Cláusulas MED ARB: Delimitação da eficácia jurídica   Migalhas
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Cláusulas MED-ARB: Delimitação da eficácia jurídica – Migalhas

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As cláusulas Med-Arb constituem um modelo de resolução de disputas que combina, de modo sucessivo, dois métodos distintos – a mediação e a arbitragem. Assim, mediante a pactuação de cláusula Med-Arb, estabelece-se um sistema de solução de disputas que lança mão de um primeiro instrumento consensual (mediação), seguido, em caso de insucesso da primeira tentativa, da via adjudicatória (arbitragem). Nesse contexto, as cláusulas Med-Arb se mostram exemplos da busca por métodos personalizados e adaptáveis para resolver disputas de maneira eficiente, criando ‘métodos híbridos’ em busca de uma opção tailor made, específica para cada caso. 

Normalmente, as cláusulas escalonadas são redigidas de forma a privilegiar, em um primeiro momento, métodos autocompositivos, que são mais flexíveis e menos onerosos. Se a solução não for alcançada por meio do primeiro método selecionado, buscam-se alternativas, até que se chegue a um método que resulte em decisão final e vinculante. Tais cláusulas podem ser especialmente úteis em contratos de construção, infraestrutura e propriedade intelectual, podendo significar uma redução de tempo e custos, atrelados à solução dos litígios. Ademais, ensina Sílvia Pachikoski que esse efeito benéfico em tais contratos é acentuado ao permitir a “preservação do vínculo entre as partes contratantes, evitando-se a ruptura do ambiente profícuo das relações comerciais”.1

Por ser a modalidade de cláusula escalonada mais difundida, diversos centros de arbitragem e mediação disponibilizam às partes interessadas o seu respectivo modelo de cláusula Med-Arb, como é o caso da CAMARB, do CAM-CCBC, da CCI e da CIESP-FIESP. A adoção de uma cláusula padrão é benéfica, pois a maioria das controvérsias referentes às cláusulas Med-Arb surge em decorrência da redação da própria cláusula, que muitas vezes não especifica se a etapa prévia de mediação é obrigatória ou opcional.

É necessário analisar se as partes estabeleceram que deverão ou poderão se submeter à etapa de mediação prévia à arbitragem. Em parecer sobre a interpretação de uma cláusula de arbitragem em acordo de acionistas, Luiz Olavo Baptista ressalta que “a interpretação de uma expressão se faz no contexto em que se manifesta”2. Nesse sentido, cláusulas que preveem que as partes “envidarão seus melhores esforços para solucionar a controvérsia amigavelmente” e que, apenas não chegando a um acordo, é que se inicia a arbitragem, não são cláusulas escalonadas3. Assim, a interpretação da cláusula Med-Arb deve levar em consideração a vontade expressa das partes, ao incluir essa cláusula no contrato, sendo guiada pelo princípio da boa-fé objetiva.

O TJ/SP, em caso de 2022 relatado pela desembargadora Ana Maria Baldy, analisou a redação de cláusula compromissória em que a parte questionava se se trataria de cláusula escalonada nos parâmetros Med-Arb4. A ação judicial foi proposta visando à instalação compulsória de procedimento de mediação, uma vez que o procedimento arbitral foi instaurado sem que a mediação prévia tivesse sido realizada. Interpretando os termos estabelecidos, o Tribunal de Justiça entendeu haver grande diferença entre a condicionante contratual prevista e a alegada obrigatoriedade de prévia etapa de conciliação ou mediação. Entendeu-se que a cláusula compromissória analisada não configurava cláusula escalonada, dizendo que “não nos parece demais registrar que cláusula restritiva se interpreta restritivamente, ou seja, se não há expressa previsão de instauração de procedimento de conciliação/mediação, não nos parece justificável tal exigência, bastando, para instauração da arbitragem, que eventual conflito não se tenha sido resolvido pelas partes, após o prazo de sessenta dias”.5

Em se tratando de cláusula de “mediação obrigatória”, o art. 23 da lei de mediação disciplina a eficácia da cláusula de mediação em relação a outros métodos de solução de conflitos, especificamente a arbitragem e os processos judiciais6. Trata-se de previsão legal acerca da “exceção de mediação”, que apresenta a natureza de exceção dilatória processual. “Dilatória” por encobrir, temporariamente, a eficácia de direitos potestativos processuais (direito de iniciar a arbitragem). “Processual” pela sua eficácia não estar adstrita ao plano material – i.e de impor direitos, deveres ou prestações a serem observadas pelas partes. Observe-se que o suporte fático da exceção de mediação não é preenchido pela simples pactuação de cláusula de mediação. É necessário haver um escalonamento, ou seja, que as partes tenham pactuado que a mediação deve anteceder, necessariamente, outro meio de solução de conflitos.

A natureza jurídica da mediação prévia obrigatória suscita diferentes interpretações, com consequências jurídicas indeléveis atreladas à qualificação. Em termos estruturais, a “mediação prévia obrigatória” refere-se à exigência de as partes envolvidas em uma disputa tentarem resolver o litígio, inicialmente, através da mediação. Há quem considere, inclusive, que se trata de uma condição de admissibilidade de observância prévia e necessária para a utilização de outros métodos de solução de controvérsia. Haveria, assim, uma eficácia processual própria da cláusula Med-Arb, verdadeiro pressuposto para a arbitragem, de modo que não poderia um tribunal arbitral iniciar validamente a arbitragem sem que a controvérsia fosse submetida à mediação prévia.

Outra corrente considera a mediação prévia obrigatória como obrigação pré-processual, ou seja, a participação na mediação seria um dever decorrente do contrato, de observância obrigatória, tal qual qualquer outra disposição contratual, recorrendo-se ao regime do inadimplemento.

