Comissão de juristas para lei de direito internacional privado   Migalhas
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Comissão de juristas para lei de direito internacional privado – Migalhas

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Dez anos atrás, o professor de Direito Internacional da USP André de Carvalho Ramos1 escreveu que “é hora para um novo projeto de lei”, referindo-se às inúmeras tentativas de dar ao DIPr brasileiro uma codificação. Hoje, parece ter chegado a hora de dar corpo à legislação, atualmente dispersa em artigos da LINDB, há décadas sofrendo com o envelhecimento desta.

O anteprojeto será conduzido pela comissão formada no mês passado, na qual estão juristas renomados, incluindo os professores Gustavo Ferraz de Campos Mônaco (USP) e Carmen Tiburcio (UERJ), além de representantes do STJ e do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável. Entre as propostas em discussão, destaca-se a possibilidade de as partes escolherem a legislação aplicável aos contratos internacionais, prática que é amplamente adotada em outros países, mas ainda restrita no Brasil.

A experiência de países como Alemanha, França, Estados Unidos e Reino Unido serve de inspiração para a lei local. Na Alemanha, o princípio da “conexão mais estreita” é amplamente utilizado para determinar a legislação aplicável com prioridade para a relação mais significativa entre o caso e a jurisdição envolvida. Já na França, o DIPr é moldado pela jurisprudência e pela doutrina, com um forte respeito à autonomia das partes, desde que não infrinja a ordem pública francesa. Nos Estados Unidos, a ausência de uniformidade nas normas de DIPr é compensada pelo “Restatement (Second) of Conflict of Laws”, que guia os tribunais a aplicarem a legislação mais relacionada ao caso. No Reino Unido, o “Private International Law (Miscellaneous Provisions) Act 1995” regula questões contratuais e extracontratuais.

Um dos pontos chaves do direito internacional privado é definir os elementos de estraneidade, que são os aspectos transnacionais definidos pelos vínculos que conectam um fato jurídico a mais de um ordenamento e podem surgir de situações de fato, como a presença de bens ou pessoas em múltiplas jurisdições, ou de relações jurídicas, como contratos que prevejam a aplicação de uma lei estrangeira. Ao lado disso, o estatuto pessoal, por sua vez, engloba aspectos como estado civil, capacidade e filiação. Tradicionalmente, há divergência entre a aplicação da lei da nacionalidade (“lex patriae”) e da lei do domicílio (“lex domicilii”) para reger tais questões. No Brasil, a adoção da “lex domicilii” com a reforma da LICC em 1942 representou um marco importante, especialmente em um país que historicamente recebeu grandes fluxos migratórios. Contudo, a necessidade de modernizar a abordagem para contemplar situações contemporâneas, como as novas configurações familiares e a mobilidade transnacional, é evidente.

Na LINDB, dentre outros elementos de conexão, estão a “lex loci celebrationis”, que regula atos como o casamento, determinando que as formalidades da celebração sejam regidas pela lei do local onde ocorreu (art. 7°, §1°); a “lex rei sitae”, que estabelece que a lei do local onde o bem está situado define as normas aplicáveis à posse e propriedade pela soberania das leis locais (art. 8°); e a “lex loci delicti commissi”, que rege a responsabilidade civil com base no local do ocorrido (art. 9°).

O objetivo do Brasil com a modernização de sua legislação de DIPr é duplo: alinhar-se às práticas globais e criar um ambiente jurídico mais atraente para investidores internacionais. Autonomia das partes, previsão de lei aplicável para contratos e flexibilização para atender às demandas das novas tecnologias são elementos centrais da transformação, de modo que a harmonização da legislação brasileira com padrões internacionais possa tornar o país mais competitivo e integrado ao comércio global.

No cenário mundial, incertezas geopolíticas, avanços tecnológicos e transformações econômicas exigem adaptabilidade e visão estratégica: tecnologias como inteligência artificial, “big data” e “blockchain” estão cada vez mais integradas às operações de comércio exterior, otimizando desde o planejamento até a entrega de mercadorias. Com isso, é urgente a criação de uma Lei Geral de Direito Internacional Privado no Brasil para sistematizar um campo jurídico essencial nas relações plurilocalizadas atuais, porém historicamente relegado. Consequentemente, espera-se uma maior atratividade do Brasil como destino para investimentos estrangeiros, uma vez que a previsibilidade jurídica é fator determinante na decisão de investidores.

Além disso, o ano passado também marcou a assinatura do acordo para que o Brasil seja sede da Corte Permanente de Arbitragem, fato que representa um marco significativo para o país no cenário internacional de resolução de disputas. É plausível considerar por estes movimentos que há uma tendência convergente de modernização e internacionalização do sistema jurídico brasileiro, o que levará a reforçar a posição do Brasil como um cenário relevante para a América Latina e o comércio mundial.

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1 RAMOS, André de Carvalho. Direito Internacional Privado de matriz legal e sua evolução no Brasil. Revista da AJURIS, v. 42, n. 137, p. 89-114, mar. 2015.

Davi Ferreira Avelino Santana

Davi Ferreira Avelino Santana

Graduando em Direito na Universidade Católica do Salvador com intercâmbio na Universidade do Porto e extensão na Pontificia Università Lateranense di Roma.

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