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Já nos manifestamos1, ano de 2021, sobre a inadequação da mencionada súmula do E. Tribunal Bandeirante à jurisprudência do C. STF.
Em setembro de 2024, porém, a incompatibilidade da mencionada súmula tornou-se escancarada, diante do teor da súmula vinculante 60 que albergou o Tema de Repercussão Geral 1.234.
SUM 29 TJ/SP-SV 60 E RG 1.234
Observemos a o teor da súmula 29 do TJ/SP, da SV 60 e do tema RG 1.234.
Súmula 29 do E. TJ/SP:
“Inadmissível denunciação da lide ou chamamento ao processo na ação que visa ao fornecimento de medicamentos ou insumos”
Prevê mencionada súmula vinculante 60:
“O pedido e a análise administrativos de fármacos na rede pública de saúde, a judicialização do caso, bem ainda seus desdobramentos (administrativos e jurisdicionais), devem observar os termos dos 3 (três) acordos interfederativos (e seus fluxos) homologados pelo STF, em governança judicial colaborativa, no Tema 1.234 da sistemática da repercussão geral (RE 1.366.243).” (grifos nossos).
A mencionada súmula vinculante transforma, na prática, o Tema 1.234 em súmula de efeito vinculante. Destacamos, a seguir, os aspectos jurisdicionais do mencionado tema de repercussão geral.
Tema 1.234 do C. STF:
“(…)
3.3) As ações que permanecerem na Justiça Estadual e cuidarem de medicamentos não incorporados, as quais impuserem condenações aos Estados e Municípios, serão ressarcidas pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES ou ao FMS). Figurando somente um dos entes no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do outro para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão.
(…)” (grifos nossos).
Na época do primeiro texto de opinião datado de 2021 entendemos que haveria ofensa “indireta” à autoridade do C. STF. Assim no expressamos2:
“Data maxima venia, pedimos licença aos eminentes magistrados da Corte Bandeirante para afirmar que a referida súmula desrespeita (indiretamente) a autoridade da Corte Suprema.”
Afronta à autoridade do C. STF
Hoje, porém, pedimos venia para afirmar que se trata de ofensa direta ao teor do Tema 1.234 do C. STF que, diga-se, está albergado na súmula vinculante 60. Há, data venia, desrespeito à autoridade do C. STF.
Ora, se o Tema 1.234, albergado expressamente pela SV 60, trata da possibilidade de inclusão no polo passivo de outros entes políticos, a súmula 29 não pode, simplesmente, inadmitir modalidades de intervenção de terceiros cuja finalidade é, exatamente, incluir outros entes no polo passivo.
Quando o Tema 1.234 prevê que “figurando somente um dos entes no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do outro para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão” faz com que a mencionada súmula 29 se torne obsoleta para o sistema jurídico.
Seria acaciano e desprovido de sentido prático afirmar-se que seria mera discricionariedade do magistrado a inclusão de outros entes políticos e que as intervenções de terceiros não seriam cabíveis.
Criar-se-ia a estranha figura da “intervenção de terceiro discricionária” sem amparo no sistema processual.
A todo direito a uma ação (ou, no mínimo um incidente processual) que o assegura. Se o STF reconheceu o cabimento da inclusão de terceiros (outros entes políticos) no âmbito das ações de medicamentos, há alguma forma processual de inclusão destes mencionados entes políticos. A forma é a intervenção de terceiros (chamamento ao processo ou denunciação da lide). Se o magistrado pode incluir, até mesmo de ofício, pode, obviamente, incluir a pedido da parte interessada.
O chamamento ao processo e a denunciação da lide ocorrem sempre que houver direito a uma ação regressiva. São expressões concretas do princípio da economia processual trazendo ao litígio aquele que, posteriormente, poderia ser acionado na ação regressiva.
Tais institutos processuais são vedados sempre que corrompam o princípio da “razoável duração do processo”. É o caso dos Juizados Especiais e dos litígios envolvendo o consumidor. Nestas hipóteses – expressamente previstas em lei – o pedido de intervenção de terceiro deverá ser indeferido como forma de garantir a celeridade processual.
No caso das demandas de saúde envolvendo entes públicos, porém, o C. STF decidiu que não há tal vedação. Decidiu em sentido diametralmente oposto à vedação.
Vedação da”municipalização” dos prejuízos
A jurisprudência já percebeu que a solidariedade passiva dos entes políticos sem o respeito à parte final da tese do tema 793 “…..e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro” significa sacrificar apenas e tão somente os Municípios. A súmula vinculante 60 do C. STF surgiu como forma de impedir aquilo que, na vida real, era a “municipalização dos prejuízos” e “competência exclusiva dos munícipios para cumprimento das ações de medicamentos”.
Assim, já decidiu a Corte Paulista, reforçando o fato ilícito de “municipalização dos prejuízos” no mundo da vida real:
“Ementa: Apelação. Ação de cobrança. Pretensão de compelir o Estado de São Paulo a arcar com os custos despendidos pela Municipalidade em cumprimento de decisão judicial que determinou a internação compulsória de munícipe. Possibilidade. Organização do SUS regionalizada, pautada na descentralização político administrativa e na hierarquização da rede de serviços de saúde, em níveis de complexidade crescente. Responsabilidade solidária entre os entes federativos que difere da solidariedade do direito privado. Divisão de competências que observa a capacidade financeira de cada ente federativo. Compensação financeira devida pelo ente estadual, sob pena de inviabilizar o funcionamento dos Municípios que, por estarem mais próximos dos administrados, serão os principais procurados em ações judiciais que versem sobre a saúde. Precedentes do E. TJSP. Sentença mantida. Recurso desprovido.”
(Apelação 1000309-28.2018.8.26.0566, relator: Fernão Borba Franco, comarca de São Carlos, 7ª Câmara de Direito Público, data de julgamento e publicação: 14/2/19- grifos nossos).
A vida real mostra que o município acaba arcando com todas as despesas decorrentes de ordens judiciais na área de saúde. O Estado, venia concessa, transformou-se em verdadeiro parasita das verbas públicas municipais, além de expectador passivo da implementação do direito à saúde. A súmula vinculante 60 reconhece, implicitamente, o parasitismo dos entes estaduais e bota fim a esta imoralidade.
O Estado ignora a imensa maioria das ordens judiciais da área da saúde pública, ciente de que serão cumpridas pelos municípios, empurrando ao ente político menos favorecido suas incumbências constitucionais, numa inversão grosseira do princípio da isonomia substancial.
Conclusão
Com a devida venia, os municípios têm o direito de ressarcimento das despesas em face deste paquiderme inerte e insensível, inclusive pela via da intervenção de terceiros, consentânea com a economia processual, com o Tema 793 do STF e, agora, com a súmula vinculante 60 e RG 1.234.
A manutenção da referida súmula 29 do E. TJ/SP significa vilipêndio à súmula vinculante 60, desrespeito à autoridade do STF e à isonomia substancial.
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1 https://www.migalhas.com.br/depeso/354518/sumula-29-do-tjsp-ofende-autoridade-do-stf
2 https://www.migalhas.com.br/depeso/354518/sumula-29-do-tjsp-ofende-autoridade-do-stf
Laércio José Loureiro dos Santos
Mestre em Direito pela PUCSP, Procurador Municipal e autor do Livro, “Inovações da Lei de Licitações e polêmicas licitatórias”, 3ª Ed. Dialética, 2.024, versão em português e inglês.