de 5 dias e aguarda nova decisão sobre o requerimento.

Já na segunda hipótese, se o recorrente entende que os documentos e a sua situação já estão devidamente esposadas e o relator errou ao indeferir o benefício, o agravo interno é o caminho devido, com a possibilidade recursal.

Todavia, essa dupla possibilidade cria um embaraço processual, com um problema existente sobre os prazos para cada hipótese.

O problema existente está nos prazos de cada hipótese, considerando que decorre do mesmo ato processual, a decisão que indeferiu o requerimento de justiça gratuita: (i) o prazo de 5 dias para o pagamento das custas do preparo indeferido sobre o benefício da justiça gratuita; (ii) o prazo de 15 dias para a interposição do agravo interno da decisão que indeferiu o benefício da justiça gratuita.

Ou seja, 2 atos possíveis do mesmo pronunciamento judicial, mas com prazos distintos, trazendo uma complicação entre 5 dias para o pagamento/recolhimento do preparo/juntada de documentos comprobatórios e 15 dias para a interposição do recurso.

Há, claramente, uma dissonância entre os prazos, com a possibilidade do relator, depois dos 5 dias e sem o recolhimento do preparo recursal ou a juntada de documentos comprobatórios, decretar a deserção, mas ainda estará em curso o prazo para recorrer para o colegiado sobre o indeferimento do requerimento de concessão do benefício.

Essa situação é uma complicação da interpretação normativa, sendo um equívoco a própria utilização do prazo de 5 dias, quando há uma recorribilidade e um prazo maior para tanto. Talvez, a utilização do prazo de 5 dias para esse pagamento foi com base na padronização que o art. 1.007 do CPC concede aos recorrentes para a sanabilidade dos pagamentos equivocados, não pagamentos ou comprovação de erro no pagamento.

Contudo, a situação é diversa, nas hipóteses do art. 1.007 do CPC, o pronunciamento judicial é um despacho, com a constatação do vício e a chamada para a correção deste, diferentemente da negativa da concessão do benefício da justiça gratuita, que é uma decisão interlocutória, mesmo que monocrática, sendo passível de recurso.

O STJ já decidiu sobre o devido cabimento do agravo interno em situação de indeferimento do requerimento do benefício da justiça gratuita no REsp 20874844, indicando que a decisão não é despacho e sim uma decisão interlocutória.

Há um problema entre os 2 prazos, com a necessidade, numa prática cooperativa, que os relatores, em situações destas, concedam o prazo de 15 dias, tal qual ocorre no momento da petição inicial, quando o autor detém o mesmo prazo para recorrer ou juntar o comprovante do pagamento das custas, com a opção entre realizar um ou outro ato.

No julgado acima, apesar de não enfrentar claramente a dissonância entre os prazos em questão, a ministra Nancy Andrighi assim enfrentou o tema:

Nesse panorama, interposto agravo interno contra a decisão monocrática que indeferiu a gratuidade de justiça, o preparo não é exigível enquanto não confirmado o indeferimento pelo órgão colegiado. Isto é, até o julgamento pelo colegiado, o recurso não poderá ser julgado deserto. (.) ao direito ao julgamento colegiado e ao disposto no art. 101, § 2º, do CPC/15, somente após a confirmação do indeferimento da gratuidade de justiça pelo órgão colegiado, no julgamento do agravo interno, é que o preparo torna-se exigível, sob pena de deserção5.

Mas, na prática, como o que ocorre é a decisão pelo indeferimento cominada com o prazo de 5 dias para a juntada do pagamento do preparo recursal, para que não haja prejuízo ao recorrente, convém, para solucionar isso, que se tenha a prudência de interpor o recurso no prazo de 5 dias, adiando o prazo para o recolhimento para depois do julgamento do agravo interno, o que é mais correto.

Essa é a melhor solução para um problema existente na prática e que necessitaria de um melhor olhar de cada relator, nos moldes da cooperação processual, seguindo o que a decisão do STJ, no REsp 2087484, tentou sistematizar, ainda que sem mencionar, claramente, que o prazo será de 15 dias para esse momento em que há uma bifurcação processual para o recorrente.

__________

1 ” benefício da justiça é, como dito, a dispensa do adiantamento de despesas processuais, para o qual se exige a tramitação de um processo judicial, o requerimento da parte interessada e o deferimento do juízo perante o qual o processo tramita.” DIDIER JR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Benefício da justiça gratuita. 6ª. ed. Salvador: Juspodvim, 2015. p. 24.

2 É possível que seja realizada a modulação do efeito somente para o recurso em específico.

3 Na redação do art. 101 do CPC, se utiliza o recurso de agravo de instrumento, pressupondo um cabimento em uma decisão de juízo de 1º grau, porém, essa denegação/revogação pode ser em grau recursal, o que importaria em uma decisão monocrática, adaptando, portanto, para agravo interno, não o agravo de instrumento, mas cabendo, notadamente, recurso da decisão.

4 (Nada obstante, conforme as considerações traçadas anteriormente, o provimento jurisdicional que indefere o requerimento de concessão da gratuidade de justiça deduzido em recurso tem natureza de decisão interlocutória. Sendo assim, é passível de impugnação via agravo interno (art. 1.021 do CPC/2015) (.) STJ – REsp 2087484, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 03/10/2023).

5 (STJ – REsp 2087484, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 03/10/2023).

Vinicius Silva Lemos

Vinicius Silva Lemos

Pós-Doutor em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor Adjunto UFAC. Conselheiro Federal pela OAB Rondônia. Advogado.

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