A desistência dos embargos de declaração e o efeito interruptivo   Migalhas
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A desistência dos embargos de declaração e o efeito interruptivo – Migalhas

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O art. 1.026 do CPC estipula que a interposição dos embargos de declaração interrompe o prazo para a interposição dos próximos recursos. Essa espécie recursal não é a modalidade principal de impugnabilidade de qualquer decisão, uma vez que a normalidade da irresignação das partes sobre um ato decisório será atacada mediante error in procedendo ou error in judicando para a devida alteração ou anulação da demanda.

Pelo princípio da correspondência, entre a decisão e o recurso cabível, os embargos estariam sob um aspecto residual, com a necessidade de reparação, correção ou integração da decisão e, não, mediante sua regra, para a própria impugnação de irresignação pelo conteúdo do julgado.

É somente uma espécie recursal para esclarecer ou integrar (ainda que excepcionalmente para modificar) a decisão.

Dessa feita, o intuito não é substituir o modo recursal natural para a impugnação daquela decisão pelos embargos de declaração, o que ocorrerá pela interposição de um recurso próprio e posterior, contudo há a necessidade de impugnar a decisão imperfeita, via embargos de declaração, e torná-la pronta para a impugnação correta e principal sobre a decisão.

Logo, a existência e interposição dos embargos de declaração servem para a devida correção ou integração, para ajudar na idealização da perfeição da prestação jurisdicional e, com isso, como um meio de auxílio para a melhor impugnabilidade via o próximo recurso, devendo, portanto, o prazo para interposição desse possível próximo recurso, somente iniciar-se depois da decisão sobre os embargos de declaração.

Essa interrupção ocasionada pela interposição dos embargos de declaração é conceituada como efeito interruptivo1, ou seja, o impacto ao processo que a existência desse recurso, naquela demanda, resulta na interrupção do prazo para outros e posteriores recursos, seja para a parte embargante ou para a outra parte que não realizou a interposição de tal recurso.

É importante entender que a interrupção serve como diálogo com o próprio caráter integrativo dos embargos de declaração e a complementação da decisão impugnada, com as respostas às dúvidas recursais. A decisão estando completa, o próximo recurso será o correto para a impugnação da decisão, com o entendimento integral da decisão.

Se o efeito interruptivo funciona como meio de integrar a decisão para o próximo recurso, não será possível em pronunciamentos em que a norma já estipula outro meio de defesa, como a contestação, impugnação, réplica, alegações finais, dentre outras.2 Somente é válido como meio de entender a decisão para a melhoria da compreensão destas para o próximo recurso.

Independentemente de qual das partes realizou a interposição dos embargos de declaração, a interrupção beneficia ambas as partes, pelo fato da revisão da decisão judicial, necessária com a existência de tal recurso, pode atingir o processo como um todo, como a correção da decisão para ambas as partes, seja para esclarecer ou integrar e, dessa maneira, causando impactos não somente para quem interpôs o recurso, mas para ambos.

Com isso, o prazo para o intento dos próximos recursos ficam interrompidos até a prolação da decisão que julga os embargos de declaração, com uma nova fluência do prazo para o recurso posterior, tanto para a parte embargante quanto para a parte embargada.3

A data da interrupção do prazo inicia da própria interposição do recurso, prolongando-se até o momento em que houver a publicação da análise realizada pelo juízo embargado sobre o recurso. Ou seja, uma vez interpostos os embargos de declaração, não há necessidade de interposição de qualquer outro recurso, como apelação, agravo de instrumento, dentre outros, justamente pelo dever da decisão ser reanalisada para a sanabilidade dos equívocos ali suscitados pelo embargante.

Sobre o efeito interruptivo, o STJ julgou o REsp 1.833.120, pela 3ª Turma, que enfrentou uma situação sobre os embargos de declaração opostos, depois com a desistência pelo recorrente e, posteriormente, com a interposição do recurso principal.

Esse julgado merece uma atenção e análise, a qual abaixo se enfrenta.

Imagine que uma parte interpôs embargos de declaração e a outra não, com o recurso totalmente tempestivo e em sua tramitação normal, porém em momento posterior ao protocolo e antes do julgamento deste recurso, o recorrente desiste dos embargos de declaração.

Diante dessa situação, quando interposto o recurso, o efeito interruptivo foi consequente, inerente ao próprio art. 1.026 do CPC, mas se o recorrente que embargou desiste do recurso, qualquer que seja o motivo, por entender numa melhor análise que nenhum vício do art. 1.022 do CPC estava presente, a dúvida é seguinte: se mantém o direito de recorrer posteriormente, interpor o recurso principal, dado o efeito interruptivo? Um exemplo seria a interposição dos embargos em uma sentença, desiste-se destes e caberia ainda prazo para a embargante agora interpor a apelação, por causa do efeito interruptivo?

A resposta tem 2 pontos a serem enfrentados.