A resposta para esse debate, no Brasil, sobreveio em 2015, com o art. 23 da lei de mediação. O entendimento legislativo foi no sentido de privilegiar a escolha das partes pelo procedimento de mediação7, prevendo que que “na hipótese de existir previsão contratual de cláusula de mediação, as partes deverão comparecer à primeira reunião de mediação.”8 A mediação tem início na data da primeira reunião, nos termos do art. 17 da lei de mediação, que dispõe que “considera-se instituída a mediação na data para a qual for marcada a primeira reunião de mediação”. Como sanção legal ao não comparecimento à primeira reunião, a parte ausente será responsável por arcar com cinquenta por cento das custas e honorários sucumbenciais caso venha a ser vencedora em um procedimento arbitral ou judicial posterior que envolva o escopo da mediação para a qual foi convidada. Reitera-se: cinge-se a lei a obrigar o comparecimento apenas à primeira sessão, o que mantém a característica central da mediação como um processo baseado na autonomia das partes, passível de ser interrompido ad nutum (Art. 2, § 2º da lei de mediação).

Ademais, a lei de mediação autoriza, em seu art. 22, IV, a pactuação de penalidades convencionais para a inobservância da cláusula Med-Arb. Assim sendo – tal como qualquer outra sanção – somente podem decorrer da lei ou da vontade das partes, sendo inadmissível ao intérprete aplicador inovar e atribuir consequência jurídica mais gravosa.

Nesse sentido, aponta-se a impossibilidade jurídica de pactuação de cláusula contratual que estabeleça, como sanção ao descumprimento da cláusula Med-Arb, a alteração das regras de ônus da prova na arbitragem ou a invalidade de sentença arbitral. Sendo a decisão dos árbitros manifestação de poder jurisdicional, esse não pode – pela própria natureza – ser limitado pelo simples descumprimento de cláusula escalonada. Assim é que a não observância da etapa de mediação prévia não tem o condão de invalidar a subsequente arbitragem. Tendo em vista o efeito meramente procedimental da etapa de mediação prévia, isto é, a adição de uma etapa específica no iter contratado para a solução da controvérsia, não há implicações jurisdicionais que possam conduzir à invalidação da sentença arbitral proferida.

Em síntese, o melhor entendimento é no sentido de que o descumprimento da cláusula Med-Arb não impacta a jurisdição do tribunal arbitral ou a higidez da sentença arbitral a ser proferida. Não se deve confundir o escalonamento Med-Arb com condição da ação ou requisito de admissibilidade do procedimento arbitral. A jurisdição arbitral é imune a questionamentos oportunistas lastreados em alegações de inobservância do procedimento de mediação prévia obrigatória. Trata-se, somente, de obrigação de fazer – cujas consequências do descumprimento estarão somente no plano do direito material, seja mediante a aplicação das sanções previstas em lei ou convencionadas pelas partes, sob pena de fulminar a própria natureza da mediação, que tem indelével cariz voluntarista e depende do interesse das partes.

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1 PACHIKOSKI, Silvia Rodrigues. A cláusula escalonada. In.: ROCHA, Caio Cesar Vieira; SALOMÃO, Luis Felipe (Coord.). Arbitragem e mediação: a reforma da legislação brasileira versão digital. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

2 BAPTISTA, Luiz Olavo. Interpretação de cláusulas de arbitragem e foro em Acordo de Acionistas. Revista de direito civil contemporâneo, vol. 11, abr.- jun. 2017.

3 LEMES, Selma. Cláusula Escalonada ou Combinada: Mediação, Conciliação e Arbitragem. In.: FINKELSTEINS, Claudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO, Napoleão (coord.). Arbitragem Internacional: UNIDROIT, CISG e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 170.

4 A convenção de arbitragem celebrada previa que, se qualquer controvérsia oriunda do negócio jurídico “não for resolvida através de negociação amigável entre as partes em até 60 (sessenta) dias, o conflito será submetido à arbitragem conforme estabelecido no presente Contrato (‘Arbitragem’)”.

5 TJSP. AI 2151965-59.2021.8.26.0000. 6ª Câm Dir Priv. Rel. Des. Ana Maria Baldy. J. em: 08.12.2022.

6 Lei de Mediação, art. 23: “Se, em previsão contratual de cláusula de mediação, as partes se comprometerem a não iniciar procedimento arbitral ou processo judicial durante certo prazo ou até o implemento de determinada condição, o árbitro ou o juiz suspenderá o curso da arbitragem ou da ação pelo prazo previamente acordado ou até o implemento dessa condição”.           

7 “Com a inovação legislativa, seguiu-se, como deveria, a tendência de se impor responsabilidade e efeitos à cláusula de mediação (ou cláusula med-arb) que deixa, assim, de ser mera cláusula de cortesia (salvo se as partes assim desejarem)” (CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem: mediação, conciliação e resolução CNJ 125/2010. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 177).

8 Lei de Mediação, art. 2º, § 1º: ” Na hipótese de existir previsão contratual de cláusula de mediação, as partes deverão comparecer à primeira reunião de mediação”.

José Antonio Fichtner

José Antonio Fichtner

José Antonio Fichtner se destaca como advogado, escritor, mediador, árbitro e professor, sendo reconhecido e listado nas principais instituições jurídicas arbitrais brasileiras.

Rodrigo Salton

Rodrigo Salton

Mestrando em Direito Civil (UERJ). Bacharel em Direito pela UFRGS. Especialização em Direito Civil e Processo Civil na FMP. LLM em Advocacia Corporativa na FMP. Advogado. Sócio de Fichtner Advogados.

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