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Seja porque a súmula 126 do STJ exige das partes que infirmem a parcela constitucional do acórdão que pretendem ver cassado ou revisto por meio do recurso extraordinário, e a parcela que alega violação à lei Federal, por meio do recurso especial, seja em razão da redução no grau de precisão do juízo de admissibilidade e de seguimento exercido nos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, fato é que se encontra amalgamada na prática jurídica da advocacia a interposição simultânea dos recursos especial e extraordinário após o esgotamento da instância ordinária.
Com efeito, este panorama encontra justificativa na AED – Análise Econômica do Direito, porque a elevada chance de os recursos excepcionais encontrarem óbice em precedentes da jurisprudência defensiva do STJ e do STF, bem como em decisões proferidas em fase de juízo de admissibilidade que não tratam o caso penal com a atenção e a minuciosa fundamentação que ele reclama, caracterizando o que se denomina de imprecisão na prestação jurisdicional inefetiva, evidentemente repercute no comportamento do jurisdicionado que se vale de todos os meios processuais cabíveis e incabíveis, por vezes eivados de certo grau de frivolidade1.
Tanto é que, com a finalidade de obter a efetiva prestação jurisdicional prevista no art. 5º, inc. XXXV, da CF/88, em evidente tentativa de conferir maior relevância ao tema central das insurgências recursais, certos casos penais demandam que as partes interponham os recursos especial e extraordinário e, em paralelo, impetrem Habeas Corpus, despindo o tema arguido pelo recorrente das questões processuais que gravitam em seu entorno e permitindo que o cerne da controvérsia seja submetido à julgamento perante o STJ e o STF, sendo ainda garantida a concessão de Habeas Corpus de ofício, nos termos do art. 647-A do CPP.
Assim, identifica-se que a falibilidade da jurisdição foi incorporada no cotidiano forense dos operadores do Direito por intermédio da interposição de ambos os recursos excepcionais, simultaneamente, em paralelo à impetração de ações autônomas de impugnação.
Em contrapartida, o STJ e o STF diuturnamente fortalecem o aspecto defensivo da jurisprudência e de seus precedentes vinculantes e persuasivos, chancelando a redução no grau de precisão da motivação das decisões judiciais que materializam o primeiro juízo de admissibilidade destes recursos.
Naturalmente, a partir destes comportamentos mutuamente adotados e nocivos à efetividade da jurisdição, consolidou-se uma relação perniciosa em que as partes e o Poder Judiciário se retroalimentam, enquanto agravam a problemática que se centraliza no volume de recursos e o reduzido grau de mínima motivação exigida das decisões que avaliam a admissibilidade das vias recursais eleitas pelos jurisdicionados.
Bem delineados os contornos do cenário atual, passa-se à análise das repercussões da jurisprudência defensiva na admissibilidade dos recursos excepcionais e das ações constitucionais autônomas de impugnação – em especial, do Habeas Corpus. Antecipe-se que o mais grave dos reflexos é a ampliação das hipóteses que autorizam o julgamento monocrático dos recursos excepcionais pelo ministro relator, que os recebe por distribuição após sorteio ou por prevenção.
A gravidade da ampliação das hipóteses que autorizam o julgamento monocrático do recurso se materializa em razão do desprestígio aos princípios da colegialidade, do duplo grau de jurisdição e da reserva de plenário, que salvaguardam às partes o direito de ter o mérito do recurso apreciado pelo colegiado ao qual o Ministro Relator se filia.
O argumento mais utilizado pelo STJ para preservar as hipóteses regimentais que autorizam o julgamento monocrático dos recursos especiais e de recursos especiais com agravo consiste na previsão legal do agravo regimental (ou interno)2.
Contudo, dentre as consequências que recaem sobre as partes que interpõem o agravo regimental está a inviabilidade da realização de sustentação oral. Embora o art. 7º, § 2º-B, da lei Federal 8.906/94 preveja expressamente o direito do advogado à realização de sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos recursos especial, extraordinário, Habeas Corpus e outros, a jurisprudência do STJ3 e o art. 131, §2º, do RI/STF ainda dispõem o oposto, vedando ao advogado o exercício do direito que a legislação Federal lhe garante.
Ainda que se veja prejudicada pela inviabilidade de realizar sustentação oral no agravo, a parte tem a oportunidade legal de o interpor para ver revertido o posicionamento adotado na decisão monocrática. Para tanto, deve eleger o recurso cabível, apto a comportar a sua pretensão: isso porque, embora o agravo interno encontre previsão expressa no art. 1.021 do CPC, prevê-se que “serão observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal”. Portanto, é importante a conferência do que dispõem os regimentos internos do STJ e do STF sobre o tema, e se há distinção entre eles.