Primeiro, para o embargante, ao desistir dos embargos, este perde o direito recursal para o próximo recurso, no exemplo, a apelação. O efeito interruptivo somente possibilita que a decisão seja integrada com outra decisão (a que responde aos embargos de declaração) e, a partir desse ponto, abre-se o prazo para a interposição do próximo recurso.

O direito a recorrer do recurso principal está interligado ao direito em integrar a decisão embargada, com a prolação de uma decisão mais perfeito, sem vício, ao menos processualmente. Com a prolação da decisão sobre os embargos de declaração, o direito de recorrer reabre, pelo efeito interruptivo.

No entanto, se a parte recorrente desiste dos embargos, não terá esse novo prazo, justamente por não ter integrado a decisão embargada. Sem a nova decisão, a primeira – a embargada – mantém intacta, com a aceitação, ainda que tácita, do embargante desistente sobre o seu teor, sem direito a outro recurso.

Essa foi a posição do STJ no julgamento do REsp 18331204 pela 3ª Turma, sem a possibilidade de interrupção, nem contagem de novo prazo, com a desistência dos embargos de declaração servindo de ato de aceitação da decisão e seu trânsito em julgado.

O segundo ponto de análise é o impacto disso para a outra parte – o recorrido.

Sabe-se que os embargos de declaração têm o condão de interromper o prazo para ambas as partes, mesmo para aquela que não recorreu, como dito. Se o recorrente desiste, o recorrido também perde o direito de interpor o próximo recurso? A resposta tende a ser negativa, com a manutenção deste direito para o recorrido ante a desistência dos embargos de declaração pelo recorrente.

O direito do embargante que desistiu findou com a desistência, mas, diante disso, o juízo deve intimar o embargado, aquele que não recorreu, para interpor, se entender cabível e houver interesse recursal para esta parte, o recurso principal.5

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1 “Além disso, os embargos de declaração de uma parte não têm o condão de interromper o prazo dos embargos da outra, se uma e outra se insurgem contra a mesma decisão. Noutras palavras, não fica interrompido o prazo para o embargado opor embargos de declaração contra a decisão já embargada pela outra parte. Por força do princípio da igualdade, o prazo de cinco dias para a interposição do recurso é comum a ambas as partes. Escoando o quinquídio, dá-se a preclusão.” SILVA, Ticiano Alves e. Os embargos de declaração no novo Código de Processo Civil. Coleção Novo CPC – Doutrina Selecionada – v.6 – Processo nos Tribunais e Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. Orgs: DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 672.

2 (RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTEMPESTIVIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO INTERRUPTIVO. DEFESA DO DEVEDOR. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Os embargos de declaração interrompem o prazo apenas para a interposição de recurso, não sendo possível conferir interpretação extensiva ao art. 1.026 do CPC/2015 a fim de estender o significado de recurso às defesas ajuizadas pelo executado. 2. Recurso especial a que se dá provimento para julgar intempestiva a impugnação ao cumprimento de sentença. (.) REsp 1.822.287, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4a. Turma, DJe 3/7/2023).

3 (PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ARTIGOS 538. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA OUTROS RECURSOS. 1. Os embargos declaratórios interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes, inclusive para novos embargos declaratórios. 2. Recurso especial conhecido parcialmente. STJ – REsp n.º 444.162, 6ª T, Rel. Min. Paulo Gallotti, J. 26.06.2003.)

4 (EMENTA RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. POSTERIOR DESISTÊNCIA. PRAZO RECURSAL. INTERRUPÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. (.) . 2. Cinge-se a controvérsia a saber se os embargos de declaração, a despeito da posterior manifestação de desistência, interrompem ou não o prazo para a interposição de outros recursos. 3. Extintos os embargos de declaração em virtude de desistência posteriormente manifestada, não é possível sustentar a interrupção do prazo recursal para a mesma parte que desistiu, tampouco a reabertura desse prazo a contar da intimação do ato homologatório. 4. A interrupção do prazo recursal resultante da oposição de embargos de declaração, seja por força do art. 538 do CPC/1973, seja por expressa disposição do art. 1.026 do CPC/2015, não se opera no caso em que os aclaratórios não são conhecidos por serem considerados inexistentes. 5. É intempestivo o recurso especial interposto após a manifestação de desistência de anteriores embargos de declaração opostos pela mesma parte. 6. Recurso especial não conhecido. STJ – REsp 1833120, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, DJe 18/10/2022).

5 Trecho do mesmo julgado: (Diversa seria a solução se se tratasse da hipótese de desistência manifestada pela parte contrária, tendo em vista que a possibilidade de opor embargos de declaração e deles desistir posteriormente não pode servir como mecanismo prejudicial à parte que, de boa-fé, confiante na interrupção do prazo recursal, aguarda o julgamento dos aclaratórios para, só então, manifestar o seu inconformismo. (…) STJ – REsp 1833120, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, DJe 18/10/2022).

Vinicius Silva Lemos

Vinicius Silva Lemos

Pós-Doutor em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor Adjunto UFAC. Conselheiro Federal pela OAB Rondônia. Advogado.

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