O art. 317 do RI/STF prevê que “caberá agravo regimental, no prazo de cinco dias de decisão do Presidente do Tribunal, de Presidente de Turma ou do Relator, que causar prejuízo ao direito da parte”.
Neste tocante, a emenda regimental 51/16 incluiu o art. 317, §5º, do RI/STF, no qual se confere ao relator a discricionariedade de submeter o agravo à julgamento por meio eletrônico, nestes termos: “[o] agravo interno poderá, a critério do Relator, ser submetido a julgamento por meio eletrônico, observada a respectiva competência da Turma ou do Plenário”.
Evidentemente, ao RI/STF não há distinção entre o agravo interno e o regimental porque o artigo próprio, destinado a tratar do agravo regimental (art. 317) prevê, em seu §5º, o rito adotado pelo ministro relator para apregoar o agravo interno para julgamento eletrônico perante o colegiado, conferindo o mesmo significado às duas expressões.
No entanto, no capítulo III, Seções I e I-A do RI/STJ, estão previstos o agravo regimental em matéria penal e o agravo interno, nos arts. 258 e 259, respectivamente.
Veja-se que o agravo regimental se alinha justamente com a previsão do agravo interno constante no art. 1.021 do CPC, conferindo à “parte que se considerar agravada por decisão do Presidente da Corte Especial, de Seção, de Turma ou de relator” a chance de requerer a “apresentação do feito em mesa relativo à matéria penal em geral, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a”.
Contudo, além da limitação às causas penais, o cabimento do agravo regimental (art. 258 do RI/STJ) é excetuado nos casos de “indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus”: a que via recursal deve recorrer a parte que se julgue prejudicada por decisão enquadrada na exceção regimental?
O art. 259 do RI/STJ prevê que caberá agravo interno “[c]ontra decisão proferida por Ministro (…) para que o respectivo órgão colegiado sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a”: esta via de agravo se compatibiliza com todas as causas que tramitem perante o STJ e, também, com as exceções previstas no art. 258, “caput”, do RI/STJ.
A origem da distinção entre o agravo regimental em matéria penal e o agravo interno se deve à emenda regimental 24/16, cuja justificativa se alinha com uma “continuação às alterações voltadas à adaptação do Regimento Interno do STJ ao novo Código de Processo Civil (lei 13.105/2015)”. Na mesma emenda regimental, tratou-se, entre outros, dos temas de homologação de decisão estrangeira, do recurso especial, dos recursos especiais repetitivos, dos agravos regimentais em matéria penal, dos agravos internos, dos embargos de declaração e dos recursos para o STF.
A despeito das distinções estabelecidas especificamente pelo RI/STJ, e do que consta no art. 1.021 do CPC, quanto ao reconhecimento de fungibilidade recursal nos casos contemplados pela exceção do art. 258, “caput”, do RI/STJ, frente à interposição de agravo regimental em matéria penal em vez do agravo interno, merece destaque o art. 8.2, al. “h”, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, segundo o qual garantir-se-á ao acusado o direito de recorrer da sentença para tribunal superior.
Em exemplo de prestígio ao direito de ação e a sua importância no processo penal, tem-se a sentença 216/88, proferida pela sala primeira do Tribunal Constitucional da Espanha: “[e]m nenhuma hipótese cabe transformar um direito fundamental, que é um elemento decisivo do processo penal, em um mero requisito formal que possa ser convertido em um obstáculo insuperável para o alcance do acesso a uma garantia essencial, como é a da recorribilidade” 4.
Nesta linha, a jurisprudência da 3ª Seção do STJ se compatibiliza com o reconhecimento da fungibilidade recursal, quando “ausente a má-fé e presente o preenchimento dos pressupostos do recurso cabível” 5: tanto o agravo regimental, quanto o interno têm prazo de 5 dias para interposição, contado nos termos do art. 4º, §§3º e 4º, da lei Federal 11.419/06, comportam a pretensão de reverter decisão monocrática proferida pelo relator, e se sujeitam à súmula 182 do STJ.
A partir da exposição a respeito das distinções entre o RI/STJ e o RI/STF, considerando o contexto do processo penal em que tais disposições reverberam, embora a jurisprudência da Corte Especial do STJ seja pacífica em reconhecer que a interposição do agravo (art. 1.042 do CPC) ao invés do agravo interno (art. 1.021 do CPC) caracteriza erro grosseiro insuscetível à fungibilidade recursal6, bem como a expressa distinção entre as hipóteses de cabimento do agravo regimental (art. 258 do RI/STJ) e do agravo interno (art. 259 do RI/STJ), em fortalecimento ao sistema processual penal democrático, e em homenagem aos princípios da instrumentalidade das formas, da inafastabilidade da jurisdição e da primazia do mérito, defende-se o cabimento da fungibilidade recursal em casos penais nos quais, diante da exceção ao “indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus”, a parte interponha o agravo regimental em matéria penal (art. 258 “caput”, do RI/STJ), em vez do agravo interno (art. 289 do RI/STJ).
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1 O aspecto de frivolidade, neste caso, decorre da interposição simultânea dos recursos especial e extraordinário pelo jurisdicionado com a mera intenção de evitar que o recurso que realmente crê ser adequado para sustentar as suas pretensões, e que confia ser revestido de probabilidade mais elevada de sucesso, não tenha a remessa à Corte obstado por juízo negativo de admissibilidade, fundado na Súmula n. 126 do STJ. Neste ato, o jurisdicionado se vê estimulado a assim atuar pela imposição do enunciado sumular em casos nos quais não é aplicável, devido à falibilidade da jurisdição e reduzido grau de precisão judicial. Sobre este tema: CRISTOFANI, Cláudia Cristina. Aspectos econômicos da precisão da decisão judicial. 2015. 214 f. Dissertação de Mestrado (Ciências Jurídico-Econômicas). Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2015.
2 Assim, no âmbito da Quinta Turma do STJ, define-se que é “possível que o relator negue seguimento a recurso ou a pedido manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante, sem que se configure ofensa ao princípio da colegialidade, o qual sempre estará preservado, diante da possibilidade de interposição de agravo regimental” STJ – AgRg no RHC n. 116.914/RS. Rel. Min. Ribeiro Dantas. T5 – Quinta Turma. Julgado em 03/08/2021. Publicado no DJe de 16/08/2021. Ainda, no âmbito da Sexta Turma do STJ: STJ – AgRg no REsp n. 1.769.050/RN. Rel. Min. Sebastião Reis Júnior. T6 – Sexta Turma. Julgado em 19/05/2020. Publicado no DJe de 28/05/2020.
3 Embora o RI/STJ tenha sido objeto da inclusão, pela emenda regimental n. 41/2022, dos arts. 160, 184-B, 184-D e 184-F, com a finalidade de adequá-lo ao art. 7º, § 2º-B, da Lei Federal n. 8.906/94, a jurisprudência do STJ ainda resiste à garantia ao advogado do direito de sustentação oral nos casos de agravo regimental interposto em recurso especial com agravo. Nestes termos: STJ – EDcl no AgRg no AREsp n. 2.170.433/PA. Rel. Min. Ribeiro Dantas. T5 – Quinta Turma. Julgado em 04/10/2022. Publicado no DJe/STJ n. 3494 em 10/10/2022. Ainda, vedando o direito à sustentação no agravo regimental contra a decisão que nega seguimento ao recurso extraordinário: STJ – PSusOr no AgRg no RE nos EDcl no AgRg no AREsp n. 2.026.533/SP. Rel. Min. Og Fernandes. CE – Corte Especial. Julgado em 19/04/2023. Publicado no DJe/STJ n. 3.624 em 02/05/2023.
4 Lê-se na decisão que “[e]n ningún caso cabe transformar un derecho fundamental que es simultáneamente un elemento decisivo del proceso Penal en un mero requisito formal que pueda convertirse en obstáculo insalvable para tener acceso a una garantía esencial, como es la del recurso”. ESPANHA. Tribunal Constitucional da Espanha (Sala Primeira). Sentença 216/1988. 14 nov. 1988 (BOE n. 297. 12 dez. 1988).
5 STJ – EDcl no AgRg nos EAREsp n. 1.240.307/MT. Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, S3 – Terceira Seção. Julgado em 08/02/2023. Publicado no DJe de 13/02/2023.
6 STJ – AgRg no ARE no RE no AgRg no AREsp n. 2.451.150/PR. Relator Ministro Og Fernandes. CE – Corte Especial. Julgado em 21/05/2024. Publicado no DJe de 24/05/2024. STJ – AgRg no ARE no RE nos EDcl no AgRg nos EDcl nos EDv nos EDcl no AREsp n. 2.203.366/SP. Relator Ministro Og Fernandes. CE – Corte Especial. Julgado em 12/12/2023. Publicado no DJe de 15/12/2023.
Bernardo Luiz Migdalski
Acadêmico de Direito na FAE, certificado em Prevenção à Lavagem de Dinheiro (CPLD-10), pelo IBPLD, em Compliance Anticorrupção, pela PUC-Rio e em Colaboração Premiada, pela PUC-RS.
Daniel Laufer
Advogado criminalista. Mestre pela PUCPR e Doutor pela PUC-SP. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, do Instituto de Direito Tributário do Paraná e do Instituto dos Advogados do Paraná
Maria Francisca Accioly
Advogada criminalista, Mestre em Direito pela UFPR, autora do livro “As medidas cautelares patrimoniais na lei de lavagem de dinheiro”, Ed. Lumen Juris.